Valor Econômico
Deconhecimento do significado da palavra
preocupa a comunicação do governo
“Eu acredito no poder da palavra”, disse o
presidente Luiz Inácio Lula da Silva ao responder perguntas dos jornalistas, no
encerramento de sua participação na Assembleia-Geral das Nações Unidas (ONU).
Ele está certo. A palavra, quando exata, informa, convence, concilia, emociona.
Em síntese, comunica. Quando errada, confunde ou aliena.
A propósito, vem à memória uma crônica de Luís Fernando Veríssimo com o sugestivo título “Palavra”. Começa assim: “Peguei meu filho no colo (naquele tempo ainda dava), apertei-o com força e disse que só o soltaria se ele dissesse a palavra mágica. E ele disse: - Mágica”.
No mesmo texto, o escritor, morto há um mês,
ensinou que “quem quer usar a palavra não para fascinar, mas para transmitir um
pensamento” tem o desafio de “fazer mágica sem truques”. A palavra não pode ser
mais importante do que o recado, alertou.
Uma pesquisa da Fundação Perseu Abramo, que
será apresentada aos diretores da instituição e à cúpula do PT na próxima
semana, identificou uma palavra que não está dando o recado esperado: boa parte
dos brasileiros não sabe o que significa a palavra “isenção”.
O presidente da fundação, Paulo Okamotto,
disse em conversa com a coluna que o termo “isenção” realmente não faz parte da
“linguagem do povo”. A descoberta preocupa a comunicação petista e do governo
porque a aprovação do projeto que “isenta” os trabalhadores que ganham até R$ 5
mil por mês de pagarem Imposto de Renda (IR), a partir do ano que vem, é uma
das principais apostas para turbinar a popularidade de Lula. Com a mudança, 10
milhões de brasileiros vão se livrar do tributo.
Okamotto ressaltou que esse é apenas um
detalhe de uma pesquisa bem mais ampla, que foi a campo aferir como os
brasileiros veem o governo Lula. Um dado positivo é de que os entrevistados têm
conhecimento da campanha do governo sobre justiça tributária, para que ricos
paguem mais impostos do que os pobres. A recomendação, contudo, é que se
encontrem alternativas para “isenção” ao fazer a divulgação da proposta.
Recentemente, os perfis do PT compartilharam publicações com o slogan “Agenda
do povo - I.R. zero”, mas o texto explicativo ainda menciona o projeto que
“isenta” o trabalhador do tributo. Em outro esforço comunicativo, perfis do
governo investem em uma animação, na qual “gatinhos” explicam aos seguidores as
mudanças no IR.
O desconhecimento ou estranhamento relativo a
“isenção” não deveria surpreender, diante de uma realidade em que 29% da
população de 15 a 64 anos (3 a cada 10 brasileiros) são analfabetos funcionais,
segundo pesquisa da Ação Educativa e consultoria Conhecimento Social, em
parceria com as Fundações Itaú e Roberto Marinho, divulgada em maio. O
analfabeto funcional é aquele que sabe ler, mas não compreende o sentido do
texto. Retrato de uma sociedade onde dezenas de milhões se entretêm em
plataformas de vídeos, como TikTok, Kwai e Twitch.
Já o levantamento Pulso Brasil, do Ipespe,
divulgado na quinta-feira, mostrou que o desafio comunicacional vai além de uma
palavra não coloquial. Ao serem questionados sobre as notícias recentes do
governo Lula de que tiveram conhecimento, 64% dos entrevistados disseram não
saber, ou não responderam. A notícia mais citada foi o tarifaço do presidente
Donald Trump, mencionado por apenas 9% dos entrevistados, seguido da fraude no
INSS, citada por 5%. O imposto zero para quem ganha até R$ 5 mil só foi
lembrado por 1% do universo pesquisado.
Após meses de paralisia, a proposta de
isenção do IR voltou a tramitar nessa semana, quando o senador Renan Calheiros
(MDB-AL), adversário figadal do deputado Arthur Lira (PP-AL), relatou e aprovou
na Casa um projeto com o mesmo objetivo. Com o gesto de Renan, e os protestos
que levaram multidões às ruas no domingo (21), contra a PEC da blindagem, a
anistia, e cobrando a votação de propostas de interesse da sociedade, o
relatório de Lira ao projeto do governo irá ao plenário.
Quando Lula mencionou sua crença na força das
palavras, ele respondia a uma pergunta sobre sua eventual reunião com o
presidente Donald Trump, que pode acontecer na próxima semana. Ele ponderou que
colocará sobre a mesa os problemas do Brasil, enquanto o americano deverá
abordar os dilemas de seu país. Em seguida, afirmou sentir-se otimista porque
simplesmente tem fé na humanidade. “Não sei quantos políticos no mundo
acreditam na relação humana como eu. Eu acho que tudo pode ser resolvido quando
duas pessoas conversam. Eu acredito muito no poder de convencimento das
palavras.”
A se confirmar esse encontro, presencial ou
por vídeo, a teoria de Lula será testada porque será preciso mais do que
palavras e diplomacia para tratar com o líder da maior potência global, que tem
se revelado imprevisível.
Em fevereiro, Trump constrangeu o presidente
da Ucrânia, Volodymyr Zelensky, em pleno Salão Oval, bradando um tom acima que
ele não estava “no direito de ditar nada”. Meses depois, em maio, o alvo de
Trump foi o presidente da África do Sul, Cyril Ramaphosa, a quem o americano
acusou, sem provas, de promover um “genocídio contra pessoas brancas”. Nem o
carisma de Lula nem as metáforas sobre futebol deverão blindá-lo do
imponderável no caso de Trump, que para piorar, nem gosta de futebol. Prefere
golfe.
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