- O Globo
O Brasil está tomado de debates diferentes, mas que se resumem à saudável discussão de qual é o melhor destino do dinheiro que é público. Na democracia, é natural que contribuintes participem das decisões sobre origem e destino dos impostos. Discute-se o dinheiro do BNDES às empresas, o gasto da previdência, as pedaladas, as desonerações, as metas fiscais.
São debates aparentemente diferentes, mas que fazem parte do mesmo conjunto de decisões das quais a sociedade tem que participar. O GLOBO trouxe ontem a informação de que custa R$ 1,1 bilhão ao Fundo de Amparo ao Trabalhador o financiamento de operações externas, citando cálculo do Insper. O “Valor” disse que os empresários querem um debate despolitizado sobre o tema e argumentam, na defesa dos créditos subsidiados, que eles geram emprego. O BNDES estranha que se discuta agora o que existe há muito tempo.
Existe há muito tempo, mas jamais chegou a um volume tão alto, a ponto de ameaçar o equilíbrio fiscal. Por isso, entrou fortemente na agenda o interesse de ter mais informações sobre o que se passa no banco — critérios, custos, garantias de empréstimos concedidos às empresas com juros subsidiados. O TCU quer saber mais, o STF acha que quem lida com dinheiro público tem que prestar contas. Esse debate já deveria existir há mais tempo. Há vozes roucas de tanto pedir por essa transparência, com o argumento que foi agora apresentado pelo ministro Luiz Fux, do STF.
Conhecidos os dados, a sociedade pode decidir se o melhor a fazer com o dinheiro público é emprestar os recursos do FAT ao BNDES cobrando 1% de juros ou não. O FAT é dinheiro público, cujo destino principal é garantir o seguro-desemprego. Tem tido déficit, e o seu rombo é coberto pelo Tesouro que, por sua vez, tem déficit também e se financia pagando juros de quase 14% ao ano. Portanto, além dos recursos que originalmente capitalizam o fundo, há no FAT capital derivado de endividamento do governo federal. As empresas financiadas criam emprego, mas não o fazem por benemerência. Têm lucros em suas operações, portanto, por que deveríamos agradecê-las subsidiando tão fortemente suas operações?
O dinheiro, farto em uma ponta, falta em outra ponta. É um único Tesouro. É um único cobertor curto. Recentemente, o ministro da Fazenda, Joaquim Levy, nos informou que “o dinheiro acabou”. Por isso, há um acirramento do debate sobre onde é melhor gastar o dinheiro público.
O déficit da previdência, só do INSS, foi de R$ 61 bilhões no ano passado, e o da previdência dos servidores públicos está no mesmo patamar. O Congresso decidiu que, no caso do trabalhador do setor privado, que se aposenta pelo INSS, o país deve contratar um aumento de gasto justamente em época em que o déficit tende a subir pelo envelhecimento da população. Por que faz isso? Por demagogia. E por que o PSDB, que criou o fator previdenciário, votou a favor da medida?
Oportunismo inconsequente e contraditório. Não podemos jogar sobre as crianças de hoje o peso de carregar, amanhã, uma previdência falida. A previdência é um pacto entre gerações. O que o Congresso fez foi jogar sobre quem não tem voz, nem consciência dos problemas hoje, o peso de trabalhar mais, quando chegar a sua vez, para sustentar os mais velhos.
Ao mesmo tempo, o Congresso é contra acabar com as desonerações. Elas aliviaram muitas empresas em 56 setores do pagamento excessivo de impostos sobre o trabalho. O ideal seria que o alívio continuasse, mas o que a equipe econômica está mostrando é que o desequilíbrio é tão forte que é preciso cortar todos os benefícios fiscais, mesmo os mais meritórios.
O TCU está olhando com lupa as contas da presidente Dilma e verifica que o governo mandou os bancos pagarem obrigações orçamentárias e demorou a cobrir a conta ou nem pagou ainda. Em alguns casos, o passivo é oculto. A Lei de Responsabilidade Fiscal proíbe. E proíbe porque no passado isso quebrou bancos públicos e gerou inflação.
Se o dinheiro é público, é preciso saber de onde vem, para onde vai, como é gasto, que escolhas são feitas, como a despesa é registrada, que subsídios embutidos existem. Quanto maior o debate sobre isso, mais forte é a democracia. O nome do jogo é: o contribuinte tem o direito de saber e de participar das decisões.
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