Correio Braziliense
Seria uma forma do Legislativo sair da cômoda
posição de apenas determinar como deve ser a utilização de fatia considerável
dos recursos orçamentários sem qualquer contrapartida de responsabilidade pela
governança deles decorrentes
Em 2025 completamos 40 anos da
redemocratização e 37 anos da promulgação da Constituição Federal, a
Constituição Cidadã, como batizou Ulysses Guimarães com muita propriedade e
entusiasmo. Desde então até este mês de setembro, foram aprovadas 146 emendas,
sendo 136 emendas constitucionais ordinárias, seis emendas
constitucionais de revisão e quatro tratados internacionais aprovados de
forma equivalente.
Em que pese o gigantesco avanço trazido por ela, há um grave descompasso em seu DNA. Refiro-me ao fato de que há inúmeros artigos e capítulos claramente inspirados no sistema parlamentarista, mas a opção final foi pela adoção do presidencialismo. Numa tentativa de resolver esse tema, os constituintes determinaram a realização de um plebiscito nacional, para a população escolher entre a forma de governo, república ou monarquia, e entre presidencialismo ou parlamentarismo como sistema de governo. Em 21 de abril de 1993, 66.209.385 (73,36% dos aptos) compareceram às urnas, sendo que 36.685.630 (55,41%) optaram por manter o sistema presidencialista.
Tal descompasso gerou constantes atritos na
relação entre o Palácio do Planalto e o Congresso e só começou a ser contornado
a partir do primeiro governo FHC, em 1995, por meio da indicação de
parlamentares para exercerem cargos no Executivo, tendo como contrapartida a
aprovação de projetos e propostas de interesse do governo. Esse modelo ficou
conhecido como "presidencialismo de coalizão", denominação criada por
Sérgio Abranches.
Prevalente durante seis governos
consecutivos, o cenário começa a se alterar a partir de 2015 com a promulgação
da Emenda Constitucional nº 86, que tornou obrigatória a execução das emendas
individuais, criando o chamado Orçamento Impositivo. Já a obrigatoriedade das
emendas de bancadas estaduais foi estabelecida em 2019 (Emenda Constitucional
nº 100). Desde então, o que temos presenciado é o crescimento do volume de
recursos destinados a essas e outras modalidades de emendas, reduzindo, cada
vez mais, o espaço de gestão dos recursos orçamentários pelo Executivo, além de
provocar novos tipos de instabilidade política.
Nada indica que tal situação vai ser
revertida, com a consequente redução da autonomia orçamentária conquistada pelo
Congresso Nacional. Diante disso, qual solução poderia ser construída para
recuperar o equilíbrio político desejável nos processos relacionados à
governança?
Como, infelizmente, não temos clima para
aprovar o parlamentarismo, acredito que seja possível encontrarmos uma solução
intermediária, como o semipresidencialismo, que, aparentemente, encontraria
apoio suficiente no Congresso Nacional para ser aprovada.
Nesse sistema, já existente em França,
Portugal, Finlândia e Romênia, continuam a haver eleições diretas para
presidente da República, responsável pelas funções típicas de chefe de Estado,
e os parlamentares eleitos para o Congresso aprovam a escolha entre seus pares
para o cargo de primeiro-ministro, cuja responsabilidade é exercer as funções
de chefe do Poder Executivo.
De início, já seria uma forma do Legislativo
sair da cômoda posição de apenas determinar como deve ser a utilização de fatia
considerável dos recursos orçamentários sem qualquer contrapartida de
responsabilidade pela governança deles decorrentes. Simultaneamente, seria
fundamental a implantação do sistema distrital, com voto em lista partidária,
para evitar a deformação trazida pelo sistema proporcional em vigor.
Outra vantagem é a maneira como se resolvem
as crises decorrentes de queda de apoio dos governos. No semipresidencialismo,
quando se tem uma crise política decorrente de queda de apoio na população e/ou
no Congresso, o governo é desfeito e são convocadas novas eleições gerais, em
que o resultado determina a confirmação ou a substituição do primeiro-ministro,
que vai definir a composição do novo governo.
Já no presidencialismo brasileiro, a única
possibilidade de se interromper um mandato de presidentes eleitos é o processo
de impeachment, como os que ocorreram em 1992 e 2016. Nas duas ocasiões, o que
permitiu os dois afastamentos foi a combinação de desgaste junto à opinião
pública com o isolamento político junto ao Congresso. Ainda que seja legal e
democrática, esse tipo de solução é absolutamente traumática para o país.
É imprescindível que esse debate seja
iniciado para que, em sendo aprovado, possa ser implantado a partir das
eleições de 2034. O país precisa reencontrar o equilíbrio político de modo que
se possa estabelecer pautas em torno da construção de políticas públicas
duradouras.
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