sábado, 9 de agosto de 2025

Encontro marcado - Oscar Vilhena Vieira

Folha de S. Paulo

Sem mudanças, STF continuará vulnerável a ataques dos que querem destruir a ordem constitucional

Os ataques da extrema direita ao Supremo Tribunal Federal são uma consequência direta da disposição da corte em defender a democracia. Suas deficiências, no entanto, colocam o tribunal e seus membros em situação de vulnerabilidade face aos inimigos da Constituição.

A presente ofensiva contra o Supremo não constitui um fato isolado. Nos últimos meses, tribunais franceses e israelenses também vêm sendo hostilizados e acusados de promover uma "caça às bruxas", por conduzirem processos contra Marine Le Pen e Binyamin Netanyahu. Até mesmo o Tribunal Penal Internacional, que investiga o premiê de Israel por crimes contra a humanidade, passou a sofrer retaliações.

Vivemos uma quadra bruta da história, em que consensos civilizatórios básicos, em torno das ideias de democracia constitucional, de primazia dos direitos humanos, de autodeterminação dos povos, de proibição do uso da força nas relações internacionais e da regulação do comercio internacional estão sob forte ataque de forças nacionalistas e autoritárias.

Nesse contexto, tribunais independentes são vistos como obstáculos, que devem ser desacreditados, capturados ou suprimidos, como ocorreu na Rússia, na Venezuela, na Hungria ou na Turquia nas últimas décadas. É importante não esquecer que dois terços da população mundial vivem hoje sob regimes autoritários. Nesses regimes não há tribunais independentes.

A tentativa de subordinação do Supremo não é uma novidade no Brasil. Como destacou o ministro Luis Roberto Barroso em seu recente e contundente discurso na reabertura dos trabalhos do STF, as tentativas de subordinação do tribunal têm sido recorrentes ao longo de nossa história republicana.

Veio de Floriano Peixoto a primeira ameaça ao STF, ainda em 1891, ao perguntar ameaçadoramente quem concederia habeas corpus aos ministros do STF se estes concedessem habeas corpus aos inimigos do presidente? Daí em diante, ministros foram cassados, tanto pelo regime Vargas como pelo regime militar, e os dois regimes alteraram a composição e as prerrogativas do tribunal.

Inúmeras foram as rupturas ou tentativas de ruptura da ordem constitucional nestes 200 anos de acidentada trajetória constitucional. A associação de militares com setores autoritários tem sido motivo de grande instabilidade nas nossas instituições. Sucessivas leis de anistia asseguraram a impunidade àqueles que se insurgiram contra a Constituição e a soberania popular ou atentaram contra os direitos humanos, servindo como incentivo para os futuros golpes e quarteladas.

O presente julgamento do ex-presidente Bolsonaro e de mais de uma dezena de militares de alta patente, acusados de atentar contra o Estado democrático de Direito, é um fato sem precedentes em nossa história e institucional, rompendo esse perverso ciclo de impunidade.

A tentativa de intimidar o Supremo, assim como a de emparedar os presidentes da Câmara e do Senado, para aprovar uma nova lei de anistia em benefício de Bolsonaro é apenas mais uma evidência da falta de compromisso da extrema direita brasileira com as regras do jogo democrático.

O desafio imediato é sobreviver às investidas, tanto internas como externas, contra a ordem constitucional. Superada a borrasca, no entanto, o Supremo tem um encontro marcado com suas deficiências, como parece ter clareza o ministro Edson Fachin.

Sem que o tribunal aperte algumas porcas e parafusos, adotando um código de conduta, reduzindo o protagonismo individual de alguns de seus membros e estabilizando colegiadamente sua jurisprudência, continuará vulnerável aos ataques daqueles que querem destruir a ordem constitucional.

 

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