O Banco Central provocou ontem forte volatilidade nos mercados, gerando confusão sobre a trajetória das políticas monetária e cambial. Ante um IPCA de 0,86% em janeiro, o presidente do BC, Alexandre Tombini, disse pela manhã que a situação "não era confortável" e que, por isso, o "BC está avaliando tudo". O mercado entendeu a frase como sinal de alta dos juros bem antes do "tempo suficientemente prolongado" citado na ata da reunião do Comitê de Política Monetária (Copom). O dólar foi o mais baixo desde maio de 2012, os juros futuros foram os maiores em quatro meses e o Ibovespa teve a quarta queda consecutiva.
BC confunde investidor, juros sobem e dólar recua
O Banco Central (BC) provocou ontem forte volatilidade nos mercados, gerando confusão entre os agentes econômicos em relação à trajetória da inflação e das políticas monetária e cambial daqui em diante. O dólar caiu para o menor patamar desde maio do ano passado, os juros no mercado futuro subiram para os níveis mais elevados em quatro meses e o Ibovespa teve o quarto pregão seguido de perdas.
A sequência de eventos começou com o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) de janeiro. O avanço de 0,86% superou a média projetada, de 0,83%, por 11 especialistas ouvidos pelo Valor Data. A inflação em 12 meses foi a 6,12%, a mais alta em um ano.
No meio da manhã, o presidente do BC, Alexandre Tombini, disse à jornalista Miriam Leitão que a inflação preocupa no curto prazo, está mostrando uma "resiliência forte", mas que não há descontrole inflacionário". Em seguida, ele admitiu tratar-se de uma situação que "não é confortável" e que, por isso, "o BC está avaliando tudo". O mercado entendeu a última frase como uma referência à possibilidade de elevação da taxa básica de juros (Selic) antes do esperado.
Com isso, os juros na BM& foram às máximas do dia. Mas, depois, em entrevista à jornalista Claudia Safatle, do Valor, Tombini ressaltou que "a comunicação da última ata não foi alterada", o que significa que a Selic será mantida estável por "período suficientemente prolongado". As taxas no mercado devolveram, então parte da alta. Antes, porém, o BC promoveu verdadeira ofensiva de imprensa, colocando diretores para dar entrevistas e tentar acalmar o mercado.
"A inflação não veio tão fora do que era esperado. O problema é o ruído da comunicação do governo", disse Flavio Combat, da Concórdia. "Não sei para aonde vai o câmbio porque o governo pode usá-lo para combater a inflação".
A moeda americana fechou ontem em queda de 0,80% a R$ 1,972, menor cotação desde 11 de maio de 2012. Para o estrategista da Pragma Gestão de Patrimônio e professor da Fundação Getulio Vargas Paulo Tenani, o Banco Central vai seguir utilizando o câmbio como ferramenta de controle inflacionário. "O BC está voltando a um padrão, e não adotando outro. Ele sempre usou o câmbio para segurar a inflação", diz. Segundo ele, essa política ficou em segundo plano no ano passado, mas voltou a ganhar força agora.
Para o chefe de economia e estratégia do Bank of America Merrill Lynch no Brasil, David Beker, apesar da movimentação do câmbio ontem, não há indícios suficientes apontando para uma mudança na banda cambial informal, vista pelo mercado como algo entre R$ 1,95 e R$ 2. Ele acredita que o atual patamar (R$ 1,97) da taxa de câmbio deve se manter apenas no médio prazo. Depois, o dólar irá a R$ 2,00. "Mudou o tom, concordo, mas não parece ter mudado a intenção do BC [de manter o dólar nessa faixa]".
Já o economista-chefe do J. Safra, Carlos Kawal, aponta que as alternativas do BC para reagir a um repique da inflação estão limitadas: as medidas macroprudenciais (aumento do compulsório ou de requerimento de capital em operações de crédito) que miraram o crédito em 2010 não fazem sentido hoje porque a demanda por financiamento está desacelerando, o real mais apreciado é carta fora do baralho por causa da indústria e a política fiscal é expansionista. "Nesse contexto, o risco seria mesmo de elevar juros", afirma.
Para um ex-dirigente do BC, Tombini quis dar ontem um sinal claro ao mercado de que, se precisar, vai subir os juros. Para essa fonte, as afirmações do presidente do BC mostram que há chance "superior a 50%, talvez entre 60% e 70%" de a autoridade monetária elevar a Selic ainda no primeiro semestre. Para ele, a grande preocupação é o fato de a inflação estar se espalhando (o índice de difusão em janeiro bateu em 75,1%%).
Na BM&F, os contratos de Depósito Interfinanceiro com vencimento em janeiro de 2014 (DI janeiro/2014) subiram a 7,42% ante 7,35% na véspera e máxima ontem de 7,55%. Por causa do desconforto do mercado com o cenário que junta inflação em alta e a sinalização do BC de que a Selic ficará estável, os investidores estavam antecipando as apostas em aperto monetário. Quem fazia isso colocava fichas em juros mais altos no longo prazo, comprando contratos DI janeiro/2017, e passou a antecipar a posição para janeiro/2015, informou o especialista em juros da Icap Brasil, João Júnior.
"O mercado está colocando o BC na parede", disse um operador. "Não há qualquer racionalidade nesse movimento, os juros estão em um nível de aberração".
Mas o fato é que esse exagero de ajustes para cima na BM&F levou o Tesouro Nacional a não aceitar propostas num leilão de Letras do Tesouro Nacional (LTN, papéis prefixados) realizado ontem, de uma oferta de até 3,5 milhões, para não ratificar os níveis de juros praticados na sessão.
A última vez que o Tesouro recusou um lote inteiro de títulos prefixados em um leilão tradicional foi em 13 de novembro de 2007. Na ocasião, foram ofertados 450 mil NTN-Fs, papéis prefixados de prazo mais longo, de três vencimentos, e nenhuma proposta foi aceita. Mas, no mesmo dia, o Tesouro chegou a vender uma parte da oferta de LTN.
Fonte: Valor Econômico
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