A presidente Dilma Rousseff aproveitou a viagem à Espanha para oferecer aos
governantes europeus, mais uma vez, lições de política econômica. Nenhuma
autoridade local perguntou à visitante por que a economia brasileira deve
crescer tão pouco neste ano - talvez nem 2% -, depois do fiasco dos 2,7% em
2011. Enquanto ela completava suas lições e propunha maior autonomia para o
Banco Central Europeu, em Brasília a ministra do Planejamento, Miriam Belchior,
divulgava mais um constrangedor balanço do Programa de Aceleração do
Crescimento (PAC). Desde o início do governo até setembro, foram aplicados R$
385,9 bilhões em "obras de infraestrutura logística, social e
urbana", segundo os dados oficiais. Mas esse valor inclui R$ 154,9 bilhões
de financiamentos habitacionais e de subsídios ao programa Minha Casa Minha
Vida. Esses financiamentos correspondem a 40,1% do total contado como
investimento. Faltou a presidente explicar aos europeus se essa forma de
contabilidade é parte do pragmatismo por ela defendido durante a cúpula
ibero-americana. Ou dizer se é pragmático tentar impor sem conversa prévia os
contratos de renovação de concessões às companhias do setor elétrico. A
depreciação das ações da Eletrobrás, R$ 7,9 bilhões de 11 de setembro a 19 de
novembro, parece indicar uma resposta negativa.
Em seus comentários mais sensatos, a presidente defendeu uma combinação de
austeridade e crescimento como a fórmula mais eficiente para o ajuste europeu.
A arrumação fiscal, ponderou, será muito mais difícil, penosa e pouco frutífera,
se depender apenas do corte de gastos e do aumento de impostos. Mas esse
comentário foi mera repetição do discurso apresentado muitas vezes por
dirigentes do Fundo Monetário Internacional (FMI), por economistas de várias
nacionalidades e por alguns governantes europeus. Sem acrescentar a mínima
novidade em relação a esse ponto, a presidente permitiu-se, no entanto,
reescrever a história econômica à sua maneira. Para reforçar sua argumentação,
citou a experiência latino-americana dos anos 80 e 90, quando os governos do
Brasil e de outros países foram, segundo o seu relato, orientados pelo FMI a
adotar políticas de ajuste sem espaço para crescimento.
Essa versão é popular, mas a história é um pouco mais complicada e inclui
detalhes mais instrutivos. Dezenas de países afundaram na crise da dívida
externa, nos anos 80. O drama começou quando o Federal Reserve, o banco central
americano, iniciou um drástico aumento de juros em 1979. O desastre
generalizou-se em 1982, mas vários países entraram em apuros bem antes disso. A
renegociação das dívidas foi vinculada a duros programas de ajuste, jamais
cumpridos integralmente por alguns governos, incluído o brasileiro.
O programa inicial de ajuste adotado no Chile foi reformado e substituído,
com bons resultados, depois de algum tempo. O governo coreano iniciou a
arrumação em 1979. O país entrou em recessão em 1980 e em seguida voltou a
crescer velozmente, com déficit fiscal reduzido, grande aumento de exportações
e investimentos sempre superiores a 30% do PIB. Chile e Coreia saíram da crise
com as contas públicas em ordem, inflação baixa e medidas fundamentais para
competir e crescer.
Falta algo, portanto, na versão popular, repetida pela presidente Dilma
Rousseff, da história da crise e dos ajustes dos anos 80. Falta explicar por
que alguns países - Coreia e Chile são apenas dois dos exemplos mais notáveis -
emergiram da fase de provação muito mais fortes do que antes. Outras economias
da Ásia atingidas pela crise da dívida também se tornaram mais eficientes a
partir da segunda metade dos anos 80. A maior parte dos países
latino-americanos ficou para trás porque os governos foram incapazes, por muito
tempo, de abandonar velhos vícios e de favorecer a eficiência. Não se deve
atribuir esse atraso a algum excesso de austeridade, mas à insistência na
prática de contemporizar em vez de enfrentar os problemas.
Quando os governantes se dispuseram, afinal, a adotar reformas e políticas
sustentáveis, as contas públicas melhoraram, a inflação caiu, as contas
externas se tornaram superavitárias e as reservas cresceram. Por essas
mudanças, e nada mais, as ações de socorro do FMI à América Latina foram bem
menos frequentes nos primeiros anos deste século do que nas três ou quatro
décadas anteriores.
Nenhuma dessas conquistas é irreversível. Em alguns países, o grande risco é
a tentação do populismo. No Brasil, a tentação mais perigosa é a dos controles
autoritários. A intervenção nos preços dos combustíveis, as pressões para corte
de juros, o jogo perigoso de tolerância à inflação e as trapalhadas na política
do setor elétrico são elementos desse quadro. O atraso nos projetos da
Petrobrás é uma das consequências. A presidente seria provavelmente menos
propensa a dar lições se pensasse um pouco mais sobre esses fatos.
Fonte: O Estado de S. Paulo
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