Ao assumir a presidência da Petrobrás, Maria das Graças Foster jurou "fidelidade incondicional" à estatal e à presidente Dilma Rousseff. A sra. Foster pertence a uma geração que construiu a vida profissional ali, naquele prédio da Avenida Chile, no Rio de Janeiro. Ela progrediu junto com a empresa, a quem defende com a força de 35 anos de convivência e dedicação.
Mais recente, sua relação com a presidente começou no final dos anos 1990, quando Dilma era secretária de Energia do governo gaúcho. As duas não foram companheiras de militância política nem de cadeia, ingressaram no Partido dos Trabalhadores (PT) sem se tornarem quadros partidários e têm um perfil parecido: são exigentes com comandados, rigorosas e ríspidas com erros alheios, além de ocuparem funções de mando, poder e de enorme importância para o País. Apesar da identidade, o velho provérbio "dois bicudos não se beijam" a elas não é aplicado. Lógico, na divergência, a razão sempre esteve com Dilma. Pelo menos até agora.
Pois bem, não se sabe ao certo como Graça Foster vai conduzir essa dupla "fidelidade incondicional" na presidência da maior empresa da América Latina, liderança inquestionável no mundo do petróleo, que precisa ser administrada com competência, criatividade e profissionalismo, mas que tem um acionista controlador - o governo -, que insiste em atrapalhar e atrasar o seu destino com suas interferências políticas. Do impositivo controle artificial dos preços de combustíveis à escolha de fornecedores e patrocínios culturais de nenhuma eficácia, graduados do governo federal, governadores, deputados, senadores, sindicalistas e toda a sorte de políticos profissionais tentam fazer da Petrobrás moeda de troca de seus interesses.
Este é o dilema que Graça Foster vai enfrentar de agora em diante: o que fazer quando os interesses do governo colidirem com os da empresa? Um exemplo: para controlar a inflação (em alta por outras razões), há três anos o governo sufoca a Petrobrás e não reajusta os preços dos combustíveis. Só em 2011 essa política causou prejuízo de R$ 2,8 bilhões para a estatal. "O que é muito", reconheceu ela em entrevista ao jornal O Globo.
E agora, dona Graça? "Em algum momento os preços terão de ser reajustados", ela responde, mas sem revelar se tal momento está próximo ou distante. Não precisa agir como o ex-presidente da estatal Francisco Gros, que aumentou os preços nas refinarias sem avisar ninguém, o que deixou o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso irritado, e com razão. Bastaria combinar com Dilma uma trajetória de pequenos e graduais reajustes para evitar um efeito inflacionário brusco. Mas anúncios pingados de reajustes podem prejudicar a imagem política do PT junto dos eleitores... Então, o interesse político se sobrepõe à racionalidade.
Quando o nome de Graça Foster foi anunciado, o mercado respondeu positivamente e as ações da Petrobrás subiram. Seu perfil técnico indicava resistência a influências políticas e fez renascer a esperança de mudanças no rumo da empresa. Porém o final da gestão Gabrielli foi desastroso: no último trimestre de 2011 o lucro caiu pela metade, muito abaixo das previsões dos analistas. Na Bovespa e na Bolsa de Nova York, as ações desabaram nos últimos dias e, no dia seguinte à divulgação dos resultados, a Petrobrás perdeu nada menos do que R$ 28 bilhões em valor de mercado, segundo cálculos da Economática. Para piorar, a empresa errou na descrição de cifras do balanço. Mais ainda: o erro não foi detectado internamente, mas por um analista de um banco privado. Tudo isso gerou enorme desconfiança em relação à empresa.
Como se vê, a sra. Foster estreou sua gestão em conjuntura nada favorável.
Virar o jogo. Mas ela pode virar esse jogo, usando seu capital profissional de competência técnica e independência política. Quem há muito acompanha a Petrobrás sabe não ser fácil derrotar pressões político-partidárias quando um cargo de diretor fica vago. Mais difícil ainda depois de Lula, que tornou rotineira a prática de entregar cargos técnicos a partidos aliados em troca de apoio político. A ponto de o ex-presidente da Câmara dos Deputados Severino Cavalcanti bradar publicamente: "Quero aquela diretoria que fura poço e encontra petróleo".
Pois no dia de sua posse, Graça Foster nomeou para duas diretorias estratégicas funcionários de carreira, sem nenhuma vinculação partidária e por critério técnico-meritório. Claro, sem o apoio de Dilma seria impossível. Ponto para as duas.
Esse episódio provou que agarrar-se ao governo feito carrapato para seguir a vida usufruindo de suas benesses é o oxigênio dos partidos fisiológicos no Brasil. Eles não têm para onde correr. Só Lula não percebia que contrariá-los não implica necessariamente perda de apoio político no Congresso Nacional. No caso das cobiçadas diretorias da Petrobrás, Dilma e Graça rejeitaram o toma lá dá cá e os partidos ficaram miudinhos, caladinhos, nem chiaram.
A revista The Economist, que chegou às bancas em Londres na sexta-feira, considera "particularmente notável" a escolha de Graça Foster para a presidência da Petrobrás, indicando que, além de sair da sombra de Lula, Dilma pode estar "pavimentando o caminho para uma agenda mais ambiciosa". No âmbito da Petrobrás uma nova agenda é possível e bem-vinda. Mas não basta afastar as influências políticas - muitas delas de difícil remoção, por estarem enraizadas na empresa.
É preciso também livrá-la de ranços ideológicos que fazem recair sobre seus ombros o peso e a responsabilidade de gerar recursos financeiros - que ela não tem - para participar de todos os consórcios que irão explorar o petróleo do pré-sal.
Esse modelo não convém a ninguém. Nem à Petrobrás, que é obrigada a sobrecarregar o seu já elevado endividamento para cumprir sua parte nos consórcios, nem ao progresso econômico do País, já que os investimentos paralisam por falta de recursos da estatal.
É verdade que a Petrobrás é diferente da Infraero. Além de levar vantagem em qualidade de gestão, a corrupção na Petrobrás não é endêmica como é na Empresa Brasileira de Infraestrutura Aeroportuária (Infraero). Mas o ranço estatizante do governo Lula levou o País a correr o risco de chegar à Copa do Mundo com os aeroportos funcionando precariamente. Mudar o modelo do pré-sal seria um grande salto rumo a uma nova agenda para a Petrobrás.
Suely Caldas, jornalista, é professora de Comunicação da PUC-Rio.
FONTE: O ESTADO DE S. PAULO
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