Reserva de mercado é quase ficção ou empecilho que pode dificultar investimentos
As companhias aéreas que fazem voos domésticos são controladas por brasileiros, como manda a lei? Sim, se a gente acredita em ficções burocráticas. Sim, se a gente ignora a composição do capital total dessas empresas e outras parcerias, fatores que determinam o rumo das operações dessas firmas.
O governo baixou medida provisória (MP) que dá cabo dessa quase ficção nacionalista, da determinação legal de que 80% das ações com direito a voto das companhias aéreas sejam de propriedade de brasileiros.
Editar MP com essa finalidade é uma esculhambação, é verdade, até porque a única urgência da medida é facilitar injeção de capital na Avianca, empresa no bico do corvo. Ainda assim, essa nova regra dá cabo de uma regulação que pode criar empecilhos a investimentos e era de interesse de um ou outro empresário, não do mercado de aviação.
Importante é saber como regular o negócio, evitar oligopólio, sabotagens várias das regras de mercado e descaso em geral com o consumidor. Disso pouco se fala.
A Gol é a empresa com maior participação brasileira no total de seu capital, a família Constantino. Mesmo assim, mais de um terço da companhia está na mão de terceiros, em especial da Delta, da Air France KLM e de um monte de fundos de investimento.
A Gol tem uma parceria operacional com a Air France KLM, que aliás é em parte propriedade da Delta.
A Gol tem 33,3% do mercado de passageiros. Em segundo lugar, vem a Latam, com 30,4%. A Latam do Brasil é na prática subsidiária de uma multinacional sob controle de uma família chilena, os Cueto, embora com participação relevante ainda da família Amaro nos negócios.
A Azul tem 22,9% do mercado. É controlada por David Neeleman, que é brasileiro e americano, embora a nacionalidade seja irrelevante, em termos de negócio. Neeleman tem pouco mais de 5% do capital total e, ele mesmo, é uma espécie de multinacional do setor, com participação relevante na TAP portuguesa, por exemplo.
A Azul é ainda das famílias donas da Trip, da United Airlines e de um monte de fundões internacionais de investimento.
A Avianca, que pediu recuperação judicial, tem 12,6% do mercado. É na prática de Germán Efromovich, que é um pouco ou simultaneamente brasileiro, colombiano, polonês e boliviano, embora tal peculiaridade também não seja o essencial.
Ele é controlador de uma holding que tem companhias aéreas em vários países, também uma espécie de múlti.
Nota-se, portanto, que o mercado é quase 100% dominado por empresas em processo mais ou menos avançado de internacionalização de capital, gestão e operação. Suponha-se, no entanto, que alguém apareça com bons argumentos a favor da maioria brasileira no controle dessas empresas. E daí?
Como será possível impor tal decisão caso brasileiros não tenham capital bastante ou não queiram controlar tais empresas? Por que, mesmo sob reserva legal de mercado para brasileiros, as empresas não se tornaram cada vez mais "nacionais"? Na verdade, as empresas nacionais quebraram operisticamente, mesmo com favores do Estado, ou se associaram a estrangeiros.
Sem abertura do mercado, haveria investimentos suficientes nas empresas domésticas? Note-se, enfim, que o capital estrangeiro terá de constituir empresas aqui no Brasil, a fim de operar no mercado aéreo doméstico, como o fazem montadoras de carros ou de eletrodomésticos, siderúrgicas, distribuidores de eletricidade e até varejistas.
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