Se os ministros do Tribunal de Contas da União (TCU) basearem apenas em critérios técnicos sua decisão sobre as contas do governo Dilma Rousseff relativas a 2014, que serão julgadas na sessão plenária de hoje, é grande o risco de, pela primeira em sua história, a Corte de contas rejeitar as demonstrações contábeis e financeiras apresentadas pela Presidência da República.
Embora considerações de natureza política possam permear decisões cruciais do TCU, como as relativas às prestações de contas do Executivo, o relatório sobre o Balanço Geral da União de 2014, elaborado pelos auditores da Corte, contém fundamentadas ressalvas que justificariam sua rejeição. A mais grave delas, como mostrou reportagem do Estado, é a omissão de créditos de R$ 37,1 bilhões tomados pelo governo de bancos oficiais em operações caracterizadas como pedaladas fiscais e que ferem a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), como já decidiu o próprio TCU.
“É uma sessão especial e eu tenho certeza de que, como das outras vezes, nós sempre consideramos com muita atenção os critérios técnicos”, afirmou o presidente do TCU, Aroldo Cedraz, sobre o julgamento das contas do governo. “Mas, acima de tudo, respeitamos a decisão soberana do plenário. No TCU não tem canetada.”
Pressões sobre os ministros vieram tanto da oposição, pela rejeição das contas, como do governo, especialmente por meio do advogado-geral da União, Luis Inácio Adams, pela aprovação, ainda que com ressalvas, como aconteceu em exercícios anteriores. O teor do relatório e, sobretudo, do voto do ministro Augusto Nardes poderá ser decisivo para o voto dos demais ministros do TCU.
O relator, por sua vez, baseará seu voto na avaliação dos auditores do TCU sobre as demonstrações contábeis enviadas pelo Executivo. Para os auditores, o Balanço Geral da União de 2014 contém distorções que somam R$ 281 bilhões. Esse valor inclui restos a pagar (despesas empenhadas, mas não pagas até o dia 31 de dezembro) não registrados corretamente e divergências sobre registros contábeis da dívida ativa da União.
Alguns casos, porém, são notórios. O primeiro deles refere-se às pedaladas fiscais, operações por meio das quais instituições financeiras controladas pela União – como Caixa Econômica Federal, Banco do Brasil e Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) – faziam pagamentos devidos pelo governo antes de receberem do Tesouro Nacional os valores correspondentes. São pagamentos referentes a programas como Bolsa Família, seguro-desemprego, aposentadoria e financiamento agrícola subsidiado.
Em abril, o TCU declarou que essas operações constituem uma operação de empréstimo de uma instituição pública para seu controlador, o que é proibido pela LRF. “Um banco público não pode emprestar dinheiro ao governo”, disse na ocasião o relator do processo, ministro José Múcio Monteiro.
Em sua defesa, o governo alegou que essas operações são usuais em contratos de prestação de serviços entre a instituição financeira e seu controlador. Além disso, segundo o governo, elas ocorrem desde 2001 – no governo Fernando Henrique Cardoso – e não constituiriam crime fiscal.
Não foi essa, porém, a única irregularidade apontada pelos auditores do TCU nas contas do governo Dilma do ano passado. Outra distorção é a perda, levantada pela Operação Lava Jato, de R$ 14,7 bilhões que a União teve por conta de sua participação acionária na Petrobrás, mas não registrada no balanço de 2014.
O acúmulo da emissão de ordens bancárias no último dia do ano, para que o pagamento fosse contabilizado apenas no exercício seguinte, foi outra distorção identificada pelo TCU nas contas do governo. Problemas de cálculo de ativos, “por causa de deficiências na depreciação de bens móveis e imóveis”, bem como a superavaliação de créditos tributários foram outras irregularidades apontadas.
É a herança que a passagem de Guido Mantega pelo Ministério da Fazenda e de Arno Augustin pela Secretaria do Tesouro deixou para a atual equipe econômica e pode levar o TCU a rejeitar as contas de Dilma, o que submeteria seu governo a perigo real e imediato.
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