- O Estado de S. Paulo
• A eleição presidencial nos Estados Unidos é um curso intensivo de comunicação, ciência política, estatística e mídias sociais.
1 - O candidato que aparece mais – não importa como – está sempre em vantagem. Ao contrário do Brasil, onde ao contribuinte sobra a fatura, na Trumplândia, a propaganda eleitoral na TV é paga pelas campanhas e custa caro. Espaço de graça na mídia é mais do que objetivo, é necessidade. Nunca um candidato conseguiu tanta exposição grátis quanto Trump. Não importa que ele mentisse descaradamente e cultivasse o ultraje como programa de governo.
Quanto mais absurdas as declarações, mais Trump aparecia. Os meios tentaram tratar coisas diferentes como iguais e acabaram potencializando a celebridade do republicano. Só deu Trump. Mas se engana quem acha que ele foi apenas um clown.
2 - A globalização da economia não marginalizou apenas países. Parte das populações de potências como os Estados Unidos e a Grã-Bretanha ficou pelo caminho, perdeu seus empregos e seus status. Enquanto o noticiário enfatizava suas patetices, Trump vendia uma mensagem clara aos desempregados do meio-oeste dos Estados Unidos: “Vou trazer seus empregos de volta e vou assegurar os que sobraram com medidas protecionistas”.
O localismo do seu discurso criou empatia com um eleitor ignorado pelas elites metropolitanas, desempregado pela China e desprezado por Washington. Em comparação a 2012, o republicano virou Michigan, Pensilvânia, Ohio e Wisconsin. Como previu o cineasta Michael Moore quatro meses antes da eleição, Trump foi o coquetel molotov jogado contra os defensores da globalização. Esse eleitor votou pragmaticamente em seus interesses.
3 - O eleitor engajado vale por dois. Não só ele se abstém menos de votar, como se dispõe em arrastar outros consigo. Trump cultivou uma militância dedicada, combativa e às vezes violenta. Um candidato que não empolga, como Hillary Clinton, motiva muito menos gente a enfrentar filas e dificuldades para votar, além de dar poucos argumentos para seus cabos eleitorais. O “melhor” para poucos pode valer mais do que o “menos pior” para muitos.
4 - A mídia tradicional não elege presidentes. Mesmo com o apoio declarado por quase todos os jornais importantes, Hillary fracassou. Talvez porque a penetração dos jornais seja cada vez menor. Publicações do interior – onde Trump ganhou de lavada – estão desaparecendo ainda mais rapidamente do que o resto. Menos repórteres na rua, menos antenas com a sociedade.
5 - As mídias sociais desintermediaram a relação do candidato com o eleitor. Sua ligação é direta desde 2008. Jornais e telejornais insistem em repetir o que o candidato diz e caem na armadilha do trumpismo: quanto mais absurda a frase, mais espaço ela ganha. A mídia se esquece que, em se tratando de políticos, aquilo que dizem sempre importa menos do que aquilo que fazem.
6 - As pesquisas erraram? Menos do que se pensa, mas erraram em cascata. As nacionais previram que Hillary teria mais votos do que Trump, e ela teve (embora menos do que o previsto). O erro na margem nas nacionais não teria causado espanto se não tivesse se repetido nas pesquisas nos Estados decisivos – com o agravante de estas terem apontado vantagem apertada para a perdedora.
As pesquisas não coletaram a intenção de voto da parte do eleitorado de Trump que entrou na espiral do silêncio (quem se envergonha de declarar o voto ou se recusa a responder). A esse erro se sobrepuseram os modelos estatísticos de previsão. Apesar de parecer o contrário, eles somam incerteza em vez de subtrair.
E o Brasil, qual lição pode dar à Trumplândia?
Em um país rachado, se o eleito renega seu discurso de campanha, ele se arrisca a perder quem tinha, não ganhar quem não tinha e ficar perigosamente isolado. Trump é escravo de sua boca.
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