sexta-feira, 14 de dezembro de 2018

Fernando Gabeira*: Notas de um velho marinheiro

- O Estado de S. Paulo

Aspereza de 2019 nos levará a preocupações mais concretas que as do período transitório

Este é o meu último artigo do período de transição. No ano que vem a coisa começa. É hora de a onça beber água, a cobra fumar, o tatu sair da toca. Termina uma longa experiência em que predominaram ideias de esquerda, começa uma experiência liberal conservadora, de certa forma inédita, pois sempre se definiu assim, sem subterfúgios.

Um dos truísmos mais presentes na política é afirmar que nem sempre as coisas acontecem como planejado por seus atores. Em alguns casos podem até se transformar no oposto do desejado.
O projeto político iniciado em princípio de 2003, com a vitória de Lula, pretendia levar o Brasil a um novo patamar de liberdade e justiça social. Terminou em crise econômica, milhões de desempregados e alguns atores, o principal incluído, atrás das grades.

Durante muitos anos estudei o marxismo e constatei, na prática, a inadequação de suas teses. Talvez por temperamento, desde a juventude sempre tive um pé atrás com a ideia de que a História é regida por leis inflexíveis e obedece a um script inevitável.

Quando ouvia as pessoas repetirem o slogan cubano “até a vitória sempre”, costumava responder: sempre que possível.

Era uma abertura para o inesperado, no fundo uma rebeldia contra um mundo pré-desenhado, um cemitério da criatividade humana. Minhas críticas e revisões das ideias de esquerda me valeram algumas antipatias. Nada de grave. Foi possível continuar pensando e escrevendo num clima quase razoável.

Possivelmente, em alguns momentos, vou desagradar aos liberais conservadores. Mas o que fazer? A alternativa seria concordar com uma euforia que a longa experiência não autoriza.

De modo geral, faço perguntas, não acusações. Uma das perguntas-chave que faço aos conservadores que chegam ao poder com a esperança de propagar sua fé cristã é: não estão chegando tarde demais a um mundo secularizado, onde a tradição e a cultura não podem ser apoiadas numa fé transcendental compartilhada?

Uma das referências que tenho é a passagem de Margaret Thatcher pelo governo inglês. Além de sua firme decisão de enfrentar corporativismos, ela manifestou muita simpatia pela moral vitoriana, tempos mais íntegros e felizes, segundo ela. Ao deixar o poder, Thatcher deixou também uma Inglaterra bem mais permissiva do que encontrou.

Aos conservadores brasileiros, para quem o bolo dos costumes desandou, deverá ficar claro que é difícil cozinhá-lo de novo, restando apenas cuidar do que existe, olhando para o futuro. Dito assim, parece complicado. Mas, na prática, é o que está acontecendo. A ministra de Direitos Humanos, Damares Alves, parece ter adotado esse caminho ao afirmar que a união civil gay é um direito adquirido e não vai questioná-la.

Eliane Cantanhêde: Risco de isolamento

- O Estado de S.Paulo

Brasil torce o nariz para o multilateralismo e aposta num nacionalismo arrogante

Se há três áreas em que o Brasil tem protagonismo consolidado nos foros internacionais, essas áreas são meio ambiente, direitos humanos e migração. O temor é o Brasil encolher e retroceder justamente nas três, não só pelo presidente eleito, Jair Bolsonaro, mas também pelo futuro chanceler Ernesto Araújo e suas ideias extravagantes.

Qualquer um que tenha participado de grandes encontros sobre meio ambiente sabe, viu, constatou como a voz do Brasil é relevante, não só pela Amazônia, mas pela grande biodiversidade brasileira. Como “Deus é brasileiro”, não temos tsunamis nem terremotos, mas, sim, sol o ano inteiro, água doce e salgada, florestas variadas, combustível fóssil e renovável, solo fértil, vento e chuva. E uma das leis mais modernas na área.

O Brasil também pode se orgulhar de, depois de vinte anos, ter feito a transição do regime militar para a democracia sem um único tiro, uma única gota de sangue, e assim passou a ser uma voz ouvida e respeitada na área de direitos humanos – apesar de tudo, principalmente do horror medieval nas penitenciárias e cadeias comuns.

Por fim, o povo brasileiro é uma síntese de todas as etnias e dos mais variados sobrenomes do mundo todo. O nosso País é lindamente multiétnico e acolhedor. Isso tem enorme valor, atrai respeito, admiração e espaço nos grandes debates sobre migração, como na construção do Pacto Global de Migração, que reúne 160 países.

É surpreendente, portanto, a forma como o futuro chanceler (faltam alguns dias...) Ernesto Araújo puxou o tapete do atual, Aloysio Nunes Ferreira. Em Marrakesh, o ainda chanceler subscrevia o pacto em nome do Brasil. Em Brasília, seu quase sucessor anunciava, simultaneamente, que o Brasil vai sair do pacto. Nada poderia ser mais antidiplomático.

“Foi mais do que surpreendente, foi chocante”, disse Nunes Ferreira por telefone, depois de ter reagido a Ernesto Araújo pelo mesmo veículo que ele usara para negar o pacto de migração: o Twitter. Novos tempos.

César Felício: A esperança de nada ser como antes

- Valor Econômico

Bolsonaro depende mais de Moro do que de Guedes

Desde Deodoro da Fonseca, não houve presidente assim. Jair Bolsonaro ganhou sem alianças e montou um ministério excludente. Exceção ao titular da Infraestrutura, Tarcísio Gomes de Freitas, de origem cearense, não há nordestinos em um primeiro escalão com quatro paranaenses, quatro gaúchos, quatro fluminenses, dois políticos do Mato Grosso do Sul e um colombiano. Mesmo que se desconte a falta de equilíbrio regional, é uma pasta que não lança pontes para quem não votou em sua chapa no segundo turno.

Bolsonaro é visto por alguns como um presidente tutelado, mas a rigor cedeu pouco. Arquitetou o governo como se propôs, atendendo fartamente aos setores que sustentaram sua campanha: militares da reserva, com vínculos importantes na caserna, e radicais da internet. Foi obrigado a manter o Ministério de Direitos Humanos, e o entregou a uma pastora pentecostal. Teve que deixar o Ministério do Meio Ambiente e o destinou para um aliado da bancada ruralista.

Paulo Guedes é fiador de um contrato estabelecido quase um ano antes da eleição, mas há aí uma relação de interdependência. Uma agenda como a que o futuro ministro da Economia pretende engatar necessita de um presidente popular que consiga administrar expectativas. Não há outro modo de implantar um ajuste fiscal amargo sem explosão social.

O principal gesto de Bolsonaro para o mundo exterior, não irrelevante, frise-se, foi convidar Sergio Moro. Bolsonaro não poderá ter o anticomunismo, ou mesmo o antipetismo, como seu principal lastro, à medida que Paulo Guedes e Onyx Lorenzoni forem gerando agendas negativas com reformas econômicas amargas e pactuações no Congresso.

É Moro que sinaliza para a esperança de nada ser como antes. Da sua capacidade de gerar fatos positivos dependerá parte do sucesso de Bolsonaro e do próprio Paulo Guedes.

Maria Cristina Fernandes: Toda era tem seu próprio fascismo

- Valor Econômico / Eu & Fim de Semana

Na tarde do dia 2 de dezembro, quando o presidente eleito, Jair Bolsonaro, apareceu no campo do Allianz Parque para entregar o troféu ao Palmeiras, que acabara de derrotar o Vitória por 3 tornando-se campeão brasileiro, as placas tectônicas da rua Turiassu, na Barra Funda, zona oeste de São Paulo, se moveram. Fundada em 2014, em reação à presença em estádios de alviverdes com simpatias pelo Irriducibili, torcida do Lazio, time de Benito Mussollini, a Palmeiras Antifascista era mais alvoroçada das torcidas organizadas.

A ovação de mito por parte expressiva da arquibancada e dos jogadores levou os inquietos integrantes daquela torcida a aparecer como visionários. Suas inquietações seriam reforçadas pelo técnico Luis Felipe Scolari, que atribuiu a vitória à determinação dos jogadores em cumprir ordens da mesma forma da mesma forma que, esperava, o Brasil o fizesse sob o novo presidente. O bate-boca invadiu a semana, especialmente quando surgiram as fotos do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva erguendo a taça do Corinthians, em 2009, durante visita dos jogadores e do presidente do clube, hoje deputado federal pelo PT, Andres Sanchez, ao Palácio da Alvorada.

Fascista e populista findaram quase como elogios num breve balanço do entrevero. O embate parecia reacender o clima da campanha eleitoral. As evidências de que o debate extrapola, no tempo e no espaço, a Turiassu, estão resumidas no sexto livro de Madeleine Albright. Em "Fascismo, um Alerta" (Planeta, 2018), a ex-chanceler americana, de tão assombrada com o entorno, se declara desabrida: "Não há nada de inerentemente enviesado e intolerante em ser populista, termo que o dicionário Merriam-Webster define como 'Quem acredita nos direitos, sabedoria e virtudes das pessoas comuns'. Se me fosse pedido para escolher entre sentar-me dentro ou fora desse círculo de pessoas assim definidas, minha resposta seria: 'Podem contar comigo'".

Chega a dizer que a maior parte dos grandes movimentos políticos tem algum grau de populismo, o que não os torna fascistas: "O que torna um movimento fascista não é a ideologia, mas a disposição de fazer tudo o que for necessário - inclusive lançar mão de força e atropelar os direitos dos outros - para obter a vitória e a obediência às ordens". O livro só não passa batido sobre o Brasil graças a um fortuito registro dos protestos anticorrupção. Ainda que não mencione governantes brasileiros, é difícil chegar ao fim de suas 296 páginas sem se espantar com as semelhanças entre o discurso, a postura e as atitudes do presidente eleito e o alerta da incansável Madeleine Albright.

José de Souza Martins: Crise na cultura do livro

- Valor Econômico / Eu & Fim de Semana

O livro vem se defrontando com mudanças nos costumes relativos ao modo e à forma como entra na vida das pessoas. A crise que agora se menciona é a do livro-mercadoria e não a do livro enquanto instrumento de difusão da cultura, embora este dependa daquela. Justamente por isso, seu fulcro está nas grandes livrarias, as que mais se afastam das tradições relativas ao seu lugar na disseminação social da cultura letrada. O que se dá na medida em que se distanciam da sociabilidade comunitária em que o livro floresceu entre nós.

Os impasses desses estabelecimentos, tudo indica, estão de algum modo relacionados com uma fratura cultural no que é e no que significa o livro para a imensa maioria dos seus leitores. Apostam mais no comprador do que no leitor.

As grandes livrarias procuram criar uma nova cultura do livro e da leitura. Mudanças culturais, porém, tendem a ser lentas, seu ritmo descompassado com as noções de investimento e de lucro. O lucro tem pressa, e essa tem sido a função desagregadora que desempenha em todos os âmbitos que captura. Quase sempre, desorganiza depressa o que é tradicional e costumeiro e menos depressa dá sentido a condutas substitutivas.

Com características de supermercado, essas livrarias eliminaram aspectos importantes e arraigados da sociabilidade do livro. É claro que o surgimento de outros meios e instrumentos de difusão do livro tem seu papel na crise atual. Caso dos livros acessados eletronicamente, lidos em tablets. É o caso das livrarias virtuais, por meio das quais o leitor pode encontrar facilmente o livro que busca e recebê-lo em casa. Um elo importante da cultura do livro está sendo enfraquecido, a livraria.

Hélio Schwartsman: Livrarias orgânicas

- Folha de S. Paulo

A concorrência dos eletrônicos não é a única a assombrar livreiros tradicionais

Mea culpa, mea culpa, mea maxima culpa. Por ações e omissões, sinto-me em parte responsável pelo que muitos já chamam de morte das livrarias. É que há dez anos leio quase que exclusivamente no Kindle. Nesse período, deixei de adquirir 548 itens de livreiros tradicionais.

Compreendo perfeitamente a resistência dos fãs do papel. Também tenho meu lado fetichista. Adoro o cheiro de uma edição da Bibliothèque de la Pléiade e, num lance tipo Jack, o Estripador, sinto falta de talhar as páginas dos exemplares não cortados com que a Belles Lettres às vezes me brindava.

Curvei-me, porém, às imposições do pragmatismo. O diabólico aparelhinho da Amazon serve melhor aos meus propósitos. Os livros eletrônicos chegam instantaneamente às minhas mãos (contra semanas numa importação física) e custam menos. Igualmente importante, o Kindle me permite fazer buscas no conjunto de obras da minha biblioteca e acessar anotações feitas durante a leitura.

Bruno Boghossian: O chip da política

- Folha de S. Paulo

Pedido de cargos mostra que chip da política continua funcionando como antes em Brasília

Na terça-feira (11), um deputado parou o futuro ministro OnyxLorenzoni (Casa Civil) para fazer um pedido. Apresentou o nome do filho para uma secretaria do novo governo. Horas depois, Tereza Cristina (Agricultura) foi abordada por um colega do DEM que perguntava se havia espaço em sua pasta para um nome técnico de sua confiança.

Embora Jair Bolsonaro tenha ficado relativamente livre da pressão dos partidos na escolha dos principais cargos de sua gestão, o chip da política continua funcionando como antes. A cobrança por vagas no segundo escalão é feita às claras.

Os políticos mais calejados dão um voto de confiança ao próximo governo, mas alguns consideram praticamente inevitável uma reforma na Esplanada dos Ministérios já no primeiro ano de mandato. Para eles, a dificuldade para aprovar pautas amargas no Congresso deve obrigar o presidente eleito a dividir poder com os partidos.

Bolsonaro completou esta semana um ciclo de encontros com as bancadas que devem apoiar parte de sua agenda. O gesto de aproximação foi bem recebido e abriu os canais de articulação política para 2019, mas se traduziu em pouco apoio formal.

Reinaldo Azevedo: Mortos na catedral e tiros de Bolsonaro

- Folha de S. Paulo

Demonstrar que é bom de bala seria um despropósito a qualquer tempo

O principal adversário de Jair Bolsonaro é Jair Bolsonaro. As esquerdas não lhe preparam, no curto prazo, dificuldades ou surpresas. Divididas, ficarão à espera da oportunidade. Não vão se antecipar a seus eventuais insucessos. Ainda tentam encontrar a linguagem.

Os esquerdistas entendem que lhes cabe o papel de futuros caudatários de insatisfações, mas estas têm de começar na sociedade, em particular nos grupos eventualmente atingidos pelos "remédios amargos", essa metáfora reincidente de nosso desassossego. Em momentos disruptivos favoráveis às suas teses, buscam acelerar a história, assumindo a vanguarda do confronto. Se a disrupção se dá em sentido contrário às suas pretensões, melhor a cautela. Em tempo de muda, jacu não pia. Na esquerda, a frase é teoria política. Na direita, sabedoria popular.

Segundo o Ibope, 64% estão otimistas com o futuro governo; para 75%, o presidente eleito está no caminho certo. Lula terminou seu segundo mandato, em 2010, com 83% de "ótimo e bom" (Datafolha). Só 4% o consideravam "ruim ou péssimo". Em "Júlio César", de Shakespeare, o vulgo vai em minutos do vitupério ao mandatário assassinado, cujo corpo jaz à porta do Senado, à indignação persecutória contra seus assassinos. Bastou um discurso de Marco Antônio para transformar um idealista meio tonto (na peça), como Brutus, num vilão atormentado.

O povo de verdade é mais pragmático do que isso. Não está nem aí para a cascata de antíteses e ironias do belo falatório do amigo de César. Sua biruta é movida pelo bolso. Abre a porta da geladeira como quem abre um livro. O Lula dos 83% havia passado pelo mensalão em 2005, no terceiro ano de governo. O PT só foi apeado do poder em 2016, com a recessão roçando os 4%. E é nesse ponto que Bolsonaro é o pior adversário de Bolsonaro.

Merval Pereira: 50 anos depois

- O Globo

Tinha 19 anos, era o mais novo da redação, que ouviu em silêncio aquele ato que ficaria conhecido como ‘o golpe dentro do golpe’

Entrei na redação do GLOBO pela primeira vez em 1968 e, no dia 13 de dezembro, era um estagiário indignado com a decretação do AI-5, e assustado com o futuro do país. Tinha 19 anos, era o mais novo da redação, que ouviu em silêncio aquele ato que ficaria conhecido como “o golpe dentro do golpe”.

Em 13 de outubro de 1978, quando foi promulgada a emenda constitucional nº 11, cujo artigo 3º revogava todos os atos institucionais e complementares que fossem contrários à Constituição Federal, “ressalvados os efeitos dos atos praticados com bases neles, os quais estão excluídos de apreciação judicial”, eu chefiava a sucursal de Brasília.

A emenda constitucional entrou em vigor no dia 1º de janeiro de 1979, restabelecendo o habeas corpus e dando fim ao Ato Institucional nº 5 (AI-5). Acompanhei, portanto, nossa história recente, às vezes de muito perto, como quando era repórter credenciado no Palácio do Planalto acompanhando o governo Geisel.

Concordo com o Ascânio quando diz que a data a ser comemorada é a do fim do AI-5, mas nunca é demais lembrar o que aconteceu, para não repetir os mesmos erros. Outro fato a ficar marcado, na história do país e na do GLOBO, foi a decretação da anistia, em 1979.

Quando comemorou 90 anos, em 2015, O GLOBO publicou relatos sobre os bastidores de suas grandes reportagens, entre elas a publicação antecipada da Lei de Anistia, que resumo a seguir. Os dias que antecederam sua decretação foram agitados em Brasília, que já vivia um clima cada vez maior de abertura política iniciada no governo Geisel.

O então ministro da Justiça, Petrônio Portela, um dos principais articuladores no campo civil da anistia, reunia em seu gabinete diversos líderes políticos, de todas as tendências, para negociar, e depois exibir, vitorioso, o texto final. O ambiente naqueles dias era de festa, e não havia rigidez no controle da circulação de jornalistas pelo gabinete ministerial.

Bernardo Mello Franco: A sessão do esquecimento

- O Globo

Havia mais cartazes do que deputados na sessão que lembrou os 50 anos do AI-5. O presidente da Câmara estava em Brasília, mas não saiu da residência oficial

Apenas 11 deputados apareceram no plenário da Câmara, ontem de manhã, para lembrar os 50 anos do AI-5. Estavam em menor número que os 20 cartazes com retratos de vítimas da ditadura. Um deles homenageava o ex-deputado Rubens Paiva, que teve o mandato cassado e foi morto num quartel do Exército.

Embora o painel eletrônico marcasse a presença de quase 300 parlamentares, a maioria já estava longe de Brasília quando a sessão começou. O presidente Rodrigo Maia ficou na cidade, mas não saiu da residência oficial. Ele nasceu no Chile porque o pai foi perseguido pelos militares e precisou se exilar fora do país.

“Seria inadmissível a Câmara dos Deputados do Brasil deixar este 13 de dezembro passar sem uma sessão de memória, de repúdio ao arbítrio e de alerta aos tempos sombrios que sempre nos ameaçam”, disse o deputado Chico Alencar, que presidiu a sessão.

Míriam Leitão: Novo governo quer fugir da CLT

- O Globo

Governo eleito prepara um novo regime trabalhista, mantendo apenas os direitos garantidos pelo artigo 7º da Constituição

O futuro governo está elaborando uma proposta de novo regime trabalhista, fora da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). Ele seria apresentado como uma forma de contrato no qual só estarão garantidos os direitos constitucionais previstos no artigo 7º da Constituição, mas em que todos os outros itens serão negociados entre trabalhadores e empregadores.

Durante a campanha, o programa do PSL falava em “carteira verde e amarela”, mas sem entrar em detalhes. A ideia com a qual trabalham agora é a de oferecer uma nova forma de contrato que seria negociado diretamente entre as duas partes. Isso seria uma opção à CLT.

Foi isso que levou o presidente eleito, Jair Bolsonaro, a falar na quarta-feira em reunião com partidos políticos: “A legislação trabalhista, no que for possível, eu sei que está engessada no artigo 7º, mas ela precisa se aproximar da informalidade”. O artigo 7º garante o 13º salário, férias, seguro-desemprego, entre outros direitos.

A preocupação do governo com o mercado de trabalho é legítima. Esse é um grande problema. A dúvida é se esse é o remédio certo na atual conjuntura de extrema fragilidade dos trabalhadores. Apesar de o país ter superado a recessão, o emprego ainda não reagiu, e sob todos os aspectos a situação é preocupante. O número de desempregados é elevado, 12,3 milhões em outubro, último dado divulgado pela Pnad do IBGE. O ritmo de melhora é muito lento. Em relação ao mesmo período de 2017,a queda nesse indicador foi de apenas 400 mil.

Dora Kramer: Cor de laranja-choque

- Revista Veja

Ao contrário de Fabrício, Francenildo explicou de pronto o dinheiro

Na política, reza o dito, o que precisa ser explicado é complicado. Quando não há explicação convincente e consistente, avizinha-se a evidência de que alguém está bem enroscado. É o caso agora de Jair Bolsonaro & família e o nebuloso episódio do policial Fabrício Queiroz, que movimentou 1,2 milhão de reais em sua conta bancária entre os anos de 2016 e 2017, enquanto trabalhava como motorista para o deputado Flavio Bolsonaro, hoje senador eleito.

Pode ser que no momento em que o senhor e a senhora estejam lendo este texto o ex-assessor de quem o presidente eleito se diz amigo há quarenta anos já tenha se pronunciado a respeito. Se o fez e esclareceu, tanto melhor. Se não, estará se dando ao desfrute da segunda semana consecutiva em silêncio desde a divulgação do relatório do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) sobre depósitos e saques incompatíveis com a renda e a atividade profissional do autor.

A título de comparação, rememoro a história do caseiro Francenildo Santos Costa, que há doze anos testemunhou a presença frequente do então ministro da Fazenda numa casa de lobby e outras atividades em Brasília, cuja existência Antonio Palocci dizia desconhecer. Mediante quebra ilegal de sigilo bancário, Francenildo foi acusado de receber suborno para dar aquela declaração. Isso foi numa tarde de sexta-feira. Pois no início da noite o caseiro já desmontava a farsa exibindo o recibo de 24 900 reais dados por seu pai biológico. Sem margem para dúvidas, o ministro foi demitido.

José Paulo Cavalcanti Filho: 50 anos do AI-5

- Blog do Noblat | Veja

Um desaniversário, se essa palavra existir.

Dia 13 de Dezembro foi um aniversário ao contrário. Um desaniversário, se essa palavra existir. Porque comemoramos só coisas boas. Desgraças, não. E, agora, temos 50 anos do AI 5. Mais um ato, dentro de vasto conjunto normativo destinado a institucionalizar o Golpe de 1964.

Vamos aos números. Atos Institucionais foram 17 (último deles em 14/10/69 – autorizando transferir, para a reserva, militares “que hajam tentado contra a coesão das Formas Armadas”). Alguns mais relevantes. Como o AI 1 (9/04/64) – que, entre outras restrições, suspendeu as garantias do judiciário. E criou o “Comando Supremo da Revolução” (Revolução, assim auto-definiu-se o golpe), que seria a “única instituição autorizada a representar o povo brasileiro”. Foram 9, os Atos desse Comando Supremo. Primeiro deles, em 10/04/64, cassando Celso Furtado, Darci Ribeiro, Francisco Julião, Leonel Brizola, Luiz Carlos Prestes, Jânio Quadros, João Goulart, Josué de Castro, Miguel Arraes, Samuel Wainer e, mais, 90 brasileiros.

Depois, com o AI 2 (27/10/65), foram indicados os “valores revolucionários”. Com o novo Presidente passando, solitariamente, a ter poder para “editar Atos Institucionais, Atos Complementares (à Constituição) e Leis”. Com destaque, sobretudo e infelizmente, para o AI 5, com alentado conjunto de atos em flagrante violação à Constituição. Como a supressão do Habeas Corpus. Foi o mais agudo instrumento de arbítrio, durante o período de exceção. Um golpe dentro do golpe. Ficando excluídos de qualquer apreciação judicial, em todas as normas se repetiria, os atos praticados pelo novo governo.

Ricardo Noblat: Ninguém liga

- Blog do Noblat | Veja

Vida de Bolsonaro está ameaçada, diz Mourão

O que sucederia se Mike Pence, a poucos dias da posse de Donald Trump, revelasse que o presidente eleito dos Estados Unidos corria sério risco de ser alvo de um atentado terrorista?

Pence está para Trump como Hamilton Mourão está para Jair Bolsonaro – ambos são vice, não necessariamente decorativos como se achava Michel Temer no tempo de Dilma presidente.

Pence nada disse de parecido. E se soubesse jamais diria. Quem disse foi Mourão em entrevista à revista digital Crusoé. E sabe o que aconteceu? Nada. Ninguém deu bola.

Um dia desses, o vereador carioca Carlos Bolsonaro, em sua conta no Twitter, escreveu que havia gente interessada na morte do seu pai. Gente muito próxima de Jair, ele disse. Também nada aconteceu.

Imagine só se Ivana Trump, a primeira filha dos Estados Unidos, tivesse escrito algo semelhante. De imediato seria chamada a se explicar. Não se falaria no país de outra coisa por semanas a fio.

Mourão afirmou, ontem, em entrevista a Rodrigo Rangel e Eduardo Barretto que Jair Bolsonaro está sob “grave ameaça”, segundo informes dos serviços de inteligência.

Haveria planos para matar Bolsonaro com atiradores de elite e carros-bomba – inclusive com a participação de grupos terroristas estrangeiros, detalhou o general.

De duas, uma. Ou temos uma sociedade desinteressada da sorte do seu próximo presidente, ou o que dizem Mourão, Carlos e o próprio Bolsonaro não merece ser levado a sério.

Rogério Furquim Werneck: Mais embaixo

- O Globo

Será um erro deixar a crise fiscal dos estados azedar por meses a fio, enquanto o Planalto decide o que fará da vida

Embora haja amplo consenso sobre a urgência da reforma da Previdência, ainda não há clareza sobre o que Jair Bolsonaro fará a respeito. Sua equipe parece convencida de que terá tempo, no início do governo, para decidir com calma com que abrangência e em que horizonte de tempo o esforço de reforma será levado adiante.

Não falta, claro, quem tema uma erosão precoce do capital político do novo presidente. E esteja aflito com sua falta de senso de urgência no encaminhamento da reforma. Mas é inegável que, da perspectiva estrita das finanças do governo central, a urgência não parece tão extrema. Nem há uma crise de confiança prestes a eclodir em janeiro nem as contas públicas federais estão fadadas a fugir ao controle logo nos primeiros meses de 2019.

É importante, contudo, manter perspectiva mais ampla da gravidade do quadro fiscal que hoje enfrenta o país. Na complexa teia de relações do federalismo fiscal brasileiro, as contas do governo central, que ocupam o topo do sistema, têm-se mostrado recorrentemente vulneráveis ao descontrole fiscal dos governos subnacionais. E é aí, mais embaixo, nas contas dos estados e dos municípios, que problemas graves terão de ser enfrentados pelo novo governo, já no início de janeiro.

Vinicius Torres Freire: Aéreas já são estrangeiras

- Folha de S. Paulo

Reserva de mercado é quase ficção ou empecilho que pode dificultar investimentos

As companhias aéreas que fazem voos domésticos são controladas por brasileiros, como manda a lei? Sim, se a gente acredita em ficções burocráticas. Sim, se a gente ignora a composição do capital total dessas empresas e outras parcerias, fatores que determinam o rumo das operações dessas firmas.

O governo baixou medida provisória (MP) que dá cabo dessa quase ficção nacionalista, da determinação legal de que 80% das ações com direito a voto das companhias aéreas sejam de propriedade de brasileiros.

Editar MP com essa finalidade é uma esculhambação, é verdade, até porque a única urgência da medida é facilitar injeção de capital na Avianca, empresa no bico do corvo. Ainda assim, essa nova regra dá cabo de uma regulação que pode criar empecilhos a investimentos e era de interesse de um ou outro empresário, não do mercado de aviação.

Importante é saber como regular o negócio, evitar oligopólio, sabotagens várias das regras de mercado e descaso em geral com o consumidor. Disso pouco se fala.

A Gol é a empresa com maior participação brasileira no total de seu capital, a família Constantino. Mesmo assim, mais de um terço da companhia está na mão de terceiros, em especial da Delta, da Air France KLM e de um monte de fundos de investimento.

A Gol tem uma parceria operacional com a Air France KLM, que aliás é em parte propriedade da Delta.

Uma vida dedicada à luta contra abusos da ditadura

Morre Eunice Paiva/ advogada, aos 86 anos

- O Globo

Cartazes com fotos de mortos e desaparecidos políticos durante a ditadura militar são exibidos em ato na Câmara dos Deputados que lembrou os 50 anos da assinatura do AI-5. Uma das pessoas que mais personificaram a luta contra os abusos e a repressão violenta da ditadura no Brasil, a advogada Eunice Paiva morreu ontem, aos 86 anos, justamente na data em que se completaram 50 anos do AI-5, o decreto que endureceu o regime militar no país.

Eunice foi casada e teve cinco filhos com o deputado federal Rubens Paiva, sequestrado e morto pelos militares em 1971, quando tinha 41 anos. Desde então, ela dedicou sua vida a cobrar do governo brasileiro o reconhecimento e esclarecimentos dos crimes cometidos contra seu marido.

As circunstâncias da morte de Rubens Paiva só foram definitivamente conhecidas em 2014, quando Eunice já sofria há dez anos do Mal de Alzheimer. Em fevereiro daquele ano, a Comissão da Verdade denunciou que o deputado foi torturado e morto nas dependências do Destacamento de Operações de Informações (DOI) do I Exército, na Rua Barão de Mesquita, Tijuca.

No mês seguinte, O GLOBO revelou mais detalhes a partir de depoimentos de militares envolvidos no caso. O corpo de Rubens Paiva chegou a ser enterrado em dois lugares diferentes — em locais isolados no Alto da Boa Vista e no Recreio dos Bandeirantes —, de onde foi retirado até ser jogado no mar em 1973, como tentativa de se ocultar o crime.

Ampla maioria espera que Bolsonaro faça bom governo: Editorial | Valor Econômico

O governo de Jair Bolsonaro começará sob o signo da esperança. Dois em cada três brasileiros, segundo pesquisa da CNI-Ibope, acreditam que o novo presidente está no rumo certo para realizar uma boa administração e o fato de que apenas um terço dos entrevistados digam conhecer o que ele pretende fazer indica que mesmo a maioria que está no escuro sobre seu programa lhe deseja boa sorte. Só 14% esperam coisas ruins vindas do Planalto quando Bolsonaro o ocupar.

Há boas condições, em tese, de o novo presidente corresponder às expectativas, se o alvo for a economia. Quanto à segurança pública, educação e saúde, o máximo que pode conseguir são progressos graduais, desde que persiga com determinação, políticas corretas.

A decisão do Comitê de Política Monetária na última reunião do ano diz muito sobre as chances de se obter resultados positivos nos próximos anos. Se tudo continuar como está, segundo o Banco Central, não será necessário elevar a taxa básica de juros por um período razoável, ou seja, até o segundo semestre do próximo ano. Caso o novo governo dê sinais de que acertou o tom e buscou com empenho as reformas fiscais, que debelarão a desconfiança a respeito da insolvência do Estado, os juros, para alguns analistas, não têm motivos para subir até 2020, pelo menos.

Os alertas de Guardia: Editorial | O Estado de S. Paulo

Não se resolverá o problema das contas públicas vendendo estatais, mas enfrentando a questão do gasto, advertiu o ministro da Fazenda, Eduardo Guardia, em café da manhã com jornalistas, em Brasília. Simples bom senso: como deve saber qualquer chefe de família, é inútil vender o carro para pagar dívidas se as despesas continuam crescendo sem controle. Uma nova encrenca será inevitável, mas sem carro para transformar em dinheiro. O alerta poderá servir ao próximo governo, se o futuro ministro da Economia, Paulo Guedes, ainda estiver pensando em privatizações como forma de reduzir a dívida oficial, equivalente em outubro a 76,5% do Produto Interno Bruto (PIB). Contenção de gastos envolverá necessariamente a reforma da Previdência. Este é o tema mais urgente, segundo o ministro Guardia.

Sem a reforma, lembrou ainda o ministro, também será impossível sustentar o teto de gastos. Pela regra do teto constitucional, uma conquista do atual governo, o aumento da despesa é limitado, em cada ano, pela inflação do período anterior. Essa norma é duplamente importante. Além de reforçar a disciplina fiscal, contribui para firmar as expectativas nos vários mercados e a confiança de empresários, consumidores e investidores.

Balaio partidário: Editorial | Folha de S. Paulo

Sem unidade, agenda e experiência, PSL terá de competir com siglas conhecedoras do Congresso

A facilidade para a proliferação de partidos políticos no Brasil há muito tomou proporções de caricatura. Nada existe de parecido nos principais países com um Legislativo nacional onde hoje atuam 25 siglas —e são 30 entre os deputados que assumirão em 2019.

Muito mais complexa, entretanto, tem se mostrado a tarefa de consolidar legendas com um mínimo de organização interna e consistência programática, capazes tanto de sustentar um governo quanto de seguir relevantes na oposição.

Desde o restabelecimento da democracia, os casos mais bem-sucedidos foram os de PT e PSDB, ambos com referências na social-democracia —para a qual o primeiro rumou partindo da esquerda e da qual o segundo partiu em direção a um reformismo mais liberal.

Depois de protagonizar a disputa presidencial por duas décadas, os dois sobrevivem com vastas escoriações. Os petistas conseguiram a maior bancada eleita para a Câmara, com 56 nomes, mas não se sabe como e se vão superar o ocaso de seu único líder inconteste.

Os tucanos preservaram o comando do estado mais rico do país, que detêm desde 1995, mas o governador eleito está menos associado aos tradicionais expoentes da sigla do que à guinada direitista de parcelas expressivas do eleitorado e do mundo político nacional.

Essa onda, aliás, impulsionou o que talvez venha a ser a maior novidade do quadro partidário pós-ditadura: o PSL de Jair Bolsonaro, uma agremiação de discurso abertamente conservador que elegeu 52 deputados, ante apenas 1 quatro anos atrás, e tende a abrigar mais a partir de 2019.

Meio século de AI-5 coincide com escolha de militar pelo voto: Editorial | O Globo

Eleição de Bolsonaro serve de marco da consolidação das liberdades democráticas

Meio século da edição do Ato Institucional n° 5, completado ontem, é mais que uma data redonda. Pelas circunstâncias que vive o país, os 50 anos do golpe da “linha dura” dentro de outro golpe, o de 1964, é marco de um ciclo histórico. Pois a eleição de Jair Bolsonaro para presidente da República, um ex-capitão do Exército, deputado federal por 28 anos, simboliza, em certa medida, a volta de militares ao poder. Com Bolsonaro, assumem cargos no primeiro escalão quatro generais, inclusive o vice, Hamilton Mourão. Nada a ver com 64 e 68, claro, daí a importância.

O fato, longe de sinalizar qualquer retrocesso, ao contrário, serve para destacar o amadurecimento da democracia brasileira e de suas instituições republicanas. O presidente eleito já deu declarações há tempos de louvação ao AI-5 e elogios à ditadura. No Congresso, por ser parte do baixo clero, tinha uma espécie de licença para ser extravagante.

A campanha eleitoral e, por certo, a possibilidade de vitória, confirmada, foram tornando o candidato mais cuidadoso, a ponto de pedir necessárias desculpas por excessos verbais do passado. A participação de militares na campanha de Bolsonaro, como o general Mourão, se deu dentro das normas. Todos da reserva.

Houve a exceção de publicações fora do tom feitas no Twitter pelo comandante do Exército, general Eduardo Villas Bôas, às vésperas do julgamento pelo Supremo de pedido de habeas corpus do ex-presidente Lula, em que o comandante repudiou a impunidade, forma enviesada de defender a negação do pedido.

Carla Visi - Morena de Angola

Cecília Meireles Ou isto ou aquilo

Ou se tem chuva e não se tem sol,
ou se tem sol e não se tem chuva!

Ou se calça a luva e não se põe o anel,
ou se põe o anel e não se calça a luva!

Quem sobe nos ares não fica no chão,
quem fica no chão não sobe nos ares.

É uma grande pena que não se possa
estar ao mesmo tempo nos dois lugares!

Ou guardo o dinheiro e não compro o doce,
ou compro o doce e gasto o dinheiro.

Ou isto ou aquilo: ou isto ou aquilo…
e vivo escolhendo o dia inteiro!

Não sei se brinco, não sei se estudo,
se saio correndo ou fico tranqüilo.

Mas não consegui entender ainda
qual é melhor: se é isto ou aquilo.