- Brasil Econômico
Nestes dias de campanha eleitoral, está ficando cada vez mais agudo o descolamento entre a percepção do governo Dilma Rousseff e a dos agentes do mercado financeiro. Agora mesmo, com a divulgação do Relatório de Avaliação de Receitas e Despesas do quarto bimestre, pelo Ministério do Planejamento, teve-se um bom exemplo do confronto. Enquanto a maioria dos analistas considera que o uso do Fundo Soberano para cobrir a queda de R$ 10,5 bilhões na arrecadação representa uma manobra contábil, o governo garante que não fez nada demais. Em Nova York, a presidente Dilma disse que "estranha muito" esta forma de tratar a decisão. "É estarrecedor que questionem o uso do Fundo quando o país cresce menos do que crescia quando o Fundo foi formado. Ele foi feito para isso", reagiu a presidente, em entrevista em Nova York.
O ministro da Fazenda, Guido Mantega, engrossou o coro oficial e explicou, em Brasília, que "não tem nada mais legítimo do que usar o Fundo Soberano" para tapar o buraco deixado pela queda na arrecadação. "O Fundo é uma poupança primária que fizemos em 2008 para cobrir despesas quando necessário. Ele é perfeitamente utilizável. Eu não vejo qual é a complicação nisso". Na verdade, os críticos não apontaram propriamente "uma complicação" na medida. Mas consideram que, diante da quebra nas projeções de arrecadação, o ideal teria sido efetuar um corte nas despesas previstas no Orçamento, em vez de apelar para os recursos extraordinários que deveriam ser sacados apenas em momentos de crise. Afinal de contas, o governo é o primeiro a negar que a economia brasileira esteja em apuros.
Na visão da presidente Dilma, não existe crise, mas, sim, uma circunstância de caixa baixa. "Nas vacas gordas, você tem dinheiro. Nas vacas magras, tem menos dinheiro". O raciocínio não poderia ser mais claro, mais objetivo. Mas o problema vai além do recurso ao Fundo Soberano, em si. Está também nas razões que levaram o Brasil a enfrentar um período de vacas magras. Neste ponto, o mercado pensa bem diferente de Dilma e Mantega. Enquanto a presidente e seu ministro atribuem as dificuldades da economia aos efeitos perversos da crise internacional, técnicos bem cotados do setor privado atribuem o mau desempenho a erros cometidos pelo governo. Dizem que a aposta nos rebates fiscais e no incentivo ao consumo foi pura perda de tempo.
Se o remédio funcionou em 2009/2010, agora enfrentou um ambiente distinto, com as famílias endividadas e as empresas retraídas. Desta vez, a política de desoneração não deu o esperado efeito anticíclico. Só contribuiu para a queda na arrecadação. Mesmo que se justifique, o uso do Fundo Soberano pode acentuar o atual quadro de incerteza e minar ainda mais o ânimo de empresários e consumidores. A prévia da Sondagem da Indústria de Transformação, anunciada ontem pela FGV, apontou queda de 3,2% do Índice de Confiança da Indústria (ICI) entre agosto e setembro. O nível de 80,7 pontos deste mês é o menor desde março de 2009 e mantém a trajetória de declínio iniciada em janeiro. A utilização da capacidade instalada também caiu. Para o Departamento de Estudos Econômicos do Bradesco, os dados reforçam a percepção de que o terceiro trimestre é um desafio para o crescimento. Portanto, a percepção do mercado é de que o ciclo de vacas magras pode ser mais longo do que se pensa.
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