Folha de S. Paulo
Sem mudanças, STF continuará
vulnerável a ataques dos que querem destruir a ordem constitucional
Os ataques da extrema
direita ao Supremo Tribunal Federal são uma consequência direta da disposição
da corte em defender a democracia. Suas deficiências, no entanto, colocam o
tribunal e seus membros em situação de vulnerabilidade face aos inimigos da Constituição.
A presente ofensiva contra o Supremo não constitui um fato isolado. Nos últimos meses, tribunais franceses e israelenses também vêm sendo hostilizados e acusados de promover uma "caça às bruxas", por conduzirem processos contra Marine Le Pen e Binyamin Netanyahu. Até mesmo o Tribunal Penal Internacional, que investiga o premiê de Israel por crimes contra a humanidade, passou a sofrer retaliações.
Vivemos uma quadra bruta da
história, em que consensos civilizatórios básicos, em torno das ideias de
democracia constitucional, de primazia dos direitos humanos, de
autodeterminação dos povos, de proibição do uso da força nas relações
internacionais e da regulação do comercio internacional estão sob forte ataque
de forças nacionalistas e autoritárias.
Nesse contexto, tribunais
independentes são vistos como obstáculos, que devem ser desacreditados,
capturados ou suprimidos, como ocorreu na Rússia, na Venezuela, na Hungria ou
na Turquia nas últimas décadas. É importante não esquecer que dois terços da população
mundial vivem hoje sob regimes autoritários. Nesses regimes não há tribunais
independentes.
A tentativa de subordinação
do Supremo não é uma novidade no Brasil. Como destacou o ministro Luis Roberto
Barroso em seu recente e contundente discurso na reabertura dos trabalhos
do STF, as
tentativas de subordinação do tribunal têm sido recorrentes ao longo de nossa
história republicana.
Veio de Floriano Peixoto a
primeira ameaça ao STF, ainda em 1891, ao perguntar ameaçadoramente quem
concederia habeas corpus aos ministros do STF se estes concedessem habeas
corpus aos inimigos do presidente? Daí em diante, ministros foram cassados,
tanto pelo regime Vargas como pelo regime militar, e os dois regimes alteraram
a composição e as prerrogativas do tribunal.
Inúmeras foram as rupturas
ou tentativas de ruptura da ordem constitucional nestes 200 anos de acidentada
trajetória constitucional. A associação de militares com setores autoritários
tem sido motivo de grande instabilidade nas nossas instituições. Sucessivas
leis de anistia asseguraram a impunidade àqueles que se insurgiram contra a
Constituição e a soberania popular ou atentaram contra os direitos humanos,
servindo como incentivo para os futuros golpes e quarteladas.
O presente julgamento do
ex-presidente Bolsonaro e de mais de uma dezena de militares de alta patente,
acusados de atentar contra o Estado democrático de Direito, é um fato sem
precedentes em nossa história e institucional, rompendo esse perverso ciclo de
impunidade.
A tentativa de intimidar o
Supremo, assim como a de emparedar os presidentes da Câmara e do Senado, para
aprovar uma nova lei de anistia em benefício de Bolsonaro é apenas mais uma
evidência da falta de compromisso da extrema direita brasileira com as regras
do jogo democrático.
O desafio imediato é
sobreviver às investidas, tanto internas como externas, contra a ordem
constitucional. Superada a borrasca, no entanto, o Supremo tem um encontro
marcado com suas deficiências, como parece ter clareza o ministro Edson Fachin.
Sem que o tribunal aperte
algumas porcas e parafusos, adotando um código de conduta, reduzindo o
protagonismo individual de alguns de seus membros e estabilizando
colegiadamente sua jurisprudência, continuará vulnerável aos ataques daqueles
que querem destruir a ordem constitucional.
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