O Brasil poderá crescer por dez anos se for logo aprovada a reforma da Previdência, primeiro pilar da nova política econômica, disse o ministro da Economia, Paulo Guedes, em seu discurso de posse. Os outros pilares devem ser as privatizações, a simplificação tributária, a descentralização de recursos e a abertura ao comércio internacional. Foi um pronunciamento bem recebido no mercado financeiro e nos meios empresariais, mas com alguns pontos obscuros e até preocupantes. Se falhar a reforma da Previdência, adiantou o ministro, ele proporá desvinculação e desindexação de gastos por meio de emenda à Constituição. Será um Plano B, rótulo criado por analistas. Se essa, no entanto, for a ideia, será um duplo equívoco. Em primeiro lugar, nenhum Plano B poderá substituir a mudança do sistema de aposentadorias. Em segundo, é preciso, com ou sem qualquer outra reforma, desengessar o Orçamento, eliminando vinculações e reduzindo a indexação de despesas. O assunto está em pauta há mais de 20 anos.
Além de ser o maior componente da despesa primária (isto é, sem juros), o gasto previdenciário aumenta seguidamente e destrói qualquer superávit obtido em outra área pelo Tesouro Nacional. Sem eliminar ou atenuar sensivelmente esse problema o governo será incapaz de avançar com segurança em qualquer outra agenda. O ministro conhece os fatos. Não pode, portanto, iludir-se com qualquer solução alternativa. Além disso, eliminar as vinculações de verbas para educação e saúde será sempre mais complicado, politicamente, que modernizar o sistema previdenciário.
A simplificação tributária é outro tema perigosamente obscuro. Impostos, contribuições e taxas são de fato muito complicados e esse é um grande problema para todos os contribuintes, especialmente para as empresas. O ministro absteve-se de indicar como será simplificado o sistema. Se for pela criação de um imposto sobre movimentação financeira, semelhante à CPMF, solução muito ruim, os brasileiros terão de enfrentar mais uma vez uma aberração tributária, tratada como espantosa por especialistas estrangeiros.
Faz sentido pagar impostos sobre ações e condições econômicas bem caracterizadas, como produção, circulação de bens e serviços, operações financeiras, propriedade e rendimento. Não tem sentido, economicamente, pagar pela mera transferência de dinheiro. Além disso, um tributo desse tipo tende a incidir em cascata e a gerar custos cumulativos.
Mas os tributos brasileiros, além de complicados, são incompatíveis com uma economia forçada à competição. As maiores disfunções são as do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS), cobrado pelos Estados. Esse imposto encarece o investimento produtivo, além de incidir na exportação de produtos primários e semiprocessados. Aprovada como correção temporária dessa distorção, a Lei Kandir continua em vigor há mais de 20 anos.
O ministro passou longe de problemas desse tipo. Não haverá uma efetiva reforma tributária sem mudança do ICMS, mas isso envolverá uma complicada negociação com os governos estaduais. Outros ministros desistiram da tarefa.
Excluídos esses pontos, todos muito importantes, o discurso anuncia, de modo geral, uma política saudável, indispensável à continuidade da inflação moderada, dos juros baixos e da aceleração do crescimento. Privatizações, apontadas como um dos pilares da nova política, poderão ser muito importantes, se favorecerem ganhos de produtividade e novos investimentos. Qualquer outra consequência dessas operações, como o ingresso de dinheiro no Tesouro, será complementar, mesmo quando muito bem-vinda.
Boa parte do trabalho do novo ministro será mera continuação de mudanças iniciadas na gestão do presidente Michel Temer. Mas o ministro pareceu ignorar – entre vários pontos – a alteração de rumo do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social. Discursos do tipo “nunca antes na história deste país” foram típicos da retórica petista. O ministro Paulo Guedes é certamente capaz de algo melhor.
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