"Afinal, deputado, a herança é maldita ou bendita?" Dirigida ao
então deputado do PT e hoje ministro das Comunicações, Paulo Bernardo, a
pergunta foi por ele repetida minutos depois, de forma bem-humorada, o que
descontraiu e arrancou risos da plateia formada por um grupo de sisudos
empresários reunidos em evento de premiação da Agência Estado. O ano era 2003,
início do governo Lula. A "herança" era o legado de oito anos do
governo FHC, satanizado pelo PT na campanha eleitoral do ano anterior. Os
personagens eram, de um lado, empresários desconfiados e inseguros com o que
poderia vir do governo Lula e, de outro, Paulo Bernardo, um ex-dirigente
sindical do Paraná que, junto com o ex-ministro Antonio Palocci, fora escalado
por Lula para desfazer a imagem do PT incendiário, do "sou contra tudo
isso que está aí", do partido sem proposta para governar.
Os anos passaram. Bernardo tornou-se ministro do Planejamento pouco depois
e, junto com Palocci, completou com eficiência a travessia da ponte de um PT
socialista e incendiário para a realidade da economia capitalista (que o digam
os banqueiros, que nunca lucraram tanto). A "herança", que o PT
carimbou de "maldita" nos anos de FHC, acabou "bendita" e
muito bem-vinda, tal a rapidez com que o governo petista a incorporou. E Lula
não reviu nenhuma das privatizações de FHC, como havia prometido na campanha em
2002.
O País todo assistiu a essa metamorfose petista e, com o tempo, foi se
habituando a ela. Hoje, os mais jovens chegam a atribuir à Lula realizações de
FHC, como derrubar a inflação e criar programas de transferência de renda.
Nestes quase dez anos de gestão do PT, os maiores ausentes nessa metamorfose
foram os partidos de oposição, sobretudo o PSDB, justamente quem deveria ter
todo o interesse em denunciá-la. Foi no vácuo do silêncio, da omissão, do
recuo, atuando a reboque ou na retranca, nunca no ataque, e com enorme
incompetência política que esses partidos deixaram prosperar a ideia do
"nunca antes na história deste país", de que o Brasil bem-sucedido
começou com Lula.
Após dez anos e três derrotas eleitorais para a Presidência, eles acordaram
do sono letárgico e prometem recapturar feitos do governo FHC, entre eles a
privatização. Como disse o ex-governador tucano Alberto Goldman ao repórter
deste jornal João Domingos: "Nosso desafio é mostrar que fomos tão
vitoriosos que se apropriaram de nossas ideias como se fossem deles". E
acrescenta sobre a privatização: "Só foram perceber com dez anos de
atraso, o que causou um prejuízo imenso para o Brasil".
Aí está um tema em que a oposição, com armas e razão à mão, foi derrotada
por um adversário desarmado e sem lógica. A realidade provou que a privatização
nada tem de ideológico, como tentou enganar o PT no passado, e agora se rende:
vai privatizar aeroportos, portos, estradas e ferrovias. A privatização é
simplesmente a única saída para um país que não pode mais aumentar impostos,
arrecada muito, gasta mal, desperdiça, não tem dinheiro para aplicar em
infraestrutura e precisa investir, crescer e se desenvolver. E mais: economiza
dinheiro público, ao tirar dos políticos meios para fazerem proliferar
mensalões e distribuição de cargos públicos. E mais: produz benefícios para a
população com geração de empregos, renda e progresso econômico.
Apenas dois exemplos para ilustrar:
Vale: antes de privatizada, em 1997, a Vale era a 20.ª produtora de minério
de ferro do mundo; hoje é a 2.ª e a maior empresa privada da América Latina. Em
54 anos como estatal, investiu US$ 27 bilhões; em 15 anos privada, quadruplicou
esse valor. Seus 11 mil empregados de estatal saltaram para mais de 100 mil.
Entre impostos e taxas, em 15 anos a Vale recolheu ao governo 700% mais do que
nas cinco décadas de estatal.
Telebrás: o benefício da privatização é ainda mais expressivo e visível para
a população pobre, que hoje possui telefone próprio. Em 1998, quando a Telebrás
foi privatizada, o País tinha 24,5 milhões de telefones. Hoje, só de celulares,
tem 250 milhões.
Só a oposição não vê isso.
Jornalista e professora da PUC-Rio.
Fonte: O Estado de S. Paulo, 18/11/2012
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