quarta-feira, 17 de junho de 2015

Merval Pereira - TCU diante da História

- O Globo

A noite de ontem terá sido uma das mais agitadas dos últimos tempos em Brasília, com o Palácio do Planalto gastando todos os seus cartuchos na tentativa de reverter uma decisão do Tribunal de Contas da União (TCU) que, tudo indica, será contrária às contas de 2014 da presidente Dilma, fato inédito na República.

O relator, ministro Augusto Nardes, garante que vai “inovar”, abrindo um caminho para o TCU ao se recusar a aprovar as contas com ressalvas, como acontece há anos e como queriam os principais assessores do Palácio do Planalto que o procuraram diversas vezes nesta semana. Ele diz que tem diversas alternativas à simples rejeição das contas, mas garante que nenhuma delas, se adotada, transigirá com os erros que apontará.

Seu relatório constata diversas irregularidades nas contas, além das “pedaladas” fiscais já denunciadas. O ministro Nardes mostrará que as irregularidades no orçamento do governo prejudicam a competitividade da economia brasileira, revelando uma governança frágil que produz, além de tudo, uma insegurança jurídica para os investidores.

O que aconteceu em 2014, de acordo com o relatório de Nardes e mais um parecer do Ministério Público de Contas, é que o governo transgrediu a legislação com o objetivo de inflar seus gastos em um ano eleitoral, o que aumenta a probabilidade de a oposição tentar um processo de impeachment contra a presidente Dilma.

Como define o economista José Roberto Afonso, professor do Instituto Brasiliense de Direito Público (IDP), em linguagem popular, o governo pedalou a bicicleta de outro sem ter pedido licença. O crime está caracterizado pelo fato de que, de acordo com relatório de auditores do Tribunal de Contas da União (TCU), entre 2013 e 2014 o governo Dilma atrasou “sistematicamente” o repasse de recursos à Caixa, Banco do Brasil e Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (Bndes) para pagamento do Bolsa Família, Auxílio Desemprego, a equalização da Safra Agrícola e o Programa de Sustentação do Investimento (PSI).

Sem o dinheiro do Tesouro, os bancos estatais passaram a fazer os pagamentos com recursos próprios. O artigo 36, caput, da lei complementar nº 101, de 4 de maio de 2000, a famosa Lei de Responsabilidade Fiscal, é taxativo: “É proibida a operação de crédito entre uma instituição financeira estatal e o ente da federação que a controle, na qualidade de beneficiário do empréstimo”.

Tal operação constitui crime de responsabilidade, nos termos do artigo 11, inciso 3, da lei 1.079, de 14 de abril de 1950: “Art. 11. São crimes de responsabilidade contra a guarda e o legal emprego dos dinheiros públicos: 3) contrair empréstimo, emitir moeda corrente ou apólices, ou efetuar operação de crédito sem autorização legal.

Com o inchaço orçamentário artificial, o governo deu, em ano eleitoral, um reajuste médio ao Bolsa Família de 19,4%. O aumento maior se concentrou nas famílias com filhos de 0 a 15 anos, que receberam reajuste total de 45,5%. Segundo o governo, o impacto financeiro do aumento foi de R$ 2,1 bilhões.

Outro programa beneficiado foi o Fundo de Financiamento Estudantil (FIES), que pulou de R$ 5 bilhões para R$ 12 bilhões, e este ano teve que sofrer um corte drástico, passando para cerca de R$ 3 bilhões. Todos esses gastos eleitorais podem caracterizar um abuso do poder econômico, que tem sido a base de várias cassações de mandatos de governadores.

Em 2008 o hoje senador Cassio Cunha Lima, teve o mandato de governador da Paraíba cassado acusado de compra de votos de distribuição de 35 mil cheques de R$ 150 e R$ 200 para pessoas carentes durante o período da campanha. Para os juízes do TRE, a distribuição de cheques da Fundação de Ação Comunitária (FAC)- órgão do governo do Estado -, sem lei específica e sem dotação orçamentária definida, caracteriza abuso do poder político e econômico, além de conduta vedada aos agentes públicos.

Seja qual for a decisão de hoje do Tribunal de Contas da União, a oposição anexará ao processo que está com o Procurador-Geral da República Rodrigo Janot o relatório do ministro Augusto Nader e do Ministério Público de Contas para reforçar as acusações de crime na manipulação do orçamento federal contra a presidente Dilma.

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