Nossa força será a construção de um país democrático e educado
A arrogância de Trump ao tentar intervir na política e na Justiça do Brasil não surpreende quem lembra da história. Um pouco antes do golpe de 1964, e depois dele, John Kennedy, Lyndon Johnson e Richard Nixon foram decisivos para a implantação dos anos de chumbo no Brasil, nos quais ocorreram cassações de parlamentares, fechamento do Congresso, manipulação do Judiciário, tortura e prisões. Desde então, nossa dependência diminuiu, mas chegamos a 2025 assustados diante da postura trumpista. O fato: não criamos poder de dissuasão para evitar ameaças, nem resiliência para enfrentar um presidente que ignore nossa força.
Para garantir a resiliência teria sido necessário criar um
mercado interno dinâmico, capaz de absorver a produção que os EUA barram com
tarifas ou bloqueios. Não o fizemos porque nos negamos a implantar um sistema
nacional de educação com qualidade e equidade, capaz de aumentar a
produtividade, elevar e distribuir a renda nacional, promover competitividade e
inovação, além de dar coesão política nos momentos necessários. Com 10 milhões
de analfabetos, apenas 50% dos jovens concluindo o ensino médio — e, destes, no
máximo a metade com a qualidade necessária —, ficamos sem a necessária
resistência e com a soberania enfraquecida.
“A arrogância da tentativa de intervenção de Trump não
surpreende quem lembra da história”
Para
reduzir a dependência teria sido compulsório diversificar a pauta de
exportações, tanto no perfil dos produtos quanto na abrangência dos mercados.
Nossa industrialização avançou, mas as exportações seguem ainda concentradas em
commodities primárias, minerais ou agrícolas. Nos livramos da forte dependência
que o México tem em relação aos EUA, mas 12% das exportações vão para o mercado
americano e 28% para o chinês. Quando a África tiver sua própria produção de
soja, a China dispensará a demanda por soja brasileira, como outros países
fizeram no passado com a borracha, o algodão e o açúcar.
A fragilidade de nossa defesa
militar também limita a capacidade de calma diante de ameaças externas, tanto
pela fraqueza do armamento quanto pela falta de compromisso patriótico e
democrático na formação de nossos soldados. Em 1964, em plena Guerra Fria,
oficiais de alta patente diziam: “O que for bom para os Estados Unidos é bom
para o Brasil”. Em 2025, Bolsonaro e
seus aliados prestam continência à bandeira americana e fazem lobby em
Washington contra o Brasil. Sem democracia, nossas Forças Armadas não terão o
apoio interno necessário para defender a soberania; sem armas, não terão poder.
A dissuasão exige forças preparadas para enfrentar ameaças externas e
proteger portos, aeroportos, sistemas de comunicação e integridade territorial.
As ameaças de Trump à soberania brasileira põem em risco a cantada cultura
pacifista. Não demora e surgirá alguma indecente proposta de reformar a
Constituição para revogar o artigo comemorado por todos os humanistas ao
proibir definitivamente o uso de armas nucleares pelo Brasil.
Se desejamos dissuadir futuros presidentes americanos e garantir resiliência
para enfrentá-los, precisamos ser uma nação democrática e educada, entendendo o
mundo e com o necessário conhecimento de ciência e tecnologia, além da economia
diversificada, insista-se, e um sistema de defesa preparado. O atual confronto,
preocupante, pode ser uma janela de oportunidade para mudanças.
Publicado em VEJA de 8 de agosto de 2025, edição nº 2956
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