Queimando navios, Eduardo Campos tem mais a perder na aliança com Marina. Mas, num tempo de política sem riscos, isso o distingue de seus pares
Para a estética da política, em sua hora de “Geni”, é bonito e quase comovente o discurso da dupla Eduardo Campos/Marina Silva sobre os objetivos maiores de uma aliança em que os ganhos de cada um seriam secundários em favor de um projeto alternativo para o país (a ser elaborado) e de uma nova prática política (que estariam inaugurando). É cedo para saber em que essa aliança dará, mas, por ora, não são claros os ganhos, reais e potenciais, do governador, que se arrisca a perder não apenas a cabeça de chapa para Marina, caso as pesquisas continuem apontando maior potencial de votos para ela, depois de terem os dois anunciado que o candidato será escolhido em 2014.
O que eles estão protagonizando não é mera “oscilação de conjuntura”, como disse a presidente Dilma Rousseff, para nada dizer sobre esse acidente no percurso para a reeleição. Alianças entre dissidentes já derrotaram regimes e também já se revelaram inócuas. Há muito caminho pela frente, mas as contradições iniciais sugerem mais perdas para o governador do que para a ex-senadora que, fora da aliança, estaria fora da disputa ou faria voo solo pelo PSB, com menor potencial ofensivo ao projeto continuista do PT. A desfeita ao deputado Ronaldo Caiado rendeu-lhe a hostilidade de uma ala do DEM. Na sexta-feira, o PTB pernambucano, liderado pelo senador Armando Monteiro, deixou o governo estadual. O PT também entregará os cargos amanhã, coisa que deveria ter feito logo que o PSB rompeu com o governo Dilma. Para dar um sinal de abertura à recomposição, acabou se dando mal. Uma ala do partido aderiu a Campos e não quer deixar seu governo. Um vexame. Campos perderá também apoios importantes no empresariado por conta da rigidez de Marina em questões ambientais. Terá contra a chapa a oposição do agronegócio, que não engole Marina. Vão aflorar as divergências entre eles sobre energia e economia. Será ela capaz de flexibilizar posições nessas questões? Se for, perderá apoios entre os seguidores que já não gostaram da adesão a um partido convencional, de forma unilateral e vertical, depois de falar tanto em decisões horizontais. Sem falar nos doadores de campanha simpáticos ao governador, agora informados de que ela prefere campanhas financiadas pela sociedade e a militância. Um sonho lindo, que o PT já teve no passado.
Descontada a mágoa, Caiado verbalizou o que alguns pensam mas não dizem no PSB: “Em vez de a Marina aderir ao governador Eduardo Campos, de repente ele é que aderiu à Marina e incorporou o espírito dela”. Ainda que não houvesse mais remédio para a aliança com o PT e com Lula, que o fez ministro e o apoiou para governador, Campos era um candidato com total controle sobre seu partido, tinha o estado praticamente unido em torno de sua candidatura e vinha recebendo adesões de forças importantes nos outros estados. Dispensou Caiado e terá que administrar a aceitação de outros aliados conservadores, como os Bornhausen (SC) e o ex-senador Heráclito Fortes (PI). Pedir que deixem o PSB, agora que o tempo de filiação já passou, seria molecagem. Campos estava também muito próximo do PSDB, que continua saudando a aliança, mas agora vai demarcar o terreno. Ainda que chegasse em terceiro lugar, seu apoio seria valioso no segundo turno. Rompido com o PT, talvez ganhasse a vice numa chapa tucana recomposta. Muito jovem, reconhecido como político hábil e bom gestor, estaria acumulando forças para concorrer em 2018. Se a aliança tiver sucesso eleitoral, pois foi feita para ganhar votos e não para inovar o vocabulário, ele estará no panteão, mesmo cedendo a candidatura. Se a proposta de terceira via para quebrar a polaridade PT-PSDB fracassar, terá ele perdido mais que ela. Ele está queimando alguns navios. Mas política sem risco merece outro nome, e nisso ele se distinguiu de seus pares. Agora, vamos ver o que mais acontece em um ano de travessia mais agitada.
Vamos combinar
A procriação de partidos volta à pauta na provocação do procurador-geral da República, Rodrigo Janot, ao STF, sustentando a perda de mandato de parlamentares que migram para partidos novos. Como é sabido, o STF abriu essa janela ao decidir que o nascente PSD teria direito ao tempo de tevê e ao Fundo Partidário decorrentes das filiações recebidas, pois tratava-se de partido novo.
Vamos combinar: há poucos meses, o Congresso tentou fechar essa janela, com o projeto que foi demonizado pela oposição como sendo um casuísmo para impedir a criação da Rede e a candidatura de Marina Silva. A crônica política fez coro. Aprovado na Câmara, teve a votação suspensa no Senado por liminar insólita do ministro Gilmar Mendes. Quando ela caiu, PT e PMDB, ressabiados pelas pancadas, desistiram. Agora, o projeto foi aprovado, como cadeado em porta arrombada.
Reagindo a Janot, o STF pode, enfim, julgar a ação do PPS contra a decisão anterior que beneficiou o PSD. Mas o Supremo, tão onisciente, será capaz de reconhecer que errou e, mais grave ainda, de tomar uma decisão que, aplicada retroativamente, atearia fogo ao quadro partidário e eleitoral? A decisão só afetaria mudanças futuras, acha o procurador. Então, não é preciso a palavra do STF, porque o Congresso já aprovou o projeto que valerá para o futuro. Mais eficácia terá, para organizar o poleiro, a aprovação da nova cláusula de barreira, limitando o acesso ao fundo e à tevê aos partidos que obtenham 3% de votos nacionais e 3% em nove estados. Desde que o STF não venha a derrubá-la novamente, como já fez em 2006.
Fonte: Correio Braziliense
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