sexta-feira, 26 de setembro de 2025

O semipresidencialismo pode trazer estabilidade. Por Orlando Thomé Cordeiro

Correio Braziliense

Seria uma forma do Legislativo sair da cômoda posição de apenas determinar como deve ser a utilização de fatia considerável dos recursos orçamentários sem qualquer contrapartida de responsabilidade pela governança deles decorrentes

Em 2025 completamos 40 anos da redemocratização e 37 anos da promulgação da Constituição Federal, a Constituição Cidadã, como batizou Ulysses Guimarães com muita propriedade e entusiasmo. Desde então até este mês de setembro, foram aprovadas 146 emendas, sendo 136 emendas constitucionais ordinárias, seis emendas constitucionais de revisão e quatro tratados internacionais aprovados de forma equivalente.

Em que pese o gigantesco avanço trazido por ela, há um grave descompasso em seu DNA. Refiro-me ao fato de que há inúmeros artigos e capítulos claramente inspirados no sistema parlamentarista, mas a opção final foi pela adoção do presidencialismo. Numa tentativa de resolver esse tema, os constituintes determinaram a realização de um plebiscito nacional, para a população escolher entre a forma de governo, república ou monarquia, e entre presidencialismo ou parlamentarismo como sistema de governo. Em 21 de abril de 1993, 66.209.385 (73,36% dos aptos) compareceram às urnas, sendo que 36.685.630 (55,41%) optaram por manter o sistema presidencialista.

Tal descompasso gerou constantes atritos na relação entre o Palácio do Planalto e o Congresso e só começou a ser contornado a partir do primeiro governo FHC, em 1995, por meio da indicação de parlamentares para exercerem cargos no Executivo, tendo como contrapartida a aprovação de projetos e propostas de interesse do governo. Esse modelo ficou conhecido como "presidencialismo de coalizão", denominação criada por Sérgio Abranches.

Prevalente durante seis governos consecutivos, o cenário começa a se alterar a partir de 2015 com a promulgação da Emenda Constitucional nº 86, que tornou obrigatória a execução das emendas individuais, criando o chamado Orçamento Impositivo. Já a obrigatoriedade das emendas de bancadas estaduais foi estabelecida em 2019 (Emenda Constitucional nº 100). Desde então, o que temos presenciado é o crescimento do volume de recursos destinados a essas e outras modalidades de emendas, reduzindo, cada vez mais, o espaço de gestão dos recursos orçamentários pelo Executivo, além de provocar novos tipos de instabilidade política.

Nada indica que tal situação vai ser revertida, com a consequente redução da autonomia orçamentária conquistada pelo Congresso Nacional. Diante disso, qual solução poderia ser construída para recuperar o equilíbrio político desejável nos processos relacionados à governança?

Como, infelizmente, não temos clima para aprovar o parlamentarismo, acredito que seja possível encontrarmos uma solução intermediária, como o semipresidencialismo, que, aparentemente, encontraria apoio suficiente no Congresso Nacional para ser aprovada.

Nesse sistema, já existente em França, Portugal, Finlândia e Romênia, continuam a haver eleições diretas para presidente da República, responsável pelas funções típicas de chefe de Estado, e os parlamentares eleitos para o Congresso aprovam a escolha entre seus pares para o cargo de primeiro-ministro, cuja responsabilidade é exercer as funções de chefe do Poder Executivo.

De início, já seria uma forma do Legislativo sair da cômoda posição de apenas determinar como deve ser a utilização de fatia considerável dos recursos orçamentários sem qualquer contrapartida de responsabilidade pela governança deles decorrentes. Simultaneamente, seria fundamental a implantação do sistema distrital, com voto em lista partidária, para evitar a deformação trazida pelo sistema proporcional em vigor.

Outra vantagem é a maneira como se resolvem as crises decorrentes de queda de apoio dos governos. No semipresidencialismo, quando se tem uma crise política decorrente de queda de apoio na população e/ou no Congresso, o governo é desfeito e são convocadas novas eleições gerais, em que o resultado determina a confirmação ou a substituição do primeiro-ministro, que vai definir a composição do novo governo.

Já no presidencialismo brasileiro, a única possibilidade de se interromper um mandato de presidentes eleitos é o processo de impeachment, como os que ocorreram em 1992 e 2016. Nas duas ocasiões, o que permitiu os dois afastamentos foi a combinação de desgaste junto à opinião pública com o isolamento político junto ao Congresso. Ainda que seja legal e democrática, esse tipo de solução é absolutamente traumática para o país.

É imprescindível que esse debate seja iniciado para que, em sendo aprovado, possa ser implantado a partir das eleições de 2034. O país precisa reencontrar o equilíbrio político de modo que se possa estabelecer pautas em torno da construção de políticas públicas duradouras.

 

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