• Mesmo sem ser veredito definitivo, decisão sobre as contas de Dilma em 2014 é crucial para reforçar reconstrução da confiança na contabilidade pública
Entre várias peculiaridades brasileiras, existem no país leis que “pegam” e outras não. O julgamento das contas de 2014 da presidente Dilma, previsto para hoje no Tribunal de Contas da União (TCU), trata disso: se a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), aprovada em 1999 como parte vital das fundações da estabilização da economia empreendida a partir de 1994, com o Plano Real, “pegou” de fato ou se as várias transgressões que sofreu no governo Dilma a tornaram inócua. Será uma decisão com sérias implicações para o país, embora provisória.
Há algum tempo uma decisão do TCU não chama tanto a atenção, mesmo não sendo o tribunal parte do Poder Judiciário, e atue apenas como órgão auxiliar do Congresso, ao qual cabe referendar ou rejeitar vereditos da Corte. Mas será uma sinalização a ser levada em conta, por exemplo, pelas agências internacionais de classificação de risco.
Ao avaliar a apresentação das contas do ano passado, último do primeiro mandato de Dilma, o TCU se pronunciará sobre o festival de maquiagens feitas na contabilidade pública para esconder gastos e inflar receitas, sob a direção do Ministério da Fazenda, ocupado por Guido Mantega, e com a diligente atuação da Secretaria do Tesouro, de Arno Augustin, considerado o pai da “contabilidade criativa”.
Os auditores do TCU e o Ministério Público detectaram irregularidades em registro de dívidas e constataram que “pedaladas” — atrasos nos repasses do Tesouro —, dadas para melhorar a aparência do resultado primário da União, serviram, na prática, para que bancos oficiais financiassem o Tesouro, seu sócio controlador, falta grave, proibida pela LRF.
As últimas semanas foram de pressões sobre o relator do processo, Augusto Nader, por parte do governo e da oposição, interessada em se aproveitar de eventual rejeição das contas de Dilma. Nader garantiu ontem que as “pedaladas” constam do seu relatório.
O volume de recursos maquiados nas contas públicas foi tal que afeta a própria meta do ajuste fiscal de 1,1% do PIB. Em artigo publicado ontem no GLOBO, os economistas e professores da FGV José Roberto Afonso, Vilma Pinto e Bernardo Fajardo afirmam que foram tantas operações e tão pouco transparentes que o próprio impacto da contabilidade criativa no ajuste não pode ser mensurado com precisão. Mas eles estimam que indevidas “relações cruzadas” entre Tesouro, Petrobras, Eletrobras, BNDES, Banco do Brasil e Caixa chegaram, no fim do ano passado, a R$ 135,6 bilhões, cerca do dobro da meta do ajuste. A cifra é assustadora.
Mesmo não conclusiva, a decisão do TCU é importante porque vem no momento em que é crucial reconstruir a confiabilidade nas contas públicas, para ajudar o ajuste. Mesmo que, paradoxalmente, seja por meio da rejeição das contas de Dilma, em nome da LRF.
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