quarta-feira, 24 de setembro de 2014

Brasil não assina acordo contra desmatamento

• Documento de metas voluntárias prevê o fim do desmatamento até 2030

Isabelde Luca, Flávia Barbosa e Renato Grandelle – O Globo

RIO E NOVA YORK- Dono da maior flor esta tropical do mundo, o Brasil surpreendeu a comunidade internacional e não assinou ontem um acordo de combate ao desmatamento apresentado durante a Cúpula do Clima, em Nova York, um encontro que reuniu mais de 120 chefes de Estado. O documento propõe reduzir pela metade o corte de flor estas até 2020 e zerá-lo na década seguinte. Com esta medida, entre 4,5 bilhões e 8,8 bilhões de toneladas de CO2 deixariam de ser liberadas para a atmosfera — o equivalente à remoção de um bilhão de carros das ruas até 2030. A Declaração de Nova York, como foi batizado, foi elaborada por um grupo de países europeus e endossado por 32 Estados — entre eles EUA, Canadá, Noruega, Inglaterra e Indonésia —, além de empresas, entidades civis e comunidades indígenas. O documento segue aberto para adesões até dezembro de 2015, quando acontece a Conferência de Paris.

A exemplo do Brasil, China e Índia, que também estão entre os maiores desmatadores do mundo, rejeitaram o documento. Embora tenha considerado o acordo importante e criticado o Brasil por rejeitá-lo, o Greenpeace também não o assinou por considerá-lo vago demais. Segundo a ONG, os compromissos voluntários não substituem ações governamentais. —Precisamos de leis fortes para proteger florestas e pessoas, assim como de uma melhor aplicação das leis existentes—explicou o diretor-executivo internacional do grupo, Kumi Naidoo . — Deter a perda global de flor estas em 2030 no máximo significaria que anos de desmatamento ainda estariam à nossa frente. De acordo com uma fonte próxima à negociação, a Missão Brasileira na ONU recebeu o texto há cerca de um mês e o enviou a Brasília, que teria apontado trechos incompatíveis com o novo Código Florestal: — Entramos em contato com esse grupo de países por trás da iniciativa e pedimos algumas modificações no texto final, pois não podemos nos associara uma declaração que vá de encontro a uma lei nossa. Ponderamos essa questão e pedimos que o texto fosse ajustado, mas eles disseram que não podiam, porque já estava fechado.

E o Brasil obviamente não se associou. Em entrevista a agências internacionais, a ministra do Meio Ambiente, Izabella Teixeira, afirmou que o texto do acordo pode colidir com a legislação brasileira.— É diferente ter deflorestamento legal e deflorestamento ilegal. Nossa política nacional é combater o desmatamento ilegal — explicou. O Brasil quer , por exemplo , debater os pontos do texto com outras nações flor estais e ver se há compatibilidade entre a proposta europeia e tanto as negociações climáticas correntes quanto a política ambiental brasileira. O país também não quer perder as rédeas desta discussão, que compartilha com outros pares, pois, como descreveu um observador, "se tem uma coisa que em clima está dando certo é floresta , a queda de desmatamento ".

Decisão pode ser estratégica
Diretor executivo da Agência de Investigação Ambiental (EIA , na sigla em inglês), Alexander Von Bismarckdiz que na prática o país tem tido uma ação extremamente positiva, o que é mais importante do que assinar uma declaração:— A questão é: o que acontece depois? Esses documentos são úteis e importantes, mas as florestas precisam de ação. O Brasil adotou medidas importantes para combater o desmatamento ilegal, mas aqui nos EUA as pessoas ainda estão comprando madeira extraída ilegalmente do Brasil. Diretor do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia, Osvaldo Stella avalia que a rejeição brasileira ao acordo pode ser "estratégica" .— Talvez este não seja o melhor momento para assinar um documento —explica. — O desmatamento é uma importante fonte de emissões de CO2 do Brasil, mas irrelevante em outros grandes países. Então, o melhor, para nós,seria negociar simultaneamente todas as causas do aquecimento global. Desta forma, não perdemos peso nas conversas das próximas conferências.

O acordo novaiorquino propõe ainda a formação de um fundo global de combate ao desmatamento, no valor de pelo menos US$ 1 bilhão, destinado a países pobres que preservem as suas florestas . Também lembra que cerca de 500 milhões de pequenos fazendeiros, especialmente na África e no Sul da Ásia, estão vulneráveis a eventos extremos que afetariam a produção de alimentos, como a escassez de água e grandes tempestades. Grandes empresas também aderiram ao documento, entre elas petrolíferas, prometendo reduzir a emissão de gases-estufa na geração de energia. Em um discurso de quase oito minutos, a presidente Dilma Rousseff revelou que o desmatamento no Brasil diminuiu 79% em oito anos . Esta seria uma amostra deque o crescimento econômico não é incompatível com a adoção de medidas de preservação ambiental.

— O Brasil não anuncia promessas. Mostra resultados — ressaltou. — Ao mesmo tempo em que diminuímos a pobreza e a desigualdade social, protegemos o meio ambiente. Nos últimos 12 anos, temos tido resultados extraordinários. Já o presidente americano, Barack Obama, usou seu discurso no evento para assumir a responsabilidade de seu governo e, também, pressionar a China a tomar atitudes . Segundo ele, os países têm que "deixar de lado nossas velhas diferenças ".Já o vice-premier chinês, Zhang Gaoli, revelou que o país teria como objetivo limitar as emissões ou atingir o seu pico "o mais cedo possível". Alguns conselheiros de Pequim avaliam que isso só deve acontecer depois de 2030. Durante a Cúpula, Coreia do Sul, Dinamarca e Suíça anunciaram a doação de cerca de US$ 270 milhões para o Fundo Verde para o Clima, criado em 2010 pela ONU. França e Alemanha prometeram doar US$ 1 bilhão "nos próximos anos ". Ao lado do secretário-geral da ONU, Banki-Moon, o prefeito Eduardo Paes, presidente do C40 — o grupo das 69 maiores cidades do mundo — anunciou o Pacto Global dos Prefeitos. Com o acordo, 228 cidades, que abrigam quase meio bilhão de pessoas, assumem o compromisso de reduzir a emissão de gases-estufa em até13 milhões de toneladas até 2050.

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