Senado mostrou altivez ao rejeitar PEC da Blindagem
Por O Globo
Qualquer iniciativa para ampliar impunidade
precisa ser rechaçada. Sociedade deve se manter vigilante
Foi providencial a decisão da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado de rejeitar por unanimidade a PEC da Blindagem, Proposta de Emenda à Constituição que, na prática, tornava o Congresso um refúgio seguro para todo tipo de criminoso. Diante de resultado tão eloquente, o presidente do Senado, Davi Alcolumbre (União-AP), fez bem em arquivá-la. O texto aprovado na Câmara era uma aberração. Exigia, para abertura de processo contra parlamentares, licença da respectiva Casa em votação secreta. Também limitava prisões em flagrante a casos de crimes inafiançáveis (mediante posterior avaliação no Congresso), impedia instâncias inferiores de expedir medidas contra deputados e senadores em processos civis e tornava o Supremo Tribunal Federal (STF) o foro judicial de presidentes de partidos políticos. A PEC blindava suspeitos de crimes e servia como incentivo à impunidade.
A aprovação na Câmara se deu de forma açodada
na terça-feira da semana passada. Os únicos partidos cuja bancada votou em
uníssono contra foram Novo, PCdoB, PSOL e Rede. No mais, como costuma acontecer
com iniciativas de natureza corporativa dos parlamentares — caso do
enfraquecimento das leis da Ficha Limpa e da Improbidade Administrativa —, a
PEC reuniu apoio ecumênico entre várias legendas, caso de PL, MDB, PP,
Republicanos ou União (o PT forneceu 12 votos, decisivos para a aprovação). Na
noite de terça-feira, a votação secreta para abertura de ação penal fora
rejeitada, mas retornou ao texto graças a uma manobra regimental na
quarta-feira. Felizmente, cumprindo seu papel de Casa revisora, o Senado adotou
postura mais altiva.
A rejeição unânime na CCJ barrou qualquer
possibilidade de análise pelo plenário. Cumprindo o regimento, Alcolumbre
oficializou o arquivamento. “Parlamentares encararam o tema com serenidade,
altivez e coragem. Logo este tema, que tem naturalmente mobilizado a sociedade
brasileira, mas, sobretudo, o Parlamento. É o que nos cabe”, afirmou. O
relator, senador Alessandro Vieira (MDB-SE), foi especialmente feliz em seu
voto, ao constatar que se tratava de uma PEC “desenhada para proteger bandido”.
O presidente da CCJ, senador Otto Alencar
(PSD-BA), já avisara, antes da votação na Câmara, que a PEC não teria chance no
Senado. Com a repercussão negativa desencadeada pelo açodamento dos deputados,
não teve mesmo. No último sábado, pesquisa Quaest revelou que 83% dos
comentários em redes sociais haviam sido contrários à iniciativa. A oposição da
opinião pública ficou patente no dia seguinte, quando dezenas de milhares de
manifestantes protestaram contra ela em várias capitais, numa pujante
demonstração de força.
Infelizmente, o arquivamento da PEC da
Blindagem talvez não encerre o assunto. Pelos corredores do Congresso, há quem
planeje voltar a propor várias das medidas em nova roupagem. Ainda que com teor
mais brando, seria igualmente inaceitável. Todas as tentativas de aumentar a
impunidade sob o falso pretexto de garantir autonomia aos mandatos precisam ser
rechaçadas. A liberdade parlamentar está garantida. Qualquer declaração em
contrário é um ataque ao bom senso. Para barrar as investidas futuras, é
essencial a sociedade manter vigilância constante.
Manobra das ‘emendas paralelas’ aumenta
relevância de caso no STF
Por O Globo
Estudo detectou quase R$ 3 bilhões indicados
por parlamentares fora de rubricas orçamentárias adequadas
Não tem faltado criatividade aos
congressistas para tentar driblar as restrições impostas pelo Supremo Tribunal
Federal (STF) às emendas parlamentares, concluiu um estudo da Transparência
Brasil. Além dos R$ 44,8 bilhões empenhados no ano passado nas modalidades
tradicionais — emendas individuais (RP6), de bancada (RP7) e de comissão (RP8)
—, mais R$ 2,9 bilhões em gastos indicados por deputados e senadores correram à
margem dos controles, alocados em rubricas reservadas a despesas do Executivo —
gastos discricionários (RP2) e Programa de Aceleração do Crescimento (RP3).
Foram, por isso, batizadas “emendas paralelas”.
A Transparência Brasil descobriu que apenas
20% dessas “emendas paralelas” — ou R$ 600 milhões — haviam sido associadas a
alguma etiqueta orçamentária que permitisse rastrear o destino dos recursos. O
resto ficou misturado aos gastos dos ministérios, dificultando qualquer
controle. Do total rastreável, mais da metade — ou R$ 313,7 milhões — foi
alocada para uma única empresa: a Companhia de Desenvolvimento do Vale do São
Francisco e Parnaíba (Codevasf), conhecido palco de desvios e escândalos. Por
meio da Lei de Acesso à Informação, a Transparência obteve acesso a ofícios
encaminhados por parlamentares à estatal reivindicando a paternidade dos
recursos. “Deputados e senadores (…) utilizam expressões como ‘minha cota’ e
‘portador do crédito’, indicando inclusive o contato de associações
comunitárias que devem receber bens de alto custo”, afirma o estudo.
O artifício desmascarado pelo estudo expõe
mais uma dificuldade na supervisão das emendas, representando um novo desafio
às decisões do STF e ao que estabelece a Constituição sobre a transparência nos
gastos públicos. Desde 2022, instado por ações de partidos políticos, o Supremo
vem impondo regras para assegurar a transparência em gastos de dezenas de
bilhões, usados para irrigar bases eleitorais de políticos. Primeiro, a
ministra Rosa Weber decretou a inconstitucionalidade das emendas do relator
(RP9), duto por onde escoava o proverbial “orçamento secreto”. Os parlamentares
passaram então a destinar recursos por meio das emendas de comissão e, agora se
descobre, das “emendas paralelas”, disfarçando suas indicações como gastos do
Executivo.
Desde a aposentadoria de Rosa, o ministro Flávio Dino, que assumiu as ações sobre as emendas, impôs diversas medidas para aumentar a transparência. As “emendas paralelas” ampliam a importância do julgamento que Dino pretende em breve levar a plenário. É necessário tratar ainda da Codevasf, cuja área de atuação foi estendida até o Amapá. As regras que valem para as emendas também precisam valer para a Codevasf. Ao julgar as ações, o STF terá oportunidade de projetar luz sobre parcela ponderável da despesa pública.
Sociedade mostra força contra blindagem do
Congresso
Por Folha de S. Paulo
Após onda de manifestações, Senado enterra
PEC que permitia ao Legislativo barrar investigações
É positivo que o Congresso ainda se revele
permeável à opinião pública; projeto de anistia a condenados por golpismo
precisa ser arquivado
A Comissão de Constituição e
Justiça do Senado,
ainda bem, enterrou na
quarta-feira (24) a famigerada PEC da
Blindagem, uma proposta de emenda à Constituição que tinha o ignóbil
objetivo de tornar deputados e senadores imunes a investigações criminais.
Entre os maiores patrocinadores da medida
estavam os partidos do centrão e o PL, sigla de Jair
Bolsonaro. Esgrimavam a favor da PEC argumentos lustrosos, como a
necessidade de garantir aos parlamentares o direito de emitir opiniões e votar
leis sem receio de sofrer censura ou retaliação do Supremo Tribunal Federal (STF).
Tratava-se, contudo, de puro verniz destinado
a encobrir as verdadeiras intenções: o que os congressistas pretendiam era
barrar o avanço das mais de 80 investigações no Supremo ligadas a suspeitas de
corrupção com recursos de emendas parlamentares —uma rubrica que gira mais de
R$ 50 bilhões por ano.
A despeito do evidente caráter indecoroso
dessa PEC, ela foi
aprovada por ampla maioria na Câmara, com o aval de deputados das
mais diversas agremiações —entre as quais o PT.
Além disso, pode-se assumir, sem medo de
errar, que a tramitação da proposta contava com a bênção do Senado, já que
medidas dessa natureza dificilmente são deliberadas em uma Casa legislativa sem
que se promovam conversas prévias com a outra.
Foi, portanto, somente por causa da pressão
pública que o Senado houve por bem arquivar a iniciativa. Após protestos nas
capitais, milhares de pessoas nas ruas, mobilização em jornais e redes sociais,
os parlamentares perceberam que seria inviável seguir adiante com uma PEC
indefensável sob qualquer ponto de vista.
É preocupante que todo esse arsenal tenha
sido necessário para derrubar uma medida moralmente intragável; por outro lado,
não deixa de ser positivo constatar que o Congresso
Nacional —em particular, o Senado— ainda se revele permeável à
opinião pública.
Afinal, superada a PEC da Blindagem,
voltam-se as atenções para outro desatino: o projeto de lei da anistia, que, se
depender da direita mais radical, terá o condão de perdoar todos os condenados
por atentar contra a democracia.
Reconheça-se, porém, um nível diferente de
nuances; pelo fato de o próprio Bolsonaro ter sido sentenciado a 27 anos de
prisão, soa improvável que atos contra a anistia atinjam o mesmo volume
verificado contra a blindagem.
Mais relevante, todavia, é a existência de
duas discussões paralelas. Uma delas é razoável e diz respeito à redução das
punições aplicadas aos partícipes dos atos golpistas,
enquadrados, de forma redundante, nos crimes de tentativa de golpe e tentativa
de abolição violenta do Estado de Direito.
A outra discussão trata do perdão completo
que Bolsonaro e seus correligionários gostariam de receber. Isso seria
inconcebível na atual ordem democrática, e o Congresso tem a oportunidade de
mostrar que aprendeu a lição com a PEC da Blindagem.
Segurança pública não é faroeste
Por Folha de S. Paulo
Gratificação a policiais em casos de
"neutralização de criminosos" aprovada no RJ estimula abusos
Comparando os quatro primeiros meses de 2024
e os de 2025, a letalidade policial no Rio saltou 34,4%, ante 0,3% de queda no
Brasil
"Em caso de apreensão de armas de grande
calibre ou de uso restrito, em operações policiais, bem como em caso de
neutralização de criminosos", o governo do Rio de
Janeiro poderá conceder "premiação em pecúnia, por mérito
especial" de 10% a 15% dos vencimentos do profissional.
Este é o texto da emenda proposta por
deputados da base do governo Cláudio
Castro (PL) e aprovada na
terça (23) na Assembleia Legislativa fluminense.
Trata-se de ressuscitar uma bonificação por
bravura que havia sido instituída em meados dos anos 1990 e foi paga até 2000
para policiais envolvidos em tiroteios, prisão ou morte de criminosos.
Tal norma não à toa foi apelidada de
"gratificação faroeste". Além de incentivar abusos, a medida pode
aumentar o risco para os agentes. Entre janeiro a abril deste ano, 52% das
mortes violentas de policiais no Brasil se deram no estado do Rio, como mostram
dados do Ministério da Justiça.
A bonificação macabra serve de estímulo
institucional à violência,
por premiá-la financeiramente em uma profissão já precarizada em suas condições
materiais e psicológicas de trabalho.
Às autoridades, caberia estruturar uma
política de segurança com inteligência, tecnologia e baseada em evidências, em
vez de insistir na receita ultrapassada de promover letalidade policial como
forma fácil, mas ineficaz, de proteger a população.
O Rio caminha na contramão do país. Ainda
segundo informações da pasta da Justiça, o número de mortes violentas
—homicídios, feminicídios, latrocínios e lesões corporais seguidas de morte—
subiu 6% no estado, comparando os quatro primeiro meses de 2025 com o mesmo
período do ano anterior, enquanto no Brasil houve queda de 11%.
A maior discrepância em relação aos dados
nacionais se dá no índice de letalidade policial. Mesmo que a redução no país
tenha sido pífia, de só 0,3%, o indicador apresentou um salto de 34,4% no Rio,
indo de 212 para 285 mortes causadas por agentes de segurança durante o mesmo
período.
Assim, o que a gratificação aprovada pela
Alerj faz nada mais é que endossar essa tendência à brutalidade policial, sem
nenhum ganho efetivo em segurança para a sociedade.
Em realidade, a própria população —em
especial a parcela pobre e negra, que já é a mais
afetada por excessos no uso da força—
torna-se alvo da polícia.
Os deputados do Rio acham que estão no Velho Oeste. Esquecem que, no Estado democrático de Direito, o combate à criminalidade não pode se dar fora da lei.
Economia desacelera e favorece queda de juros
Por Valor Econômico
BC revisou sua projeção de crescimento em
2026 para 1,5% — a mais baixa de todas as previsões feitas no ano até agora
A economia está se desaquecendo, e da rapidez
e da intensidade desse movimento dependerão o início da queda dos juros e a
extensão do afrouxamento monetário. O Relatório de Política Monetária, divulgado
pelo Banco Central (BC) ontem, indica que o esfriamento das atividades, fruto
da enorme taxa real da Selic, de quase 10%, é maior do que sugere a ata da
última reunião do Copom. O BC revisou sua projeção de crescimento em 2026 para
1,5% — a mais baixa de todas as previsões feitas no ano até agora, inclusive de
analistas privados constantes do boletim Focus. No relatório, o BC prevê que a
economia estará crescendo abaixo de seu potencial só no primeiro trimestre de
2027. Mas, pelos dados espalhados ao longo do relatório, poderá atingir maior
grau de ociosidade antes do esperado.
O BC recalculou o hiato do produto (distância
para mais ou para menos do ponto em que a economia opera sem gerar pressões
inflacionárias) no segundo trimestre de 0,5% para 0,7%, motivo para que a
projeção de inflação para o último trimestre de 2026 não tenha recuado para
3,2%, como amplamente esperado pelos analistas. Mas a reestimativa do PIB
sugere que esse hiato possa se fechar mais rapidamente.
Os motivos para um PIB tão menor são perda de
impulso da agropecuária, desaceleração da economia global e os efeitos da carga
pesada de juros de 15%. Embora a ata afirme que o BC avalia se a permanência
prolongada dessa taxa será suficiente para levar a inflação à meta, o relatório
deixa claro que ela parece ser eficaz e mais que suficiente para fazer o
serviço.
Não há dúvida de que as expectativas estão
desancoradas e os núcleos de inflação em 12 meses estão acima do que seria
compatível com um IPCA de 3%, o que justifica manter juros altos. As previsões
do BC indicam que a inflação chegará a 4,8% no fim do ano, 3,6% no fim do ano
que vem e 3,4% no primeiro trimestre de 2027, para atingir 3,1% apenas no
primeiro trimestre de 2028. Mas os últimos dados são encorajadores de que taxas
tão elevadas possam não ser tão duradouras quanto se prevê.
Um dos fatores de preocupação e um obstáculo
à queda da inflação têm sido os preços dos serviços. Na ponta, comparando a
inflação de serviços nos três meses encerrados em agosto com os de abril,
excluídas passagens aéreas, ela cai de 1,36% para 1,15%. A inflação dos
serviços subjacentes, mais influenciados pelo ciclo econômico, recuou de 1,70%
para 1,27% no período. Em 12 meses, a taxa ainda está alta e fechou agosto em
6,16%. O motivo apontado é o aquecimento do mercado de trabalho, com o avanço
da renda empurrada pela diminuição do desemprego e o aumento dos salários acima
da inflação.
No entanto, há mudanças sensíveis nesses
pontos. A média móvel trimestral de criação de empregos do Caged em julho caiu
de 165 mil no trimestre anterior para 113 mil agora. O rendimento médio
habitual aumentou 8,9% em relação a 2019, o que parece um salto grande, mas é
apenas 2,6% maior do que se a tendência observada antes da pandemia
prosseguisse até hoje. O aumento real do salário de admissão, de 0,6% em relação
ao trimestre encerrado em julho de 2024, caiu e é menor que o 0,9% do de abril.
Reajustes salariais médios no trimestre foram de 1%, estáveis em relação a
2024.
Os desligamentos voluntários cresceram com um
mercado de trabalho favorável ao empregado que busca melhores salários. No
entanto, o prêmio salarial dessa troca, medido pelo Caged, segundo o relatório,
“está diminuindo há três anos, tanto para os desligamentos voluntários quanto
para os demais”. Há ainda desaquecimento nas métricas de desligamentos
voluntários, taxa de participação, e quantidade de requerentes de
seguro-desemprego, que “indicam um menor aquecimento em julho de 2025”. São
números que apontam guinada rumo à menor atividade em futuro próximo.
Outro grande impulso para as atividades vem
do crédito, que continuará desacelerando para a pessoa física. O BC estima que
a maior parte da transferência da alta da Selic para o custo do dinheiro já foi
feita. Em 2026, o saldo de crédito total crescerá 8%, mas a taxa real será de
4,2%, inferior aos 6,4% de 2025. Não se trata de freada brusca, e haverá
expansão moderada para as empresas. O que deve ajudar a derrubar a demanda é o
aumento da inadimplência.
Em termos agregados, o consumo das famílias
nos três últimos trimestres teve expansão média de 0,1%, bem abaixo do 1,6% de
período equivalente de 2024. E, retirando o excepcional crescimento da
agricultura, o PIB estabilizou em expansão de 0,4% nos dois primeiros
trimestres do ano, enquanto a taxa de formação bruta de capital fixo em relação
ao PIB está estável desde o terceiro trimestre de 2024.
A cautela do BC se deve aos frustrados “falsos positivos” de desaceleração da economia nos últimos anos. Mas a maior taxa Selic em quase duas décadas parece ter poder para reduzir as atividades e a inflação. O custo tem sido muito alto porque a política monetária tem de se confrontar com os incentivos fiscais do governo Lula. Se mais estímulos não vierem, algo improvável em ano eleitoral, a economia deve se enfraquecer mais nos próximos meses e os juros poderão começar a cair antes do que o previsto.
A ilusão do Estado palestino
Por O Estado de S. Paulo
Reconhecer um Estado sem construir as
condições para sua existência apenas multiplica frustrações, fortalece os
radicais, fragiliza os moderados e torna a paz ainda mais distante
O reconhecimento de um Estado palestino por
países ocidentais tornou-se um gesto recorrente em meio ao impasse prolongado
do conflito israelo-palestino. Espanha, Irlanda, Noruega, Portugal, Canadá,
Austrália, Reino Unido e França juntam-se a mais de uma centena de nações que
adotam tal posição. Em teoria, é um ato de justiça histórica e pressão
diplomática sobre Israel. Na prática, é um exercício de exibicionismo moral, na
melhor das hipóteses inócuo; na pior – e mais provável –, é contraproducente.
A posição deste jornal é inequívoca: a
criação de um Estado palestino é questão de justiça e condição indispensável
para uma paz duradoura. Mas um Estado não nasce de resoluções parlamentares nem
de pronunciamentos presidenciais. Ele requer instituições legítimas,
reconhecimento mútuo e fronteiras negociadas. Nenhum desses requisitos está
presente hoje. O reconhecimento prematuro, sem condições e garantias, não
aproxima tais requisitos – ao contrário, tende a afastá-los.
A História mostra que Israel nem sempre foi
intransigente. Em 1947, aceitou a partilha aprovada pela ONU, rejeitada pela
liderança árabe. Em 1967, ouviu da Liga Árabe os “três nãos” – não à paz, não
ao reconhecimento de Israel e não às negociações –, política que oficialmente
vigora até hoje. Nos anos 1990, assinou acordos de paz, enquanto os terroristas
do Hamas ganhavam força e, depois, tomaram o poder. Em 2000, propostas de
grande alcance sobre fronteiras e Jerusalém foram rejeitadas por Yasser Arafat,
e Camp David fracassou. Em 2008, Mahmoud Abbas não aceitou a oferta de Ehud
Olmert, que abrangia quase toda a Cisjordânia.
Nada disso absolve Israel de seus erros e
delitos. A expansão incessante de assentamentos, a conduta militar
desproporcional em Gaza, a erosão da legitimidade democrática sob Binyamin
Netanyahu e a ausência de um plano político crível minam a posição do país e
alimentam seu isolamento. Mas culpar exclusivamente Israel é tão simplista
quanto injusto. O fracasso palestino em construir uma autoridade legítima e
eficaz, a corrupção da Autoridade Palestina e a dominação armada do Hamas em
Gaza são obstáculos objetivos à formação de um Estado viável.
Um reconhecimento que ignore esses fatores
não ajuda moderados palestinos nem pressiona Israel a negociar. Pelo contrário:
reforça a ilusão de que a soberania pode ser concedida de fora, sem reformas
internas e sem a obliteração da máquina de guerra do Hamas. Também oferece
munição à paranoia dos radicais israelenses que insistem que o mundo está
disposto a recompensar o extremismo islamista.
Em vez de proclamações vazias, as democracias
ocidentais deveriam vincular qualquer avanço diplomático ao cumprimento de
condições concretas: desarmamento de milícias em Gaza, reconstrução
institucional da Autoridade Palestina com mecanismos de transparência e
legitimidade eleitoral, e compromissos claros dos países árabes de reconhecer
Israel e cooperar em segurança. O apoio financeiro e político deveria ser
condicionado a esses marcos, de forma verificável.
Em paralelo, é vital que Israel formule um
plano político pós-guerra que articule sua disposição a aceitar um Estado
palestino quando tais condições forem atendidas. Somente a combinação de
pressões externas racionais e transformações internas – dos dois lados – pode
pavimentar o caminho para a paz.
Reconhecer o Estado palestino hoje pode
apaziguar consciências em capitais europeias, mas não alimenta ninguém em Gaza,
não regenera a Autoridade Palestina e não neutraliza o Hamas. Pelo contrário,
cristaliza um simulacro de soberania que perpetua a ilusão e adia a solução.
Estados não nascem de votos no Parlamento, mas de realidades no terreno.
A existência de um Estado palestino é uma
questão de justiça para os palestinos e condição para a segurança de Israel, a
manutenção de sua democracia e a paz no Oriente Médio. Mas a ordem dos fatores
altera o produto. O reconhecimento desse Estado deveria ser o último tijolo de
uma construção política. Lançar mão dele agora é trocar realismo diplomático
por teatralidade moral. E cada gesto desse tipo torna o Estado palestino mais
distante, não mais próximo.
O trumpismo mequetrefe de Nunes
Por O Estado de S. Paulo
Ao romper contrato com empresa porque esta
não demitiu funcionário que criticara o ativista trumpista Kirk, o prefeito
importa o que há de pior nos EUA e que nada interessa a SP
O prefeito de São Paulo, Ricardo Nunes (MDB),
decidiu rescindir o contrato com a organização social (OS) Sustenidos, gestora
do Theatro Municipal, porque esta recusava-se a afastar um funcionário que
compartilhou nas redes sociais uma postagem que tratava o ativista americano
Charlie Kirk como “nazista”. Ao fazê-lo, o prefeito infringiu várias regras da
boa administração e da boa política ao mesmo tempo.
O ativista Charlie Kirk foi assassinado a
tiros no dia 10 passado, quando dava uma palestra numa universidade em Utah. O
caso provocou comoção pela violência em si e pelo fato de Kirk, alinhado ao
presidente dos EUA, Donald Trump, ter se notabilizado por se dispor a debater
com pessoas de ideologia diferente da sua. Todo o establishment político
americano, à esquerda e à direita, lamentou o ocorrido, mas o presidente Trump
e seus seguidores mais radicais juraram vingança contra a “esquerda radical” e
ameaçaram usar o peso do Estado para combater esses desafetos imaginários. Hoje
nos EUA, quem questione Kirk ou suas opiniões é tratado como inimigo do Estado,
passível de censura, perda de emprego e linchamento virtual.
Aqui no Brasil, como sempre, políticos
bolsonaristas, que macaqueiam o que há de pior no trumpismo, também decidiram
infernizar a vida de qualquer um que ousasse falar mal de Kirk. Aqueles que
vivem a acusar o Judiciário de “censura” e defendem que o direito à liberdade
de expressão seja absoluto agora exigem que críticos de Kirk sejam silenciados
ou punidos. O deputado Nikolas Ferreira (PL-MG), por exemplo, tem cobrado, no
Brasil, a demissão de funcionários públicos e da iniciativa privada que ele
considera detratores de Kirk.
Foi assim que um grupo de vereadores
liderados por bolsonaristas foi cobrar do prefeito Ricardo Nunes a demissão do
tal funcionário da Sustenidos, a despeito do fato de que o referido
profissional apenas exerceu seu direito de se manifestar, previsto nas
Constituições do Brasil e dos EUA. Ao invés de esclarecer aos indignados edis
que ele nada podia fazer, porque nenhuma lei havia sido violada, o alcaide deu
guarida à absurda reivindicação e, como um Trump do Anhangabaú, disse que não
poderia preservar o contrato de uma empresa que mantém em seus quadros alguém
que “incentiva a violência”.
Na hipótese benevolente, o prefeito de São
Paulo, maior cidade da América Latina, deixou-se escravizar pelo esgoto da
política paulistana e precisa abraçar causas estúpidas como essa para não
perder apoio. Mas não se pode condenar quem acredita que o sr. Nunes esteja
sendo sincero e tenha subordinado voluntariamente a gestão do patrimônio
cultural da cidade a uma agenda alienígena, que nem remotamente diz respeito
aos interesses dos cidadãos que aqui vivem e trabalham.
O prefeito argumenta que a rescisão do
contrato com a Sustenidos está em consonância com alertas emitidos pelo
Tribunal de Contas do Município (TCM), que desde 2021 aponta supostas
irregularidades no edital que concedeu a gestão do Complexo Theatro Municipal à
OS, em julho daquele ano. A postagem do funcionário da empresa teria sido
apenas a “gota d’água”. Ora, se os problemas eram de fato graves, como sugere a
Prefeitura, o contrato deveria ter sido rescindido a tempo certo e pelas razões
administrativas corretas, e sabe-se lá por quais razões não foi. Agora que lhe
convém, a questão técnica é usada como verniz de uma decisão tomada, a rigor,
em razão de pressões externas e de seu eventual interesse em concorrer ao
governo do Estado em 2026 com apoio do bolsonarismo.
É lamentável que a Prefeitura seja tratada
como palco de uma encenação eleitoreira, no melhor cenário, ou de um ato
administrativo ilegal, no pior. Nunes deveria saber que a boa avaliação de um
prefeito não decorre de seu alinhamento a pautas alheias ao interesse local,
mas do enfrentamento competente dos problemas reais de sua cidade. E isso o
prefeito continua devendo.
Orçamento de ocasião
Por O Estado de S. Paulo
Corte de recursos para obras do PAC contrasta
com generosidade das verbas a parlamentares
O corte de R$ 7,6 bilhões nas previsões de
investimento do Novo Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) entre o
Orçamento deste ano e o do próximo comprova a penúria financeira de um governo
que sofre as consequências de seu próprio descontrole de gastos e, além disso,
confirma a armadilha política que faz a administração petista reduzir verbas de
obras federais e elevar o pagamento de emendas parlamentares.
Como mostrou reportagem do Estadão, a previsão de R$ 60,5
bilhões em 2025 virou R$ 52,9 bilhões no orçamento de 2026, sob o argumento de
que despesas obrigatórias operacionais, pisos de educação e saúde e programas
de incentivo, como o Pé-de-Meia, que remunera estudantes do ensino médio,
comprimiram o orçamento do PAC.
Em proporção inversa, à medida que menos
recursos são destinados a projetos estruturantes, como obras de infraestrutura
e logística necessárias ao crescimento econômico, o Projeto de Lei Orçamentária
Anual (PLOA) do governo garante, para 2026, R$ 40,8 bilhões para emendas de
deputados e senadores, R$ 1,9 bilhão a mais do que os R$ 38,9 bilhões previstos
originalmente para 2025 e que acabaram subindo para mais de R$ 50 bilhões
durante a tramitação do PLOA no Congresso.
São grandes as possibilidades de que as
verbas destinadas aos congressistas em 2026 cresçam como massa fermentada, no
caldeirão de negociações políticas em ano de eleições presidenciais. Até porque
o valor apresentado no projeto do governo não contempla emendas de comissão,
que serão decididas pelo Congresso, que para isso terá de fazer mais cortes em
outras áreas.
Não será surpresa se, ao final, a cifra das
emendas exceder o volume destinado ao PAC, selando a correlação de um Executivo
refém do Congresso e escancarando o descaso de ambos com políticas prioritárias
ao crescimento econômico e ao bem-estar da sociedade.
O governo garante que a realocação de
recursos não irá prejudicar o andamento das obras do PAC. Com muita boa vontade
a tese até poderia ser considerada, não fosse o monitoramento feito desde 2018
pelo Tribunal de Contas da União (TCU) atestar que mais da metade (50,7%) dos
22.607 projetos já está paralisada.
Os dados mais recentes, de abril deste ano,
mostram que os três Estados mais prejudicados (Maranhão, Bahia e Pará) ficam no
Norte e Nordeste, regiões cobiçadas por políticos em período eleitoral e
costumeiramente esquecidas depois.
A paralisação de uma obra pública é um duplo
dano: primeiro por postergar a entrega de um projeto importante para uma
região, segundo por ser mais um fator de encarecimento em razão dos custos
extras – muitas vezes vultosos – para manter equipamentos e fazer a segurança
de canteiros abandonados.
É desperdício de dinheiro público quantificado pelo painel do TCU, que mostra que o montante de investimentos previstos para as obras paralisadas é de R$ 34,73 bilhões. Por óbvio, uma peça orçamentária é passível de ajustes, mas a forma negligente e capciosa como as contas são fechadas é um desrespeito à inteligência e ao bom senso.
O efeito manada na PEC da Blindagem revela muito sobre o Congresso
Por Correio Braziliense
Entenda como a pressão popular enterrou a PEC
da Blindagem. A reação nas ruas foi o que salvou os deputados
A cena política brasileira na última semana
escancarou um vício recorrente em Brasília: o efeito manada. Trata-se da
prática em que parlamentares seguem a orientação dos líderes sem avaliar, de
fato, as consequências políticas e eleitorais das escolhas. Foi exatamente o
que se viu na tramitação da já enterrada PEC da Blindagem, cuja aprovação na
Câmara acabou seguida por um arrependimento em massa. Diante da reação popular,
muitos deputados correram às redes sociais para pedir desculpas e tentar se descolar
do próprio voto.
A proposta, como se sabe, buscava recriar um
regime de privilégios processuais extintos há mais de duas décadas, impondo
voto secreto em casos de prisão e submetendo ações penais a um filtro
corporativista. Era um retrocesso evidente que, na prática, livraria
congressistas e líderes partidários da investigação de crimes graves, erguendo
um verdadeiro escudo de impunidade. Não por acaso, recebeu apelidos nada
elogiosos como "PEC da Imoralidade", "PEC da Bandidagem",
"PEC do Escudo da Corrupção", entre tantos outros.
O mais revelador, no entanto, não foi apenas
o conteúdo da proposta, mas a conduta dos que a aprovaram. Ao se deixarem levar
pelo movimento da maioria, sem medir consequências, deputados mergulharam na
lógica do rebanho político: votaram porque outros votaram, apoiaram porque
parecia conveniente naquele momento. Poucos tiveram coragem de se contrapor ao
clima favorável à blindagem. Só quando a sociedade foi às ruas no fim de
semana, em todas as capitais, com grandes atos na Avenida Paulista e na praia
de Copacabana, é que o jogo virou. O arrependimento coletivo mostrou-se menos
um gesto de consciência cívica e mais uma tentativa de escapar do desgaste
eleitoral.
O Senado, por sua vez, soube interpretar a
mudança de cenário. A rejeição unânime da PEC pela CCJ é, antes de tudo, um
reflexo direto da pressão social. É sintomático que apenas diante de
manifestações massivas o Congresso se lembre da função republicana que o
acompanha. Ao enterrar a proposta, os senadores evitaram um desastre
institucional maior e, ao mesmo tempo, aliviaram o peso que recaía sobre os
ombros dos colegas da Câmara.
A história da PEC da Blindagem deixa uma
lição incômoda. Um Legislativo que age por instinto de manada e recua apenas
quando acuado pela opinião pública não cumpre plenamente o papel democrático. A
política não pode se reduzir a um exercício de conveniência; deve ser, antes de
tudo, um compromisso com responsabilidade. Não basta comemorar a vitória
momentânea contra a proposta. É preciso enfrentar o problema de fundo, que é o
sistema de privilégios e acomodações que ainda sustenta práticas de
autoproteção no poder.
Para ter um Congresso menos refém de pressões imediatistas e mais comprometido com o interesse público, é fundamental avançar em reformas que fortaleçam a transparência, reduzam os benefícios corporativos e devolvam ao voto parlamentar o peso da convicção. A sociedade mostrou que sabe reagir. Cabe aos nossos legisladores demonstrarem que também sabem aprender.
Senado derruba a PEC da Blindagem
Por O Povo (CE)
O clima entre as duas casas legislativas é
tenso, e pode influenciar as negociações em torno do PL da Anistia que, para o
bem do Brasil, também deveria ser arquivado
A PEC da Blindagem caiu estrepitosamente no
Senado e os estilhaços atingiram em cheio a Câmara dos Deputados, que havia
aprovado a impopular medida com a expressiva maioria 344 votos a
favor e 133 contra, em segundo turno, na noite do dia 16 deste mês.
Essa proposta de emenda à Constituição oferecia
um salvo-conduto que praticamente isentava os parlamentares de responder por
crimes eventualmente cometidos. Seu texto determinava que inquéritos contra
deputados e senadores somente poderiam ser abertos com a autorização da Câmara
ou do Senado. Quando esse sistema vigorou, entre 1988 e 2001, mais de 200
pedidos foram feitos pelo Supremo Tribunal Federal (STF) para processar
parlamentares, com apenas um caso autorizado.
Ao ser aprovada na Câmara, houve forte reação
da sociedade. De início, a contrariedade foi expressa nas redes sociais,
com 83% de reações negativas. Depois, a insatisfação foi para as ruas, com
milhares de pessoas protestando em todas as unidades da federação. Se o Senado
já vinha dando mostras de que poderia rejeitar a medida, após os protestos de
domingo passado, formou-se consenso de que a PEC da Blindagem estava com as
horas contadas.
O ato final desenrolou-se na quarta-feira na
Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado. A pressão popular
foi tão forte que a PEC foi rejeitada unanimemente pelos seus 26 integrantes,
dos mais diversos partidos, inclusive de siglas, que votaram majoritariamente a
favor da PEC na Câmara, mas rejeitaram a medida no Senado.
O caso mais expressivo foi do Partido Liberal
(PL), que teve 83 deputados votando a favor da PEC na Câmara,
acontecendo o contrário na CCJ, quando todos os senadores da sigla votaram pela
rejeição. Ninguém quis carregar nas costas o peso morto de uma proposta
desprezível, em confronto direto com os interesses da sociedade. Assim, alguns
senadores foram obrigados a engolir seco a proposição, pensando em 2026.
A pressa em despachar a PEC era tão grande
que o presidente do Senado, Davi Alcolumbre (UB-AP), não aceitou a proposta de
levar o caso à votação do plenário. Ele seguiu o regimento e determinou o
arquivamento da proposta.
Mas com aprovação de forma rápida e unânime
no Senado, a Câmara dos Deputados ficou exposta, inclusive pelo empenho do presidente
Hugo Motta (Republicanos-PB) em negociar a aprovação da PEC. Aos mesmo
tempo, Alcolumbre é acusado de romper um suposto acordo com Motta para que a
PEC tramitasse no Senado. No entanto, o presidente do Senado enviou imediatamente
a matéria para a CCJ — e arquivou rapidamente o assunto.
Agora, o clima entre as duas casas é tenso, e
pode influenciar as negociações em torno do PL da Anistia que, para o
bem do Brasil, também deveria ser arquivado.
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