Justiça quebra sigilo da Liesa e de 6 escolas de samba suspeitas de lavar dinheiro do bicho
Sérgio Ramalho
E passo a passo no compasso o samba cresceu, já dizia Aluísio Machado no antológico enredo do Império Serrano "Bum bum paticumbum prugurundum", chamando atenção no carnaval de 1982 para as "superescolas de samba S/A". Passados quase 30 anos, agremiações turbinadas por patronos ligados à contravenção tiveram o sigilo bancário e fiscal quebrado pela Justiça Federal, que apura um suposto esquema de lavagem de dinheiro. A suspeita de que o lucro do jogo de bicho e da exploração de caça-níqueis financiou desfiles também resultou no monitoramento das contas da Liga Independente das Escolas de Samba (Liesa), onde foram contabilizados R$35 milhões sem origem comprovada.
Em nota, a Liesa informou que o presidente da entidade, Jorge Luiz Castanheira, não tem conhecimento da ação: "Por oportuno, esclareço que a liga rechaça de imediato qualquer tipo de acusação no que diz respeito a valores não identificados em sua contabilidade, lembrando que em todos esses anos a entidade foi por diversas vezes auditada, inclusive várias vezes pela Receita Federal, sem que houvesse qualquer tipo de fato que desabonasse a conduta fiscal".
O processo 2007.5101.806.866-6, no entanto, tramita na 6ª Vara Federal Criminal. A quebra do sigilo bancário e fiscal da entidade, das agremiações e de várias empresas foi autorizada em meio aos processos relacionados às quatro fases da Operação Hurricane (deflagrada pela Polícia Federal em abril de 2007, contra a máfia dos caça-níqueis).
Bicheiro exaltado pela escola
Na lista de escolas de samba que tiveram as contas investigadas pela PF e pela Procuradoria da República, figuram Beija-Flor, Imperatriz Leopoldinense, Vila Isabel, Mocidade Independente de Padre Miguel, Viradouro e Grande Rio. Em comum, todas têm ou tiveram bicheiros como patronos. Na Beija-Flor, por exemplo, o "esquenta" - música que apresenta a agremiação antes do desfile - é uma espécie de ode ao bicheiro Aniz Abrahão David, o Anísio, preso pela Polícia Civil na quarta-feira. O contraventor responde a processos na Justiça federal e estadual por formação de quadrilha armada, lavagem de dinheiro, contrabando e corrupção.
Foragido da Justiça, o bicheiro Luiz Pacheco Drummond, o Luizinho Drummond, é o presidente da Imperatriz Leopoldinense. Ele é apontado em processos como um dos integrantes da antiga cúpula da contravenção no Rio, juntamente com Anísio, Aílton Guimarães Jorge (o Capitão Guimarães), José Caruzzo Escafura (o Piruinha) e Antônio Petrus Kalil (o Turcão). A ligação dos contraventores com escolas de samba é antiga. O primeiro presidente da Liesa, entre 1984 e 1985, foi Castor de Andrade. Desde então, já presidiram a entidade Anísio, Capitão Guimarães e Luizinho Drummond.
Além da Beija-Flor e da Imperatriz, a suposta legalização de dinheiro da contravenção seria feita também na Vila Isabel, agremiação que teve o ex-presidente Wilson Alves, o Moisés, preso pela PF por envolvimento com contrabando e exploração de caça-níqueis. Ligado ao Capitão Guimarães, ele foi condenado a 23 anos de prisão. A Mocidade teria recebido recursos do bicheiro foragido Rogério Andrade. Já a Viradouro teria sido financiada com dinheiro de Turcão.
Uma das caçulas do Grupo Especial, a Grande Rio, de Duque de Caxias, tem como presidente Hélio de Oliveira, o Helinho, que também está foragido da Justiça. O contraventor teve a prisão preventiva decretada a partir de investigações da Corregedoria da Polícia Civil, que desencadeou em dezembro a Operação Dedo de Deus.
Procurados pelo GLOBO para comentar a quebra do sigilo bancário e fiscal por suspeita de lavagem de dinheiro, os representantes das agremiações não se manifestaram. A Liesa, por sua vez, informou não ter como dizer se a ação na Justiça interferiu de forma negativa na captação de recursos para o desfile deste ano.
Nos bastidores da Cidade do Samba, circulam informações de que algumas dessas escolas enfrentam dificuldade para financiar os desfiles - resultado da quebra de sigilo associada ao bloqueio das contas dos chefões da contravenção. Nem a Beija-Flor, campeã do carnaval de 2011, teria escapado da falta de dinheiro. Prova disso seria a demora para consertar o telhado da quadra, em Nilópolis. A estrutura desmoronou em julho passado, durante uma tempestade.
A rede montada pela cúpula da contravenção para lavar os lucros do jogo ilegal, entretanto, não se limita às escolas de samba. A análise dos processos em andamento na Justiça federal e, mais recentemente, na estadual revela a suposta utilização também de construtoras, empresas de importação e exportação, produtoras de eventos, apart-hotéis, agências de viagens, haras, motéis, postos de gasolina e até um educandário.
É o caso do Educandário Abrão David, que tem cerca de mil estudantes do ensino fundamental em Nilópolis. A instituição, mantida pela família de Anísio, também teve o sigilo quebrado. Procurado pelo GLOBO, o advogado Ubiratan Guedes, que representa Anísio, informou não ter dados para se pronunciar sobre o assunto.
- Sei que o educandário atende gratuitamente moradores da região - afirmou.
FONTE: O GLOBO
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