- O Globo
• Duas cenas ocorridas durante o congresso do partido mostraram que seus inimigos estão em todos os lugares
Deve-se ao repórter Luiz Antonio Novaes o registro de dois episódios ilustrativos da mentalidade do sítio que tomou conta do PT. Primeiro, eles tinham como inimigos os adversários políticos. Depois, a imprensa oligopolizada. Em seguida, a freguesia dessa mesma imprensa. Aos poucos, quase todo mundo.
Novaes estava no Congresso do PT em Salvador, onde só havia petistas, e narrou duas cenas.
Quando o governador da Bahia, Rui Costa, começou a falar, ouviram-se alguns gritos: “Cabula! Cabula!”. Costa foi um dos fundadores do partido na Bahia e Cabula é um bairro de Salvador onde, em fevereiro, a PM matou 12 pessoas (todos negros) e feriu outras seis. A tropa diz que eram traficantes que reagiram à chegada dos soldados. (Apenas um dos 12 mortos tinha antecedentes criminais.) Falando a uma plateia de PMs, o governador construiu uma metáfora comparando a ação dos policiais diante de malfeitores à do artilheiro na boca do gol, quando tem poucos segundos para decidir o que fazer e bateu o martelo: “Não há indícios de que teve atuação fora da lei nesse caso”. Portanto, os artilheiros da PM baiana fizeram 12 gols.
Quando Rui Costa começou a discursar, os gritos de “Cabula” pouco significavam para quem viera de outros estados, mas a lembrança da chacina era suficiente para irritar o comissariado do governador. O problema surgiu quando alguém ouviu “Papuda” no lugar de “Cabula”. Haveria petistas gritando o nome da penitenciária para onde foram mandados dois ex-presidentes do PT e seu ex-tesoureiro. Nessa hora, os companheiros estranharam-se, trocaram gritos e alguns empurrões. A confusão durou uma meia hora, exaltando ânimos que tanto podiam estar reagindo aos gritos de “Cabula”, de “Papuda” ou a ambos.
Pouco depois, como faltassem assentos no salão, vieram gritos de “Cadeira! Cadeira!”. Novamente, uns pediam cadeiras e outros ouviam “cadeia”. Dessa vez o mal-estar foi meramente auditivo.
Quem já ouviu milhares de pessoas gritando “Papuda” e “cadeia” na Avenida Paulista não tem por que se impressionar com cenas desse tipo. O episódio de Salvador mostrou que há petistas prontos para ouvir “Papuda” em vez de “Cabula” e “cadeia” no lugar de “cadeira” dentro de um congresso do partido. O inimigo, poderoso, conspirador e manipulativo, estaria em todos os lugares, inclusive lá. Coisa de quem está mal dos nervos, como o presidente americano George W. Bush quando viu uma deputada na Casa Branca com um botão onde leu “Osama”. Era “Obama”.
Gritar “Cabula” num evento onde discursava Rui Costa seria uma atitude agressiva, mas razoável para um petista desaparelhado que passa a vida defendendo os direitos do andar de baixo. Ouvir “Papuda” é coisa diversa, reação de alguém capaz de pensar que, a qualquer momento, inclusive durante uma reunião de petistas, poderá ser atazanado pela lembrança do mensalão e das petrorroubalheiras. Vai daí, “cadeira” vira “cadeia”.
A mentalidade do sítio colocou o PT no cubo de Marcel Marceau. Ele era um grande mímico e seu melhor numero era o de um cubo imaginário. A cada movimento que fazia, o cubo encolhia até que, de tão pequeno, não permitia que se movesse. O fato de um sujeito ser paranoico não impede que esteja sendo seguido, mas também o fato de ele estar sendo seguido não impede que ele seja paranoico.
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Elio Gaspari é jornalista
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