sexta-feira, 14 de dezembro de 2018

Meio século de AI-5 coincide com escolha de militar pelo voto: Editorial | O Globo

Eleição de Bolsonaro serve de marco da consolidação das liberdades democráticas

Meio século da edição do Ato Institucional n° 5, completado ontem, é mais que uma data redonda. Pelas circunstâncias que vive o país, os 50 anos do golpe da “linha dura” dentro de outro golpe, o de 1964, é marco de um ciclo histórico. Pois a eleição de Jair Bolsonaro para presidente da República, um ex-capitão do Exército, deputado federal por 28 anos, simboliza, em certa medida, a volta de militares ao poder. Com Bolsonaro, assumem cargos no primeiro escalão quatro generais, inclusive o vice, Hamilton Mourão. Nada a ver com 64 e 68, claro, daí a importância.

O fato, longe de sinalizar qualquer retrocesso, ao contrário, serve para destacar o amadurecimento da democracia brasileira e de suas instituições republicanas. O presidente eleito já deu declarações há tempos de louvação ao AI-5 e elogios à ditadura. No Congresso, por ser parte do baixo clero, tinha uma espécie de licença para ser extravagante.

A campanha eleitoral e, por certo, a possibilidade de vitória, confirmada, foram tornando o candidato mais cuidadoso, a ponto de pedir necessárias desculpas por excessos verbais do passado. A participação de militares na campanha de Bolsonaro, como o general Mourão, se deu dentro das normas. Todos da reserva.

Houve a exceção de publicações fora do tom feitas no Twitter pelo comandante do Exército, general Eduardo Villas Bôas, às vésperas do julgamento pelo Supremo de pedido de habeas corpus do ex-presidente Lula, em que o comandante repudiou a impunidade, forma enviesada de defender a negação do pedido.

Os votos dos ministros que rejeitaram o pedido não pareceram ter sido dados sob pressão. Ocorreu , na sessão, até uma referência crítica do ministro Celso de Mello, decano da Corte, à fala de Villas Bôas. Depois, nada mais houve. Outro sinal de que os tempos são outros.

O AI-5 e tudo o que produziu em arbitrariedades e violência em geral, censura em particular, serviram de estímulo para a construção de ampla aliança contra a ditadura, da qual depois fizeram parte também grupos que apenas queriam substituir um regime autoritário de direita por um de esquerda.

O processo de redemocratização conduzido de forma negociada entre militares e parte majoritária da oposição revogou o AI-5, aprovou uma anistia recíproca e aplainou o terreno até hoje, em que um ex-militar se prepara para assumir o Planalto por ter vencido as eleições presidenciais, e, como todos, subordinado à Constituição. Lembrar desta história é uma forma de se dizer: AI-5 nunca mais.

Nenhum comentário: