sexta-feira, 4 de janeiro de 2019

José de Souza Martins: Invisibilidades da pobreza

- Eu & Fim de Semana / Valor Econômico

A recém-divulgada Síntese dos Indicadores Sociais, do IBGE, sobre a pobreza no Brasil nos mostra que 54,8 milhões de pessoas viviam com menos de R$ 406 por mês em 2017. Situam-se aquém dos US$ 5,5 por dia, que o Banco Mundial define como marco da pobreza.

O mesmo banco indica que vivem em estado de extrema pobreza os que recebem o equivalente a US$ 1,90 por dia, R$ 140 por mês. São 15,2 milhões de pessoas nessa situação, em 2017, um aumento de 1,7 milhão em relação ao ano anterior, mais do que a população de cada uma de 14 capitais brasileiras ou do que várias outras grandes cidades. Na melhor das hipóteses, essa importância dá apenas para prolongar o advento da morte por carências inadmissíveis, a maior das quais é a de alimentação. Trata-se de um nível genocida de pobreza.

Não obstante, no interior dessa enorme miséria, há também hierarquias e desigualdades sociais, do mesmo tipo que separa ricos e pobres. Abaixo da linha da pobreza, mulheres sem cônjuge e com filho são 56,9% do total, sendo as pretas ou pardas 64,4% e as brancas 41,5%. Se a cor da pele vitima mais aquelas do que estas, nem por isso é a cor o fator decisivo de vitimação dessas mulheres. Apesar das diferenças, é alta a proporção tanto de pretas e pardas quanto de brancas.

Outros fatores são mais decisivos na causa da pobreza. A proporção de casais com filhos nessa situação é de 30,4%, o que apenas sugere que a solidão da mãe sem marido ou companheiro não é o único nem decisivo fator da pobreza extrema. Mesmo que não existissem diferenças nas proporções por cor da pele, ainda assim existiriam graves fatores de empobrecimento. Não é o fato de que haja preconceito de cor no Brasil que explica a extrema pobreza. Ele apenas a agrava.

Maria Cristina Fernandes: Os valores da farda que volta ao poder

- Eu & Fim de Semana / Valor Econômico

Os oficiais do Exército brasileiro creditam à televisão, aos bancos, ao Congresso Nacional e às multinacionais, nesta ordem, o maior grau de influência política no país. Indagados que instituições deveriam exercê-la, os oficiais se incluem. Colocam as Forças Armadas em quarto lugar entre as aquelas que deveriam ter mais peso político, depois do Congresso, da academia e do Judiciário.

Confrontados com a afirmação do ex-ministro da Guerra do Estado Novo e ex-candidato à Presidência da República, general Pedro Aurélio de Góis Monteiro, de que a política deveria ser mantida fora dos quartéis, a maioria dos oficiais do Exército manifestou discordância. A maior aderência à afirmação de que "cabe ao Exército agir, mesmo que politicamente, quando a pátria estiver em perigo" se dá entre jovens tenentes (63,5%). A adesão à tese agrega menos da metade (48,7%) dos coronéis e generais.

Os dados estão em "A Construção da Identidade do Oficial do Exército Brasileiro", publicado no ano passado pela editora da PUC-RJ. O autor, o major Denis de Miranda, é professor da Academia Militar das Agulhas Negras, escola de formação de oficiais e única porta para o generalato na Força. Por lá passaram o presidente Jair Bolsonaro (turma de 1977) e todos os generais do primeiro escalão, o vice Hamilton Mourão (1975), o ministro do Gabinete de Segurança Institucional, Heleno Ribeiro (1969), o titular da Secretaria de Governo, Carlos Alberto dos Santos Cruz (1974) e o da Defesa, Fernando de Azevedo e Silva (1976).

O livro é resultado do mestrado em sociologia das instituições militares, da PUC-Rio, incentivado por convênio entre os Ministérios da Defesa e da Educação. Para escrevê-lo, Miranda enviou 2.015 formulários para oficiais formados na Aman. Recebeu de volta 643, o que deu à pesquisa uma margem de confiança de 98%. Entre aqueles que responderam, estão 90 generais e coronéis, 249 tenentes-coronéis e majores, 216 capitães e 88 tenentes.

No prelo, na mesma editora, está novo levantamento, ainda mais amplo, encabeçado pelo coordenador do núcleo de sociologia das instituições militares, Eduardo de Vasconcellos Raposo. Os primeiros tabulamentos sugerem uma convergência entre os valores militares e aqueles que se fizeram vitoriosos no eleitorado nacional.

César Felício: O futuro já começou

- Valor Econômico

Bolsonaro e seus ministros inflaram expectativas

Antonio Gramsci está mais atual do que nunca, a julgar pelo que se ouviu em alguns pontos da Esplanada dos Ministérios na jornada de quarta-feira. Se antes estabelecer uma hegemonia cultural não era um objetivo claro de um grupo político no poder, agora é. Nos governos Lula e Dilma havia muita gente com uma visão leninista da condução da política e de aparelhamento do Estado, mas a unidade estratégica se perdeu em meio a disputas internas e ao surgimento de outras referências para a construção do poder.

Qualquer um que tenha acompanhando o tal do "lulopetismo", para usar a expressão pejorativa dos vitoriosos de hoje, sabe que não foi a ideologia que guiou os governantes de então. A narrativa feita pela família Odebrecht, Antonio Palocci, Paulo Roberto Costa e tantos outros autores que explicam o Brasil é bastante eloquente neste sentido.

A entrada em cena de Ricardo Vélez, Ernesto Araújo e outros mostra a disposição do setor mais duro do bolsonarismo de praticar um exorcismo que, por óbvio, confirma a existência do demônio ao combater a sua presença. Parido das urnas por uma reação social à corrupção, os bolsonaristas chegam com o purismo característico das rupturas, do poder tomado de assalto sem uma construção paulatina que tenha envolvido composições e concessões. Há muitos anos não se percebia tamanho viés ideológico em uma administração, que tanto fala em desideologizar o Estado. A troca de cadeiras vermelhas por azuis no Palácio da Alvorada é mais um indício neste sentido.

Em seu discurso de posse, o novo ministro da Educação deixou claro que se vive uma guerra contra uma ideologia materialista que oprime a sociedade, tendo como combustível a "tresloucada onda globalista" e o "irresponsável pragmatismo sofístico".

Vélez coloca a sua chegada ao Ministério da Educação como uma frente nesta batalha, cruenta a seu ver. Segundo o ministro, um dos lances desta guerra foi o atentado de Juiz de Fora, ocasião em que Bolsonaro foi esfaqueado, em 6 de setembro. Na visão de Vélez, houve um complô, urdido pelos mais ameaçados pela onda moralizante. "As maquinações tenebrosas da rua Halfeld ratificaram a certeza de que derrubaram um homem, mas levantaram uma nação", disse.

Vélez se propõe a somar forças a uma onda restauradora dos pilares que acredita ameaçados: Família, Igreja, Escola, Estado e Pátria. O novo ministro não detalhou um único plano, sequer o tão falado Escola sem Partido, mas foi muito além disso: declarou-se pertencente a um movimento maior, a uma revolução restauradora.

*José Eduardo Faria: O capitão reformado e a compreensão da política

- O Estado de S.Paulo

Quanto mais as redes disseminam opiniões e informações, mais confundem, desorientam

Ao afirmar que poder popular não requer intermediários, pois está organizado horizontalmente e opera em tempo real graças à internet, o novo presidente da República apresentou, finalmente, uma ideia política. Ele pode não ter sido claro e preciso, mas ao menos tocou numa questão importante: num período de incertezas, em que proliferam movimentos de protesto contra a incapacidade das instituições de gerir a vida econômica e social do País, até que ponto a política é compreensível para os eleitores?

Na complexidade da sociedade contemporânea, em cujo âmbito distintos atores agem crescentemente em esferas cada vez mais globais, as práticas políticas mudaram de forma, caráter e alcance. Com isso puseram em novos termos o exercício da cidadania, não pela falta de informações, mas pela abundância de mensagens. Transmitidas pelas redes sociais, o que facilita a difusão de todo tipo de opiniões sem nenhum critério ou hierarquização, essa abundância de informações é problemática, pois tende a desviar o foco dos temas fundamentais, provocando mais confusão do que compreensão. Quanto mais disseminam informações e opiniões, mais as redes sociais confundem e desorientam.

Contudo a sociedade não se tornou mais complexa apenas por sua dinâmica natural. As novas formas de ação política propiciadas por instrumentos digitais também ajudaram a aumentar o nível de complexidade social. As novas práticas políticas questionam a autoridade estabelecida, diversificam as possibilidades de ação e ampliam o campo do que é politicamente discutível. E ao lado dos mecanismos tradicionais de representação, como partidos e sindicatos, que já não dão conta da complexidade socioeconômica, multiplicaram-se ONGs que se mobilizam por meio de redes, o que lhes permite ultrapassar fronteiras territoriais, corroendo os espaços delimitados que serviam de referência na época em que tudo girava em torno do Estado-nação.

Decorre daí o sentido da indagação acima: a política é compreensível para os eleitores? Nesse cenário, a política tradicional tem se revelado incapaz de mostrar ao eleitorado o conjunto da sociedade e de seus atores, lógicas e discursos. Quando uma crise política eclode, é porque as práticas políticas não conseguem cumprir um de seus papéis básicos – o de tornar a sociedade visível a si mesma, facilitando sua inteligibilidade pelos cidadãos que a integram. Diante dessa incapacidade de compreender o que determina sua vida, os eleitores tendem a ficar confusos, deixando-se levar por indignações não construtivas e metáforas mobilizadoras. É possível recuperar a legitimidade estabelecida pela democracia representativa tradicional? Há alternativas a ela? Questões como essas têm sido discutidas, entre outros, pelo filósofo espanhol Daniel Innerarity, hoje em evidência na Europa. Ele tem uma visão crítica das redes sociais.

Eliane Cantanhêde: O capitão e os generais

- O Estado de S.Paulo

Bolsonaro é instrumento dos militares, ou os militares é que são de Bolsonaro?

Antes, discutiu-se se o carismático Lula era instrumento do PT e de suas bases para instalar um projeto de esquerda no Brasil, ou se o PT e suas bases sindicais, acadêmicas e católicas eram instrumento de Lula para chegar e manter o poder. A história mostra que Lula venceu o PT.

Agora, o Brasil vive o mesmo dilema, mas com personagens opostos: o capitão-político Jair Bolsonaro é instrumento das Forças Armadas e seus seguidores para instalar um projeto de direita, ou são os militares e seus seguidores que se tornaram instrumento de Bolsonaro e seus filhos para chegar ao poder?

Por isso, a transmissão de cargo mais instigante e concorrida foi a do general Fernando Azevedo e Silva na Defesa. De tão disputada, foi no Clube do Exército. De tão importante, foi a única com discurso do presidente.

Diante do dilema, sobressaiu-se o enigma jogado no amplo salão por Bolsonaro. Dirigindo-se ao comandante do Exército, general Eduardo Villas Bôas, confidenciou: “O que nós conversamos morrerá entre nós”. Ato contínuo, agradeceu: “Obrigado. O sr. é um dos responsáveis por eu estar aqui”.

O que eles conversaram não se sabe, mas sabe-se que Villas Bôas, infelizmente acometido de uma doença degenerativa, é o maior líder militar, um homem inteligente, articulado, simpático e que, bem antes das eleições, já vinha assuntando sobre quem seria o candidato ideal para trazer a direita de volta ao poder. Bolsonaro? O ruralista Ronaldo Caiado? Algum empresário?

Marcos Augusto Gonçalves: Mito ideológico

- Folha de S. Paulo

Para Bolsonaro e seu séquito, o que eles exprimem é a verdade divina

“Vamos retirar o viés ideológico de nossas relações internacionais”, anunciou o Mito em seu discurso de posse na Praça dos Três Poderes, escrito para animar seus fervorosos apoiadores, ali representados por uma plateia de Simpsons vestidos de verde e amarelo.

Livrar o país da ideologia é um dos motes do presidente Jair Bolsonaro.

Tomemos o termo em sua acepção comum, de conjunto de convicções políticas, econômicas, culturais etc. professadas por pessoas ou grupos. É óbvio que o Mito e seu séquito exprimem visões ideológicas —e até bastante rígidas, a ponto de deixá-las suplantar opções pragmáticas e evidências empíricas.

Mudar a embaixada para Jerusalém, por exemplo, é uma escolha motivada por viés ideológico. Leva o Brasil a optar por um lado do conflito, abandonando a perspectiva sensata de defesa da paz e reconhecimento de dois Estados.

Bruno Boghossian: O atraso da ‘nova era’

- Folha de S. Paulo

Governo Bolsonaro ameaça políticas públicas com visão simplista do conservadorismo

A ministra argumenta que era só uma metáfora. Diante de um celular, a pastora Damares Alves avisava que sua posse no governo Jair Bolsonaro representava uma nova era no Brasil. “Menino veste azul e menina veste rosa!”, dizia, animada.

Como metáfora, a cena gravada na quarta-feira (2) é uma alegoria esclarecedora sobre o caráter retrógrado dessa “nova era”. O simbolismo ultrapassado usado pela ministra revela que sua visão sobre políticas públicas não vai além de uma visão simplista do conservadorismo.

Damares falou das cores para descrever sua oposição ao que chama de “ideologia de gênero” —algo que, na prática, não significa nada. A expressão virou um bordão de grupos religiosos e políticos de direita para atacar programas de educação sexual e combate à discriminação.

É direito de qualquer segmento discordar de ações de governo, mas o debate ficou tão contaminado por pregações e frases de efeito que deixou de fazer sentido. “Ninguém vai nos impedir de chamar as meninas de princesas e os meninos de príncipes”, disse a pastora. Faltou explicar quando ela se sentiu ameaçada por alguma proibição esdrúxula do tipo.

Ao tomar posse, Damares reconheceu que o Estado é laico, “mas esta ministra é terrivelmente cristã”. Em 2012, no julgamento do aborto de fetos anencéfalos no STF, Marco Aurélio Mello disse que “concepções morais religiosas não podem guiar as decisões estatais, devendo ficar circunscritas à esfera privada”.

Merval Pereira: Bolsonaro e os militares

- O Globo

Presidente ecoa um sentimento arraigado nas Forças Armadas de que o PT tentou levar o país para o socialismo

O que o general Villas Bôas, então comandante do Exército, conversou com o candidato Jair Bolsonaro não saberemos tão cedo, ou nunca. Mas sabemos que Bolsonaro atribui a ele ter chegado à Presidência da República e, juntando pedaços de narrativas, desenha-se uma versão muito próxima do que ocorreu nos bastidores militares nos últimos anos.

O general Augusto Heleno, ministro-chefe do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), deu informações preciosas na entrevista ao “J10” da Globonews quarta-feira. Disse, por exemplo, que os militares perceberam que o que chamou de “efeito Bolsonaro” poderia ajudar a que participassem da vida política num momento em que a situação no país era de “grande calamidade”.

Ficou-se sabendo também que quando Bolsonaro fala em “livrar o país do socialismo”, não está falando à toa. Ecoa um sentimento arraigado nas Forças Armadas de que o PT tentou levar o país para o socialismo, num esquema regional montado pelo Foro de São Paulo, agrupamento de esquerda coordenado por Lula e Fidel Castro que chegou a ter quase o monopólio político dos governos da América Latina.

Essa desconfiança em relação ao PT se deve a fatos concretos. A então presidente Dilma chegou a consultar as Forças Armadas sobre a decretação do estado de emergência para evitar a votação de seu impeachment, e foi rechaçada.

Consumada a derrota política, uma análise do Diretório Nacional do PT lamentou que o partido tenha sido descuidado na reforma do Estado, citando, entre outras ações, a não interferência nos currículos das academias militares. Este “sincericídio” petista confirmou a intenção de controlar a formação militar, o que estava implícito em um decreto assinado pela presidente Dilma em setembro de 2015, transferindo para o Ministério da Defesa, ocupado pelo PT, poderes aparentemente burocráticos, mas que dariam margem justamente à interferência nos currículos das escolas militares, um sistema definido pelo general Heleno como “primoroso”.

Bernardo Mello Franco: Príncipes, princesas e fiéis em potencial

- O Globo

Ao assumir ministério, a pastora Damares Alves indicou que pode usar a estrutura do governo para ampliar o rebanho das igrejas evangélicas

O tom da nova ministra foi grandiloquente. “Queremos fazer a grande revolução que o Brasil precisa”, proclamou. As palavras sugeriam o anúncio de uma meta universalista, como o fim do analfabetismo ou a erradicação da pobreza. Mas a revolução pretendida por Damares Alves era outra. “Neste governo, menina será princesa e menino será príncipe”, disse.

Ao assumir o Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, na quarta-feira, a pastora discursou como se estivesse no púlpito de sua igreja. “Eu acredito nos desígnios de Deus, eu acredito nos propósitos de Deus, e Deus uniu nesse ministério um time, ele uniu um exército”, empolgou-se.

Indicada pela bancada evangélica, Damares promete turbinar no Executivo as bandeiras conservadoras que seus padrinhos defendem no Congresso. Numa pasta que deveria proteger a diversidade e as minorias, ela indicou que atuará como propagandista da sua própria crença. “O Estado é laico, mas essa ministra é terrivelmente cristã”, resumiu.

Luiz Carlos Azedo: O poder civil e os jabutis

- Correio Braziliense

“As exonerações em massa na Casa Civil, que tendem a se reproduzir em outras pastas, eram esperadas. Os cargos comissionados serão ocupados por quem venceu as eleições”

O sucesso de Jair Bolsonaro depende muito mais do poder civil do que do grupo de militares que cercam o presidente da República. Para ser mais claro, a médio e longo prazos, não é a retórica ideológica nem o esculacho da oposição que garantirão esse êxito, mas o desempenho dos ministros da Economia, Paulo Guedes, e da Justiça, Sérgio Moro. Os generais terão um papel importante, principalmente para o governo não sair do próprio eixo, como parece acontecer no Itamaraty, mas isso dependerá também de suas concepções de gestão. Vamos por partes.

Paulo Guedes encontra uma casa arrumada do ponto de vista financeiro, não foi à toa que trouxe importantes integrantes da equipe econômica anterior para o time que montou, ainda que o ministro da Casa Civil, Onyx Lorenzoni, ontem, tenha levantado dúvidas sobre a movimentação financeira do governo no último mês. Na máquina federal, a correria para fazer empenhos e efetuar pagamentos em atraso no último mês do ano fiscal é normal. O problema do governo é outro: o deficit fiscal. Não há possibilidade de retomar o crescimento e enfrentar o desemprego em massa sem a reforma da Previdência.

Ninguém se iluda, há um alinhamento político favorável ao sucesso da nova equipe econômica. Como defendeu Guedes, o “projeto liberal democrata” de Bolsonaro não vive o dilema de quem pega o violino com a mão esquerda e toca com a direita. “A aliança de centro-direita, entre conservadores, em princípios e costumes, e liberais na economia”, como definiu Guedes, é robusta, porque conta com o apoio da maioria da população. Enfrentará resistência das corporações, inclusive militar, mas o maior perigo é a recidiva do patrimonialismo dos que vivem à custa das rendas e benesses do Estado. Eles aparecem onde menos se espera.

Abrir a economia, privatizar as estatais, controlar gastos, reformar o Estado, desregulamentar, simplificar e reduzir impostos e descentralizar os recursos para estados e municípios não são um “estelionato eleitoral”. O governo foi eleito com essa pauta. Se vai dar certo é outra história, mas, desta vez, as chances realmente são maiores. E as políticas sociais? Bolsonaro somente prometeu prioridade para o ensino fundamental e a saúde das crianças, o resto vai jogar no colo dos estados e municípios. É a receita da Escola de Chicago, aplicada na Alemanha, no Japão e no Chile. No fim da guerra, com seus países em ruínas, alemães e japoneses estavam comendo ratos; no Chile de Pinochet, era chumbo mesmo. No Brasil, num cenário completamente diferente, o sucesso do projeto será um novo “case”.

Dora Kramer: Manter acesa a chama

Publicado em VEJA de 9 de janeiro de 2019, edição nº 2616

Eles acham que a 'força do povo' moverá todas as montanhas

o desdenhou das análises praticamente unânimes no dia seguinte ao da posse de que Jair Bolsonaro se repetiu como candidato e deixou a desejar como presidente nos dois primeiros pronunciamentos oficiais. Os mentores estreantes acharam que os analistas não entenderam o espírito da coisa, que seria exatamente manter acesa a chama que levou Bolsonaro da insignificância parlamentar à Presidência da República, a fim de fazer da mobilização popular a principal garantia de governabilidade. Em miúdos: pressionado pelo povo, o Congresso seria forçado a se curvar às vontades e conveniências do presidente.

Na teoria, uma equação simples. Na prática, uma operação cuja complexidade ficará evidente à medida da passagem do tempo. A cada dia uma nova agonia a exigir soluções para as quais a “força do povo” conta pouco ou quase nada. Até porque o povo, no caso, tem mais que fazer. Mobilizações populares têm prazo de validade e alcance limitado. Euforia passa e, mais rápido do que parecem acreditar os novos locatários do Planalto e cercanias, se transforma em expectativa por providências, e daí em cobranças por resultados. Se o tempo da política é veloz, o da aflição popular é de um imediatismo atroz.

A ideia de que o presidente da República pode se ater ao papel de animador de auditório enquanto um grupo de executivos (agora liderados por Paulo Guedes na economia, Sergio Moro na probidade e pelos militares na ordenação no andamento dos trabalhos) toca o barco é muito parecida com a concepção adotada por Luiz Inácio da Silva. Com Lula deu certo por longo tempo, mas são realidades diferentes. Além de ter a economia com vento a favor, o petista contou com ampla boa vontade até entre opositores. O “operário de esquerda” não estava ali para ser contestado. Nacional e internacionalmente.

Flávia Oliveira: Olha o foco, ministro

- O Globo

O governo empossado no alvorecer de 2019 é a encarnação de uma escolha política com que o Brasil vinha flertando fazia tempo. O país mergulhou num projeto político liberal na economia e ultraconservador nos costumes. E os primeiros dias de mandato de Jair Bolsonaro não deixam dúvidas, seja na repetição dos bordões da corrida eleitoral (a começar pelo presidente da República), seja nas medidas já publicadas no Diário Oficial. Tome banimento do politicamente correto, do respeito às minorias, da cor azul para meninas e do rosa para meninos. Dá-lhe moral religiosa no Estado laico.

A Paulo Guedes, designado superministro da Economia, coube possivelmente um dos textos mais compreensíveis da nova administração. Pragmático, indicou no discurso de posse sua trindade: reforma da Previdência, privatização e simplificação tributária. Se algo falhar na prioridade número um, o Legislativo haverá de arcar com a responsabilidade de fazer escolhas orçamentárias sem comprometer o teto de gastos, pedra fundamental da doutrina que o economista forjado na Universidade de Chicago quer opor, em suas palavras, a quatro décadas de quadro fiscal corrompido.

O ministro acertou no diagnóstico sobre a barafunda de benesses em que o Estado brasileiro está assentado. Judiciário e Legislativo são mesmo privilegiados em remuneração, benefícios e aposentadorias. Há um corporativismo bem organizado e, seguidamente, preservado de mudanças —exemplo foram os militares, sequer contemplados na reforma previdenciária do ex-presidente Michel Temer. O crédito estatal, sublinhou, atendeu aos gigantes do PIB, mas deixou à míngua médias empresas e microempreendedores necessitados de recursos. É tudo verdade.

Monica de Bolle: Dentro da baleia

- O Globo

Se não temos totalitarismo no nacionalismo ascendente, sobra falta de liberdade de pensamento.

Escolhi George Orwell para iniciar o ano, evidentemente não por acaso. Dentro da baleia, ensaio escrito em 1940, revela o Orwell visionário e realista que quase todos associam a suas obras de ficção. Contudo, o lado mais intrigante do escritor está em suas obras de crítica literária e nos ensaios jornalísticos e políticos — a crítica literária e os ensaios muitas vezes mesclam-se de forma esplendorosa, como em Dentro da baleia. Eis um trecho: “Quase com certeza estamos rumando para uma era de ditaduras totalitárias — uma era em que a liberdade de pensamento será a princípio um pecado mortal e mais tarde uma abstração sem sentido”.

Movimentos nacionalistas e populistas à parte, não estamos entrando na era de ditaduras totalitárias que descrevia Orwell. O autor, britânico e liberal, portanto um liberal britânico de pura linhagem, preocupava-se com o fascismo na Europa, com o stalinismo na União Soviética, com o nazismo na Alemanha, com o maoismo na China. Orwell jamais se rendeu às simplificações conservadoras dos regimes ditos “comunistas”, preferindo a sátira para abordar as contradições da utopia socialista inserida em regimes totalitários. A sátira está em falta para tratar das contradições do Brexit de sua terra natal, do trumpismo nos Estados Unidos, da ascensão da extrema-direita mundo afora. Mas divago.

Por razões diversas — dentre as quais não se pode excluir o Big Brother das redes sociais —, a liberdade de pensamento está se tornando um pecado mortal neste final de década. Não tardará para que seja uma abstração sem sentido. “Deus acima de todos”, para religiosos ou não religiosos, é a mais pura retratação dessa abstração sem sentido que é o ato de refletir e escrever sem amarras, sem medo de ser rotulado indelevelmente pelas patrulhas incansáveis.

Míriam Leitão: O tempo da política e o da economia

- O Globo

Prolongamento da lua de mel de Bolsonaro com o Congresso dependerá da recuperação da economia e de melhora na segurança

O jeito Paulo Guedes de ser ministro é diferente de qualquer outro que se tenha visto, avisa o economista Gustavo Franco. O cientista político Carlos Melo acha que na política não há uma forma nova de montar a coalizão, como o governo tem dito. Franco acredita que a equipe econômica tem muitas medidas na mão para divulgar e, com isso, manter o otimismo na economia. Melo acha que a duração da lua de mel política vai depender do que acontecer na economia.

Reuni os dois, o economista e o cientista político, no meu programa na Globonews, para entrevistá-los sobre o governo Jair Bolsonaro e a realidade que ele enfrentará nas duas áreas. Gustavo Franco, que fez parte da equipe do real, explica que até improvisar no discurso de posse, como Guedes fez, não é usual:

— Não conheço nenhum outro ministro da Fazenda que tenha assumido falando de coração, com essa espontaneidade e com todos os riscos que isso traz. Dá uma legitimidade ao que ele fala que é impressionante. A grande dúvida é a latitude que ele tem para levar isso adiante no ambiente político aonde ele se insere.

Gustavo Franco diz que no governo está tudo ainda confuso, porque seus integrantes são pessoas diferentes entre si, mas “unidas pelo antipetismo”:

— Estranhamente organizou-se uma agenda positiva através da negação. Fazer o contrário do que o PT fez tornou-se o programa, quando não se tem uma ideia precisa do que fazer.

Carlos Melo, do Insper, não acredita que na política funcione a tentativa de fazer diferente, ou seja, de negociar a coalizão através das bancadas:

— Vamos ver se vai funcionar, até hoje não funcionou. Se vier a dar certo ele inaugura algo novo que nós ainda não sabemos qual a dinâmica que vai assumir. A dificuldade é que tudo no Congresso nacional se dá através dos partidos. A definição das comissões, quem vai presidir, quem serão os relatores dos projetos, tudo passa pelo colégio de líderes, pelos partidos. Os partidos podem estar em crise, mas ainda não se inventou algo que os substitua.

Vinicius Torres Freire: Assombrações no Itamaraty

- Folha de S. Paulo

Se for para valer, nova política externa ameaça segurança nacional e comércio

Ainda é cedo para dizer que a nova política externa brasileira será ameaça à segurança nacional e à economia. Discursos ideológicos de posse são palavras, nada mais do que palavras, até que se verifique sua influência na prática da política internacional.

Além do mais, não sabemos quem terá voz nas negociações comerciais. Pode ser que o comércio exterior fique sob a alçada ou siga diretrizes do Ministério da Economia. Goste-se ou não do programa econômico do novo governo, nesse caso a conversa faz parte do universo da razão.

Ainda assim, causa consternação e ansiedade que o Itamaraty corra o risco de se integrar ao núcleo "Arquivo X" do novo governo (ao lado de Educação e Direitos Humanos).

Como talvez se recorde, "Arquivo X" era uma série de TV americana dos anos 1990 que contava histórias de dois agentes do FBI dedicados a investigar ETs e fenômenos paranormais, assim como as conspirações do establishment com o objetivo de ocultar essas ocorrências do outro mundo.

Isto posto, seria útil mostrar que "a verdade está lá fora" (mote do "Arquivo X"), dar outra vez exemplos de como as transações comerciais deveriam ser uma preocupação essencial do planejamento da política externa.

Acabam de sair os resultados do comércio exterior em 2018. A China, maior cliente dos produtos brasileiros desde 2013, se tornou ainda mais preponderante: 28% das exportações vão para lá (para os Estados Unidos, vão 12%). Desde o fim do século passado, quase 31% do aumento das vendas externas do Brasil se deveu ao consumo chinês.

Claudia Safatle: As reservas se pagaram em dez anos

- Valor Econômico

Ilan desmistifica custo de acumulação das reservas

O lucro apurado com as reservas cambiais em 2018, decorrente da apreciação do dólar em relação ao real, mais do que cobriu o custo de carregamento da acumulação de reservas de 2008 até o ano passado. A virada nas contas que zerou o custo da acumulação de quase US$ 400 bilhões em reservas internacionais ocorreu no ano passado.

"Nos últimos dez anos, as reservas se pagaram", disse o presidente do Banco Central, Ilan Goldfajn, em entrevista ao Valor PRO, serviço de tempo real do Valor. "As pessoas costumam dizer que as reservas no Brasil são caras por que o juro internacional é mais barato do que o juro doméstico, que é alto. Só que elas esquecem que as reservas, além do diferencial de juros, são influenciadas pela depreciação e apreciação da moeda. Se você tem dólar no seu portfólio, toda vez que o dólar aprecia, você ganha", explicou Ilan.

Assim, nos últimos dez anos, a apreciação do dólar mais do que compensou o diferencial de taxa de juros externa e interna.

Segundo dados do Banco Central, a depreciação cambial acabou produzindo um resultado positivo de R$ 126,01 bilhões em valores correntes ou de R$ 129, 62 bilhões se corrigidos pela inflação do IPCA, em 2018. Esse montante foi suficiente para zerar o prejuízo de R$ 87,05 bilhões que foi se acumulando desde 2008 e ainda deixou no caixa R$ 38,97 bilhões em valores correntes.

Esse é um ganho importante que, no entanto, não tem visibilidade fiscal. As reservas são ativos que não afetam a dívida bruta, principal indicador de solvência.

Armando Castelar Pinheiro: De Temer a Bolsonaro

- Valor Econômico

A estratégia política de Bolsonaro é diferente e procura enfrentar os grupos de interesse de forma mais radical

O governo Bolsonaro começou indicando que pretende cumprir as promessas de campanha. Na economia, em particular, Paulo Guedes repetiu no discurso de posse muito do que dissera na campanha. O ministro falou de reforma da previdência, corte de gastos, simplificação tributária e burocrática, abertura comercial, privatização etc. Várias medidas viriam já em janeiro, ficando as que requerem mudanças constitucionais para fevereiro, quando o novo Congresso toma posse.

Isso indica uma saudável continuidade na política econômica, pois a redução do papel do Estado na economia - por meio do tripé de contenção de gastos públicos, desregulamentação e mais competição - também foi a base da política econômica do governo Temer e, até certo ponto, do governo Dilma, a partir de 2015.

Em termos das agendas de competição e melhoria regulatória, vale destacar no governo Temer a reforma trabalhista, a substituição da TJLP pela TLP, as privatizações e concessões, o fim do uso indiscriminado de medidas antidumping, a melhoria do portal de comércio exterior, a criação da duplicata eletrônica e a menor intervenção política nas estatais. O último Doing Business, em que o Brasil melhorou bem de posição, mostra o impacto positivo dessas medidas.

Por sua vez, a Emenda Constitucional 95, que criou o teto de gastos, foi a medida fiscal mais importante. Mas essa política vinha de antes: a despesa primária total do governo central acumulada em 12 meses até novembro cresceu em média 0,64% ao ano no último quadriênio, em termos reais, um décimo dos 6,4% de alta média anual nos 12 anos anteriores, nos governos Lula e Dilma I.

Ivanir dos Santos: Em 2019, a meta é resistir e existir

- O Dia

Precisamos renovar nossas forças todos os dias e nos próximo dias, pois existir é uma das nossas maiores ousadias para o fortalecimento das nossas resistências

É bem comum fazer um balanço, uma retrospectiva do ano que se encerra, a fim de avaliar, rever e refletir sobre os pontos positivos e não positivos do que vivemos ao longo dos ultimo 365 dias. Também é comum tentarmos fazer previsões sobre o ano que se inicia no 1º dia de janeiro.

Como religioso que sou, não sou afeito a fazer previsões futuras, pois as relações humanos são feitas de escolhas. Mas farei uma brevíssima reflexão sobre o ano que se encerrou e o que ele diz sobre o que acaba de começar. Bom, sem sombra de dúvidas, o ano de 2018 nos deixou uma sensação de 'deja vú' em âmbitos político e sociais. Déjà vu, é uma expressão de origem francesa, criada no século XVIII pelo parapsicólogo Émile Boirac, que pode ser entendida literalmente por "já visto". Mas aqui, vamos integralmente usar "já vivido".

A perigosa ilusão do Plano B: Editorial | O Estado de S. Paulo

O Brasil poderá crescer por dez anos se for logo aprovada a reforma da Previdência, primeiro pilar da nova política econômica, disse o ministro da Economia, Paulo Guedes, em seu discurso de posse. Os outros pilares devem ser as privatizações, a simplificação tributária, a descentralização de recursos e a abertura ao comércio internacional. Foi um pronunciamento bem recebido no mercado financeiro e nos meios empresariais, mas com alguns pontos obscuros e até preocupantes. Se falhar a reforma da Previdência, adiantou o ministro, ele proporá desvinculação e desindexação de gastos por meio de emenda à Constituição. Será um Plano B, rótulo criado por analistas. Se essa, no entanto, for a ideia, será um duplo equívoco. Em primeiro lugar, nenhum Plano B poderá substituir a mudança do sistema de aposentadorias. Em segundo, é preciso, com ou sem qualquer outra reforma, desengessar o Orçamento, eliminando vinculações e reduzindo a indexação de despesas. O assunto está em pauta há mais de 20 anos.

Além de ser o maior componente da despesa primária (isto é, sem juros), o gasto previdenciário aumenta seguidamente e destrói qualquer superávit obtido em outra área pelo Tesouro Nacional. Sem eliminar ou atenuar sensivelmente esse problema o governo será incapaz de avançar com segurança em qualquer outra agenda. O ministro conhece os fatos. Não pode, portanto, iludir-se com qualquer solução alternativa. Além disso, eliminar as vinculações de verbas para educação e saúde será sempre mais complicado, politicamente, que modernizar o sistema previdenciário.

A simplificação tributária é outro tema perigosamente obscuro. Impostos, contribuições e taxas são de fato muito complicados e esse é um grande problema para todos os contribuintes, especialmente para as empresas. O ministro absteve-se de indicar como será simplificado o sistema. Se for pela criação de um imposto sobre movimentação financeira, semelhante à CPMF, solução muito ruim, os brasileiros terão de enfrentar mais uma vez uma aberração tributária, tratada como espantosa por especialistas estrangeiros.

A devida importância à segurança: Editorial | O Globo

Moro, na posse, afasta temores de que a violência fique em plano secundário na ação do ministério

O juiz Sergio Moro, depois de aceitar o convite do presidente Jair Bolsonaro para ocupar o Ministério da Justiça e Segurança Pública, deu declarações que indicavam uma certa primazia, no trabalho como ministro, ao enfrentamento da corrupção. Talvez por um natural viés decorrente de pouco mais de duas décadas na função de juiz criminal federal em Curitiba, período em que atuou no combate a esquemas financeiros criminosos, até culminar com o desbaratamento da organização criminosa lulopetista montada na Petrobras e no setor elétrico, entre outros, para desviar dinheiro público, êxito obtido em ações integradas com o Ministério Público e a Polícia Federal.

Por isso, a ida de Moro para uma pasta da Justiça empoderada, em que, por exemplo, a PF e o Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) atuarão sob o mesmo comando, cria tantas expectativas otimistas quanto Paulo Guedes e equipe no Ministério da Economia, também fortalecido.

Moro, porém, não poderia deixar em segundo plano a segurança pública, outra área vital, porque afeta de forma direta e dramática a população, com efeitos da mesma forma perniciosos na segurança jurídica e no estado democrático de direito. O discurso de posse do novo ministro indicou que o combate a uma criminalidade cada vez mais insidiosa não ficará em segundo plano.

O pacote de Moro: Editorial | Folha de S. Paulo

Ministro acerta ao eleger lentidão da Justiça como prioridade a combater

A demora para que os processos criminais no Brasil produzam consequências, problema cujo combate foi alçado às prioridades do ministro Sergio Moro em sua posse na Justiça, acarreta uma série de incentivos ruins para a sociedade.

Beneficiam-se com a lentidão apenas os culpados, cujo acerto de contas com a lei se posterga. Já os inocentes terão de se submeter a um custoso calvário até terem seu status reconhecido.

Um dos principais efeitos benéficos da aplicação da pena ao culpado, o de inibir a prática delituosa por outros pelo efeito exemplar da punição, dissolve-se com o alargamento do prazo entre o cometimento da falta e sua consequência.

Além disso, acossados diante do anseio por um sistema mais rápido e eficiente, alguns operadores do direito são instados a percorrer atalhos problemáticos. Abusam de prisões temporárias e preventivas, conduções coercitivas e operações policiais espetaculosas.

Paradoxalmente, garantias individuais acabam sendo relaxadas para tentar compensar o efeito do amplo leque de recursos que, a título de fortificar o direito de defesa, resulta apenas em protelação. Essa nem de longe é uma forma equilibrada de consertar o defeito.

O tal globalismo: Editorial | Folha de S. Paulo

Ernesto Araújo, novo ministro das Relações Exteriores, apresenta suas convicções sem recuos

Frustraram-se aqueles que esperavam alguma moderação do discurso de Ernesto Araújo ao ser empossado no Itamaraty.

Na cerimônia de transmissão de cargo, na quarta (2), o novo chanceler apresentou suas convicções sem recuos, mas pouco explicou como pretende concretizá-las —e de que maneira agirá diante das prováveis fricções decorrentes de sua visão de política externa.

No centro desta reside o combate obcecado à “ordem global” e ao“globalismo”, termos empregados em conjunto por 14 vezes em sua fala inaugural. Na definição do ministro, trata-se do “ódio através de suas várias ramificações ideológicas e seus instrumentos contrários à nação, à natureza humana e ao próprio nascimento humano”.

Araújo entende, pois, que é preciso estar ao lado dos que “lutam pela sua pátria”. Não por acaso, todos os países citados nessa categoria têm governos de direita, posto que o globalismo seria um fenômeno de feições socialistas, regido pelo “marxismo cultural”, a ameaçar valores cristãos ocidentais.

O que esperar do presidente: Editorial | Época

A história recente do Brasil tem sido escrita em meio a turbulências políticas e econômicas desestabilizadoras. No campo político, a necessária purgação de práticas corruptas tem se arrastado desde 2014, abarcando correntes variadas — muitas delas ainda em plena atuação nos poderes Executivo e Legislativo. Uma presidente eleita sofreu impeachment por maquiar contas públicas; um presidente popular está preso, condenado por corrupção e lavagem de dinheiro.

No campo econômico, o Brasil está emergindo lentamente de sua pior recessão de todos os tempos, com taxas de desemprego altas, ampliação da desigualdade social, aumento da miséria e piora dos indicadores sociais.

Há uma onda mundial de descontentamento e frustração, que tem sido combustível para lideranças populistas de direita. Os brasileiros estão também desesperados por mudanças. Essa necessidade foi claramente manifestada nas urnas, e os mandatários ungidos nos cargos nesta semana têm a responsabilidade de atendê-la.

Excesso de ideologia: Editorial | Veja

- Publicado em VEJA de 9 de janeiro de 2019, edição nº 2616

Bolsonaro fará melhor se concentrar sua atenção em cumprir o que ele próprio prometeu na posse: ‘construir uma sociedade sem discriminação ou divisão’

De todas as heranças nefastas deixadas pelos governos do PT talvez a mais deletéria seja a ideologização de quase tudo o que importa na vida nacional. As propostas de esquerda, a bandeira vermelha, o discurso dito progressista — tudo passou a ser sinônimo de qualidade incontornável, enquanto as ideias contrárias eram a expressão acabada do atraso e da maldição. A tradução mais pedestre dessa visão limitada do mundo encontrou sua forma perfeita no discurso do “nós e eles”, que tanto ajudou a fracionar o país.

É, portanto, com certo desalento que se registram e se reiteram as impressões de que o presidente Jair Bolsonaro pretende trilhar o mesmo caminho, apenas com a inversão do sinal ideológico. Na posse no Congresso Nacional, Bolsonaro falou uma coisa. Para as mais de 100 000 pessoas em frente ao parlatório no Palácio do Planalto, falou outra coisa, mas houve pelo menos um ponto de contato entre os dois momentos: a ideologização excessiva.

No discurso de dentro, Bolsonaro disse que pretende resgatar o Brasil da “submissão ideológica” e prometeu ¬livrar o país das “amarras ideológicas” e abrir seus mercados para o comércio internacional “sem o viés ideológico”. No discurso de fora, disse que sua posse marca “o dia em que o povo começou a se libertar do socialismo”, prometeu combater “ideologias nefastas” que dividem o país e voltou a afirmar sua missão de “retirar o viés ideológico das nossas relações internacionais”.

Samba da Imperatriz Leopoldinense 2019

Carlos Pena Filho: A mesma rosa amarela

Você tem quase tudo dela,
o mesmo perfume, a mesma cor,
a mesma rosa amarela,
só não tem o meu amor.
Mas nestes dias de carnaval
para mim, você vai ser ela.
O mesmo perfume, a mesma cor,
a mesma rosa amarela.
Mas não sei o que será
quando chega a lembrança dela
e de você apenas restar
a mesma rosa amarela,
a mesma rosa amarela.