• Os únicos aparelhos por trás das manifestações chamam-se Samsung e iPhone, mas os gritos saem da alma
- O Globo
O PT cultiva o mito dos "movimentos sociais". Em torno das multidões que vão para a rua pedir que ele se vá do governo gravita o novo mito, o dos "movimentos da rua". Em tese, eles representam as manifestações. Há o "Vem pra Rua", o "Movimento Brasil Livre", o "União Contra a Corrupção", o "Revoltados Online" e o "Pesadelo dos Políticos". São todos filhotes das redes sociais que já levaram perto de três milhões de pessoas para as ruas sem que tenham distribuído uma só quentinha. Pelo contrário, geraram um mercado de ambulantes e em São Paulo uma espiga de milho cozida custava R$ 5.
Salvo os gritos contra a corrupção e o "Fora Dilma", esses movimentos pouco têm a ver um com o outro. A maioria deles esclarece que não propõe iniciativas fora da Constituição. Mesmo assim, produzem-se excentricidades. Na Avenida Paulista havia um carro de som com cartazes em inglês e um orador que discursava também em inglês, ajudado por um tradutor. Denunciava a tentativa de bolchevização da América Latina. Mais adiante, noutro caminhão, havia personagens vestindo roupas de camuflagem militar. Um deles, no sol, com capacete de combate.
Quem foi para a rua seguiu um impulso para manifestar-se contra o governo e o PT. Fora daí, por enquanto, o aparelho que os conduziu pode ter sido um Samsung ou talvez um iPhone. O meio foi irrelevante, a essência esteve na mensagem: "Fora Dilma".
Tudo bem, resta saber como. Admitindo-se que até agora três milhões de pessoas tenham ido às ruas para pedir que a doutora seja dispensada, faltam 500 mil para cobrir apenas a diferença entre sua votação e a de Aécio Neves (54,5 milhões x 51milhões). Ficando-se nos números do Datafolha, 63% dos entrevistados querem que se abra um processo de impedimento. Nesse grupo, um terço não sabe quem irá para o lugar. Entre eles, metade não sabe quem é Michel Temer. Só 12% dos entrevistados juntaram lé com cré.
Quem votou em Dilma e está arrependido poderá cobrar uma parte da conta na eleição municipal do ano que vem. O PT tem 22 prefeitos nas 85 cidades com mais de 200 mil eleitores. É petista o prefeito da cidade onde fica a Avenida Paulista. A fatura final só poderá ser cobrada em 2018. Fica o argumento de que Fernando Collor foi posto para fora no meio do mandato. Levado às últimas consequências, esse paralelo joga uma urucubaca sobre o sistema democrático brasileiro, pois, nesse caso, de cada quatro presidentes, dois não conseguem concluir seus mandatos. Sabendo-se que Lindberg Farias, o líder dos cara-pintadas do movimento de 1992, é hoje um senador (PT-RJ) e compartilha com o colega Fernando Collor a lista do procurador Rodrigo Janot, pode-se concluir que a política brasileira foi mal, mas os produtos dos movimentos estão no mesmo barco.
A doutora Dima ainda não sabe o que fazer com a rua. Enquanto busca uma resposta, pode botar seu governo para funcionar. No início do mês, ela determinou que seus 39 ministros não usassem os jatinhos da FAB para viajar aos seus estados nos fins de semana. Três deles já driblaram a proibição. Um, com 12 convidados para um evento que durou três horas. O pessoal que paga a conta e vai pra rua voa na rede comercial.
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Elio Gaspari é jornalista
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