domingo, 19 de fevereiro de 2012

Carnaval da bajulação do poder:: Vinicius Torres Freire

Como Getúlio Vargas, Lula se torna tema de mais um samba-enredo amalucado, submisso e sem graça

O povo que compõe sambas-enredo gosta de ordem e progresso, de elogiar presidentes, ditadores e os imperadores idiotas (e escravistas, o que deveria revoltar músicos que não raro foram netos de escravos).

O povo do samba & desfiles costumava ser "nacional-desenvolvimentista" em versão adoidada, mistura de chauvinismo varguista com patriotadas das aulas de moral e cívica ou OSPB da ditadura militar.

Se o enredo era ex-presidente ou o Brasil do futuro, logo vinha versalhada sobre ordem, progresso, petróleo, aço ou Transamazônica. O povo do samba adora petróleo.

Lula virou enredo da Gaviões da Fiel, de São Paulo. Foi canonizado em vida por uma escola grande, privilégio de Getúlio Vargas, que manipulava sambistas, foi ditador e esteve no poder por quase 20 anos.

No samba do Lula não tem pré-sal. Lula ("e o sonho se torna real/ Luiz Inácio o operário nacional") "viu no coração do Brasil/ Tanta desigualdade/ O retrato da realidade/ A utopia buscando a dignidade".

O samba, indizível, quer "comemorar/ a soberania popular" e a vitória pessoal de Lula. Mas parece que o motivo da coisa toda é o fato de o ex-presidente ser corintiano e um ex-pobre invejável ("Cresceu, foi à luta... Pra vencer").

Já houve exaltação mais repulsiva. Em 1956, a Mangueira cantava assim de Getúlio: "Foi ele o presidente mais popular/ Sempre em contato com o povo/ Construindo um Brasil novo/ Trabalhando sem cessar/ Como prova em Volta Redonda a cidade do aço/ Existe a grande siderúrgica nacional / Que tem o seu nome elevado no grande espaço/ Na sua evolução industrial".

Ou seja, "desenvolvimentismo" e elogio do quase-fascismo de GV.

No ano seguinte, a Mangueira cantaria no samba "juscelinista" "Emancipação Nacional, Rumo ao Progresso": "Ó, meu Brasil/ Seu progresso avança/ Sem oscilação/ A cachoeira do Iguaçu/ No futuro será o ponto vital/ da eletricidade nacional". Quase acertaram Itaipu, mas cantavam em seguida:

"Canto a canção da emancipação da minha nação/ Vencendo no terreno educacional/ Marcha o meu país para a soberania universal".

Não rolou.

A Beija-Flor começou a vida entre as escolas grandes do Rio vendendo favores à ditadura e seu Brasil Grande: "É estrada cortando/ A mata em pleno sertão/ É petróleo jorrando/ Com afluência do chão" ("O Brasil no ano 2000", de 1974).

No ano 2000 ele mesmo, a Portela elogiava a época de ouro de cassinos, "vedetes, cadillacs e brilhantina" e, claro, de Getúlio:

"Aclamado pelo povo, o Estado Novo/ Getúlio Vargas anunciou... Nossa indústria cresceu (e lá vou eu...)/ Jorrou petróleo a valer".

O Salgueiro em 1985 também elogiava GV, seu Estado Novo e, claro, o petróleo. "No palácio das Águias foi o senhor/ Levantando o povo trabalhador/ Do solo fez jorrar o negro ouro/ E a usina do aço/ Transformou em um tesouro."

O Império Serrano de 1951 conseguiu falar bem de quase todos os presidentes da República Velha, elogiou o massacre de Canudos e, ainda, a eleição de Getúlio (1950): "Eleito pela soberania do povo/ Sua vitória imponente e altaneira/ Marcará por certo um capítulo novo/ Na história da República brasileira".

Em 2020 ouviremos "Dilma e o mestre-sala do trem-bala?"

FONTE: FOLHA DE S. PAULO

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