- O Estado de S. Paulo
Enfadonhos pedidos de voto, pelo rádio e pela televisão, refletem a decadência em que nos encontramos, pelo excesso de legendas, ausência de partidos, falência de lideranças. Políticos reconhecidos pela seriedade se confundem com a escória da vida pública. Corruptos, demagogos, insanos e analfabetos desfilam entre pessoas de bem, para deixar o eleitor confuso e incapaz de distinguir uns dos outros. Nessa ópera-bufa a que foi rebaixada a eleição, Tiririca e o renitente bordão que utiliza sintetizam o ambiente em que ocorrem as disputas que determinarão os rumos do Poder Legislativo nos críticos anos que se aproximam.
Em frenética busca de votos os partidos se diminuíram, abandonaram preocupações éticas e passaram a aceitar pessoas desqualificadas, desde que lhes ofereçam esperança de formação de bancada. São raros os casos em que sobressaem cultura, experiência, maturidade, integridade. A vulgaridade é requisito para a inscrição de quem se julga em condições de participar da campanha. Quanto mais popularesco, como o Tiririca, maior a chance de eleição, acreditam os proprietários de legendas. A soberania popular se exerce pelo sufrágio universal e pelo voto direto e secreto, de igual valor para todos, diz a Constituição no artigo 14. Logo, em país onde predominam a ignorância, a demagogia, o populismo, os resultados não poderiam ser diferentes.
O pretendente a cadeira no Legislativo jamais reconhecerá que, se eleito, será apenas mais um. O eleitor, por sua vez, raramente leva esse aspecto em consideração. Vota quase sem pensar em alguém que conhece, ou pensa conhecer, do bairro ou da região, ou religião, para se desincumbir de obrigação legal. Em geral desacredita do Legislativo e aguarda que o Executivo dê solução para seus problemas, como se habituou a ver durante a ditadura. Desconhece que espaço e tempo, na Câmara e no Senado, são mercadorias escassas; que as melhores posições na Mesa Diretora, e nas comissões, serão ocupadas pelos vitoriosos e integrantes da base aliada - para a oposição e o baixo clero, o que for desprezado. Como disse Machado de Assis no romance Quincas Borba, "ao vencido ódio ou compaixão; ao vencedor as batatas".
Durante quatro anos o eleitor estará esquecido daquele em quem votou, até que na eleição seguinte voltará a ser procurado. E mais uma vez errará.
A crise em que chafurda a política surge da ausência de partidos e da falta de lideranças nacionais reconhecidas. As manifestações de junho de 2013 comprovaram a larga distância a que foram relegados conhecidos dirigentes partidários. Demonstraram, também, que desorganizada e guiada por anônimos escolhidos ao acaso a massa descamba para a violência e a destruição de bens públicos e privados.
A restauração do regime democrático foi possível pela ação viril, persistente e pacífica de homens como Ulysses Guimarães, Tancredo Neves, Franco Montoro, Teotônio Villela, reunidos no velho PMDB. Nenhum, porém, sobreviveu para tomar conhecimento dos resultados finais da sua obra. A Constituição de 1988, aguardada com expectativa para "assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça, como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos", como está no Preâmbulo, converteu-se em brochura desacreditada, retalhada por mais de 70 emendas.
Presenciamos o "triunfo de uma hiperdemocracia em que a massa atua diretamente sem lei, impondo suas aspirações e seus gostos", escreveu Ortega y Gasset. Os fatos estão nas ruas. Organizações nascidas à margem da lei desafiam a polícia, incendeiam ônibus, tomam prédios de assalto, ignoram decisões judiciais, gerando clima de total insegurança para quem deseja trabalhar e produzir. Apesar da crise de autoridade, não observo entre candidatos preocupação alguma com o problema. Temem, talvez, enfrentar a ira dos promotores da desordem e perder votos.
Sob o governo da presidente Dilma agravou-se situação que se delineava no segundo mandato do presidente Lula: elevação de preços, retomada do processo inflacionário, parque industrial em declínio, invasão de importados, aumento do desemprego. É impossível ignorar que o País se encontra em crise e desconhecer que o Executivo tentará disfarçar a realidade até a primeira semana após o resultado das eleições, repetindo o que aconteceu com o Cruzado II.
Se a disputa pelo Congresso já faz prever que, mais uma vez, os resultados serão negativos, no plano do Executivo a situação é melhor: decidiremos entre os três candidatos mais conhecidos, segundo pesquisas de intenção de voto. Após 12 anos sob o PT, o Brasil piorou. A economia desabou, a moralidade pública desapareceu. O povo deve decidir pela mudança.
O mensalão enviou à Papuda altos quadros do partido, onde cumprem pena por corrupção. O caso da Petrobrás ainda não foi totalmente desvendado. O que se sabe, todavia, é demasiado grave: membros da alta administração, da confiança da presidência da República, realizaram negócios que dilaceraram as entranhas da empresa. No mensalão foram desviados centenas de milhões; na Petrobrás as fraudes ultrapassam o patamar do bilhão. Dois gigantescos escândalos no interior do governo bastam para determinar o afastamento daqueles que desprezaram os princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, obrigatórios para a administração público, como exige a Constituição.
A decisão ficará entre Aécio Neves e Marina Silva. Entre o conhecido e o desconhecido, a experiência e a inexperiência, o pragmático objetivo e a iluminada. A escolha me parece simples. Presidência da República não é local para testes, improvisações e aprendizagem.
*Almir Pazzianotto Pinto é advogado, foi ministro do Trabalho e presidente do Tribunal Superior do Trabalho (TST)
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