O último relatório da Organização Internacional do Trabalho trouxe boas notícias para o Brasil e a América Latina. Aqui, o desemprego está estável, enquanto sobe e ameaça outros países e regiões. Quando o país cresce, os empresários reclamam do "apagão de mão de obra". Quando tudo está bem, é hora de olhar os problemas que têm permanecido conosco, faça chuva ou faça sol.
Ao contrário da tendência geral de só olhar os problemas nas horas de crise, o mais eficiente é avaliar a distorção que permanece quando tudo parece bem. O Brasil está com a mais baixa taxa de desemprego em muitos anos, e o índice caiu mesmo no ano passado, em que o ritmo de crescimento econômico diminuiu. Os empresários continuam reclamando da dificuldade de contratação em determinadas áreas.
Num sinal de que tudo parece resolvido, o governo se dispõe a baixar uma lei regulando o uso do celular funcional e do e-mail, no fim de semana, no pagamento das horas extras. Ninguém desconhece o risco de que os meios digitais acabem ampliando a hora de trabalho e perturbando o necessário descanso do trabalhador, mas isso deveria ficar a cargo do bom senso e das negociações entre empresas e empregados.
Não é por falta de leis trabalhistas - talvez seja por excesso - que o Brasil permanece com os problemas de sempre. Quarenta por cento dos trabalhadores estão no mercado informal, sem a cobertura das garantias essenciais de férias, décimo terceiro, FGTS, seguro-desemprego, previdência. Como isso pode acontecer no momento em que o país tem um cenário tão positivo em termos de demanda de mão de obra? Isso deveria concentrar a atenção das autoridades e o melhor momento para fazê-lo é quando não há crise no mercado.
Entra e sai governo, o problema da enorme fatia dos trabalhadores brasileiros fora do mercado formal continua como uma cicatriz nas estatísticas de trabalho. O Ministério do Trabalho na gestão do antigo ministro - que caiu sob o peso das denúncias de irregularidades - se preocupava apenas em trombetear todos os meses o número do Caged, de criação de empregos pelas empresas formais, mas não parecia ver o percentual exorbitante de trabalhadores fora desse mercado.
Esse problema, evidentemente, não é apenas decorrente da última administração do Ministério. É uma velhíssima distorção na economia brasileira. Em épocas de crise, culpam-se as crises. Em momentos de prosperidade econômica, o problema fica invisível. Fora do mercado formal, esses trabalhadores estão desprotegidos, as desigualdades se eternizam, o governo deixa de arrecadar recursos que ajudariam no equilíbrio de suas contas previdenciárias e contratam-se dilemas futuros. Esta é uma boa hora de se pensar em atacar esse problema com todas as armas. A fiscalização é necessária, mas não suficiente. O país precisa conhecer as causas mais profundas dessa separação dos com e sem carteira, que tem se mantido em momentos de escassez e de abundância no mercado de trabalho.
Outro problema estrutural é o do nível de escolaridade. Os avanços na educação nas últimas décadas foram insuficientes e lentos. Na comparação com o mundo, e até com os países vizinhos, perdemos em anos de estudo da população economicamente ativa. É insensato não enfrentar esse problema com senso de urgência, porque essa é a era do trabalho qualificado, seja em que área for. Envelheceram as velhas divisões que opunham o emprego que exigia cérebro do que exigia apenas a força bruta. Hoje, como se sabe, a busca do conhecimento constante em todas as áreas profissionais é o que aumenta a produtividade da economia como um todo. O acompanhamento das novas tecnologias, o estudo de manuais, a dispersão da cadeia produtiva em diferentes países, tudo exige, por exemplo, a destreza em outros idiomas. O atraso na educação brasileira é um dos mais importantes gargalos ao aumento da competitividade da economia.
As desigualdades salariais, de oportunidades, de ascensão na carreira separam os grupos por gênero, cor da pele e idade. Esse tem sido um tema recorrente neste espaço. As estatísticas de emprego e renda mostram todo mês que continuam presentes as travas artificiais impostas pela discriminação a alguns grupos sociais. É preocupante o alto desemprego de jovens de 18 a 24 anos. Em 2011, as pesquisas mostraram que entre 13% e 14% dos jovens que procuraram emprego não conseguiram vaga. O número caiu um pouco mas continua alto demais para um país que está num bom momento.
O que inquieta no mercado de trabalho brasileiro é que as autoridades de qualquer nível, as lideranças empresariais que gerem recursos do Sistema S, o BNDES, que é em parte financiado pelo Fundo de Amparo ao Trabalhador, os líderes das centrais sindicais não parecem preocupados com quem está fora das garantias trabalhistas. A preocupação é sempre a de aumentar os direitos para quem já está dentro do mercado formal; e nunca em avaliar os defeitos de um sistema, que em qualquer conjuntura, mantém fora do mercado formal, expostos aos riscos e ao desalento, 50 milhões de brasileiros.
FONTE: O GLOBO
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