- Valor Econômico
A estratégia política de Bolsonaro é diferente e procura enfrentar os grupos de interesse de forma mais radical
O governo Bolsonaro começou indicando que pretende cumprir as promessas de campanha. Na economia, em particular, Paulo Guedes repetiu no discurso de posse muito do que dissera na campanha. O ministro falou de reforma da previdência, corte de gastos, simplificação tributária e burocrática, abertura comercial, privatização etc. Várias medidas viriam já em janeiro, ficando as que requerem mudanças constitucionais para fevereiro, quando o novo Congresso toma posse.
Isso indica uma saudável continuidade na política econômica, pois a redução do papel do Estado na economia - por meio do tripé de contenção de gastos públicos, desregulamentação e mais competição - também foi a base da política econômica do governo Temer e, até certo ponto, do governo Dilma, a partir de 2015.
Em termos das agendas de competição e melhoria regulatória, vale destacar no governo Temer a reforma trabalhista, a substituição da TJLP pela TLP, as privatizações e concessões, o fim do uso indiscriminado de medidas antidumping, a melhoria do portal de comércio exterior, a criação da duplicata eletrônica e a menor intervenção política nas estatais. O último Doing Business, em que o Brasil melhorou bem de posição, mostra o impacto positivo dessas medidas.
Por sua vez, a Emenda Constitucional 95, que criou o teto de gastos, foi a medida fiscal mais importante. Mas essa política vinha de antes: a despesa primária total do governo central acumulada em 12 meses até novembro cresceu em média 0,64% ao ano no último quadriênio, em termos reais, um décimo dos 6,4% de alta média anual nos 12 anos anteriores, nos governos Lula e Dilma I.
Algo semelhante ocorreu com o crédito dado por bancos públicos. Entre novembro de 2002 e o mesmo mês de 2014, o saldo dessas operações cresceu em média 15,5% ao ano, contra uma alta média anual de 9,3% nos empréstimos privados, descontada a inflação. Já nos quatro anos encerrados em novembro passado, o saldo de empréstimos dos bancos públicos caiu em média 4,7% ao ano, contra uma queda média anual de 2,7% nos bancos privados, também em termos reais.
A contenção do gasto e do crédito público permitiu ao Banco Central reduzir a taxa Selic para seu mínimo histórico, enquanto manteve a inflação baixa e as expectativas inflacionárias bem ancoradas. Isso ajudou a tirar o país da recessão e a reduzir as despesas com juros sobre a dívida pública - de 8,3% do PIB no acumulado de 12 meses até novembro de 2015, para 5,6% do PIB nos 12 meses até novembro último.
Foram avanços importantes, mas insuficientes, pois o déficit do setor público permanece elevado, levando a uma dinâmica insustentável da dívida pública, o que gera desconfiança e limita a retomada do crescimento. Além disso, o Estado continua intervindo mal e demais na economia, distorcendo a alocação de recursos, travando o empreendedorismo e criando custos de transação elevados.
O novo governo promete resolver isso avançando mais ampla e profundamente nessa agenda de reformas e de contenção de gastos. Não é um desafio pequeno, pois gastos e intervenções públicas, mesmo quando prejudiciais à coletividade, beneficiam grupos específicos, que vão resistir a mudanças.
É na forma de enfrentar essas resistências que vejo a grande diferença entre Temer e Bolsonaro, e não na política econômica. Ou seja, a mudança está na estratégia política para avançar com o tripé de ajuste fiscal, liberalização econômica e melhoria no ambiente de negócios, e não no conteúdo em si das propostas.
Temer e seus auxiliares mais próximos são especialistas nas negociações com grupos de interesse dentro do Congresso. Foi essa expertise que lhes permitiu avançar com tantas reformas, inclusive a da previdência, que possivelmente teria passado, não fosse a delação da JBS. Ocorre que essa estratégia política tem a óbvia limitação de precisar respeitar os interesses dos grupos representados no Congresso e no poder público em geral. O que significa que com ela os avanços serão sempre limitados e insuficientes para alterar mais dramaticamente o modelo de política econômica, em que pese isso poder ocorrer pontualmente em certas áreas, com certos grupos, por certo tempo.
Seja por necessidade, seja por convicção, seja pelos dois, Bolsonaro está se propondo a seguir um caminho diferente. Em que pesem os anos como deputado, ele não tem o traquejo de Temer para poder repetir a mesma estratégia política. Mas a forma como compôs o seu ministério também mostra que ele conscientemente optou por não seguir por aí. A proposta, me parece, é enfrentar os grupos de interesse de forma mais radical. Isso se daria buscando o apoio do eleitor e esperando que este pressione o seu congressista. Apoio que não viria necessariamente de compreender a lógica das reformas, mas de acreditar que o governo está no caminho certo. Sucessos em outras áreas que não a economia poderiam ajudar com isso.
A ideia de enfrentar o chamado "presidencialismo de coalizão" também estava presente na campanha de Marina Silva e se fortaleceu a partir da Lava-Jato, que expôs muitos dos atores que o faziam funcionar na prática. É difícil saber se Bolsonaro será bem sucedido nisso, e o que acontecerá se não for. Mas será certamente interessante acompanhar esse processo.
Armando Castelar Pinheiro é coordenador de Economia Aplicada do Ibre/FGV e professor do IE/UFRJ
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