Folha de S. Paulo
Pregação de Trump contra o paracetamol
(Tylenol) não tem base fática ou científica
Questões técnicas deveriam estar mais bem
protegidas do assédio de políticos
Donald Trump deu
ouvidos ao lunático do Robert F. Kennedy Jr., seu secretário de Saúde, e imprecou
contra o paracetamol (Tylenol). Sugeriu que a droga, se tomada
durante a gestação, pode causar autismo.
É uma interpretação
epistemologicamente selvagem e equivocada de trabalhos que não
autorizam tal conclusão.
Sou fã da democracia, mas não por achar que ela leve as sociedades a boas escolhas. Ver Trump no poder e empenhado em minar consensos médicos é prova disso.
Um dos problemas da democracia é que ela
muitas vezes reflete a vontade popular e não são poucas as ocasiões em que tal
vontade é péssima conselheira.
Tivemos aqui no Brasil há alguns anos um caso
também na área da saúde que retrata o dilema como uma pintura.
Falo da fosfoetanolamina, a pílula do câncer.
Por dinâmicas obscuras da psicologia de massas, parte da população se convenceu
de que essa substância era capaz de curar o câncer —o que não é— e lançou-se em
campanha para que a droga fosse liberada para essa finalidade.
A Anvisa procedeu à análise técnica e negou a
autorização. O Parlamento tomou as dores do povo e aprovou uma lei que colocava
a pílula no mercado. E o Executivo sancionou a norma, que depois foi revogada
pelo STF.
Os dois Poderes eleitos chancelaram o conto
do vigário. Foram dois órgãos técnicos e não atrelados à vontade popular que
imprimiram racionalidade à matéria.
Por uma combinação de fatores que incluem má
comunicação, arrogância acadêmica, redes sociais e políticos aproveitadores,
vêm-se multiplicando as situações de desconfiança e até confronto entre anseios
populares e o saber especializado.
Devemos aprimorar o desenho de nossas
instituições para assegurar que questões técnicas tenham tratamento técnico, e
as políticas, político. Goste o povo ou não, precisamos de especialistas. Boa
parte dos avanços da humanidade, das vacinas ao velcro, se baseiam no
conhecimento científico acumulado coletivamente ao longo de gerações. Isso não
deveria ficar à mercê de Trumps, Kennedys et caterva.
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