Os protestos de rua ocorridos a partir do aumento das tarifas de ônibus em São Paulo e no Rio de Janeiro podem prosperar ou se esvaziar como algumas outras iniciativas desprovidas de agenda, organização, lideranças e objetivos nítidos.
O exemplo mais recente e vistoso: o movimento Ocupe Wall Street. Como veio foi, sem que tenha sido possível perceber de onde veio nem para onde foi.
Insatisfações dispersas costumam mesmo ser voláteis. Mas não convém por isso desprezá-las, pois sempre querem dizer alguma coisa. Essa agora evidentemente não diz respeito apenas ao aumento de 20 centavos de real no preço das passagens de ônibus.
As passeatas de estudantes ao fim dos anos 70 começaram como forma de protesto contra os preços cobrados no restaurante da Universidade de São Paulo. Falavam disto, queriam falar de muito mais e acabaram abrindo passagem aos movimentos contra a carestia, às greves dos metalúrgicos do ABC, à campanha pela anistia, à mobilização por eleições diretas, à retomada da democracia.
No espaço da liberdade reconquistada, fez-se longo silêncio quebrado por um breve tempo pela juventude que foi às ruas de caras-pintadas para abrir alas à interrupção do mandato de Fernando Collor.
O que há agora? Ainda imperceptível a olho nu. A primeira impressão foi a de arruaça, desrespeito à ordem pública, baderna a requerer posição firme do Estado.
Os modos assustaram e justificaram as críticas ao vandalismo na ação e a violência na reação da polícia, notadamente a paulista. Uma hipótese para tal desacerto pode ser a falta de prática. Da população, em pôr a boca no trombone nas ruas; do Estado, em assegurar a ordem pública e em ferir direitos individuais - dos que protestam e dos que querem ir e vir - e de ambos na construção de um entendimento.
Mas não se pode ignorar o fato de que as manifestações falam de um descontentamento generalizado em cujo balaio cabe de tudo um pouco: corrupção, inflação, gastos exorbitantes com a construção de estádios, conduta dos políticos, indiferença do poder para com os serviços devidos ao público, vontade de se fazer ouvir, de reclamar, de dizer chega a uma espécie difusa de mal que não tem um nome.
Antes de se tomar a parte pelo todo, no entanto, é de se conferir o rumo que tomarão as coisas. Novas manifestações estão convocadas para esta semana, cujas adesões podem se robustecer como também podem se esvair.
De saudável há a demonstração de que existe uma chama por trás da apatia diante de vários exemplos de descuido - quando não desmandos - do poder público em todos os níveis e matizes partidários.
De condenável há a presença dos costumeiros adeptos da baderna à deriva. De preocupante há a ausência de uma condução (note-se, não de tutela) para organizar as demandas. Na forma e no conteúdo. Espontaneidade é bom, mas quando desprovida de propósito e organização a tendência é resultar no vazio, caldo de cultura para o descrédito e a frustração.
Não se trata de defender a captura dessa energia por essa ou aquela força política. Nesse aspecto é até bom que não estejamos em ano eleitoral a fim de que os governantes alvos dos protestos não possam atribuir os movimentos aos adversários.
Desses curtos-circuitos às vezes nascem rupturas benéficas. Crises que resultam em soluções. Imprescindível, porém, que os demandantes saibam o que querem e que se organizem de maneira adequada para chegar lá.
Outros quinhentos. A presidente Dilma Rousseff repete o padrão do antecessor ao querer enfrentar os problemas na base da palavra veemente. Mas, não tem o talento de Lula. Ainda que tivesse, não conta com terreno fértil para semear o dom de iludir.
Fonte: O Estado de S. Paulo
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