- O Estado de S. Paulo
O ex-diretor de Abastecimento e Refino da Petrobrás Paulo Roberto Costa, que o ex-presidente Lula chamava na intimidade de Paulinho, alimentou, durante algum tempo, a ilusão de que uma eventual delação dele abalaria a República a ponto de ameaçar a realização das eleições de outubro. Seria ele um megalomaníaco? Por mais que as informações que resolveu repassar à Polícia Federal (PF) e ao Ministério Público (MP) sobre a roubalheira na estatal sejam de fato relevantes e ameacem a reputação de vários figurões graduados no alto comando dos Poderes republicanos, ninguém cogitou em momento algum de adiar a disputa. E mais ainda: essa delação não alterou o cacife eleitoral dos candidatos à Presidência de forma mais significativa do que o fez a queda em Santos do avião em que viajava o presidenciável socialista Eduardo Campos.
Não que suas revelações sejam de pouca monta. O que ele já disse e ainda tem a contar é muito relevante e muito grave, como demonstra o pouco que vazou até agora. O suficiente para irritar a ainda favorita à vitória, a presidente petista Dilma Rousseff, que tem passado a impressão generalizada de que se preocupa mais em evitar vazamentos do que em tomar conhecimento dos delitos gravíssimos cometidos para punir os responsáveis por eles.
Os executivos do poder federal e parlamentares eventualmente citados nesses vazamentos também não têm sido atingidos diretamente em suas pretensões de ascensão na carreira. O presidente da Câmara dos Deputados, Henrique Eduardo Alves (PMDB), continua favorito na eleição para governador de seu Estado, o Rio Grande do Norte. O mesmo ocorre com o filho de Renan Calheiros (PMDB), que disputa o governo de Alagoas, e o de Edison Lobão (PMDB), que é o preferido do clã Sarney na sucessão de Roseana, no Maranhão. O próprio ministro de Minas e Energia continua fagueiro no posto, embora meio à sombra dos holofotes depois de ter dito à chefona Dilma que as acusações contra ele seriam falsas.
Mesmo tendo sido fundamental para a eleição de pregadores da moral e dos bons costumes, casos de Jânio Quadros e Fernando Collor, no passado, a corrupção como cavalo de batalha volta a ser agora, como já o fora nas duas disputas perdidas pelo brigadeiro Eduardo Gomes, lana caprina. Em artigo em que não se refere à gatunagem, talvez por achá-la irrelevante, o diretor da Faculdade de Direito da Fundação Getúlio Vargas (FGV), Joaquim Falcão, listou uma série de motivos para o eleitor apartidário votar de novo no governo. Está na cara que a economia degringola, e o autor reconhece isso, mas, como ele aduziu, decide-se o voto na vida real e no instante atual.
Falta aos opositores à candidata à reeleição autoridade moral para isolá-la na fogueira de bruxa do furto do erário. O nome do socialista Eduardo Campos certamente vai figurar entre os maganões republicanos citados pelo Paulinho de Lula. Embora nem de longe isso afete a reputação de sua sucessora na corrida presidencial, Marina Silva, é claro que qualquer "malfeito" (para adotar o educadíssimo eufemismo empregado por Dilma para evitar termos pesados como furto na definição de delitos cometidos pela "companheirada") de Eduardo poderá fragilizá-la.
O caso dos tucanos, embora não citados nos vazamentos que tiram o sono dos governistas, é diferente, mas também não é muito confortável. À medida que a quebra do silêncio pelo delator vai jogando lama na reputação dos maiorais, fica cada dia mais claro que têm relação entre si os três escândalos mais estrondosos dos últimos 12 anos: a morte de Celso Daniel, o mensalão e a roubalheira na Petrobrás. O que já era sabido se tornou comprovado quando apareceu na papelada de Meire Poza, contadora do doleiro Alberto Youssef, o documento do "empréstimo" do operador do mensalão a uma personagem na morte do ex-prefeito de Santo André.
Não foi à toa que a presidente da República cometeu o lapsus linguae de negar aos jornalistas seu direito (na verdade, dever, pois o direito de ser informado é do cidadão) de investigar. Ela até quis corrigir, mas sua frase, de uma clareza incomum em seu estilo, é injustificável. O delator do mensalão, Roberto Jefferson, contou que no Congresso o assunto era conhecido. E não foi revelado pela oposição, mas, sim, por uma entrevista dele à Folha de S.Paulo. A oposição, comprometida no caso pela origem tucana do esquema em Minas, não se empenhou em esclarecer a confissão de Marcos Valério ao MP de que teria dado R$ 6 milhões a Ronan Maria Pinto para este parar de chantagear Lula e Gilberto Carvalho pelo envolvimento de ambos não na execução de Celso Daniel, mas na garantia de impunidade para os assassinos. Revelada pelo Estado, a transação teve a prova achada pela PF.
A oposição cobra de Dilma sua omissão nos furtos na Petrobrás, pois ela foi ministra de Minas e Energia, chefe da Casa Civil, presidente do Conselho de Administração da estatal e presidente da República enquanto o Paulinho de Lula e seus comparsas assaltavam a empresa. É estarrecedor que alguém pretenda ser uma "gerentona" eficiente sem ter percebido o óbvio. Mas o mesmo se pode dizer do Tribunal de Contas da União e dos parlamentares oposicionistas, que não tomaram conhecimento, por exemplo, de documentos em que o roubo era denunciado interna corporis na empresa.
Como um meliante enviou R$ 1 bilhão para o exterior sem que autoridades ou parlamentares ficassem sabendo? Como um subalterno (caso do delator) pôde cobrar uma propina milionária na compra da refinaria belga no Texas, denunciada pela Veja? O procurador-geral Rodrigo Janot e o juiz Sérgio Moro têm razão ao negar a Dilma (para quem o gatuno "tinha credenciais" para ser diretor da estatal) e à oposição acesso à confissão que a Nação quer que seja levada a termo. E é espantoso que isso não interfira nos votos dos lesados.
*José Nêumanne é jornalista, poeta e escritor
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