Presidente eleito faz discurso conciliador, mas EUA e aliados mergulham na incerteza
Política econômica ainda é incógnita, e analistas temem guinada protecionista
Apesar do discurso de união nacional feito pelo 45º presidente eleito dos Estados Unidos, o republicano Donald Trump, a memória da campanha agressiva e das promessas polêmicas levou os americanos e seus parceiros mundiais a mergulharem em incertezas diante da falta de experiência e do estilo explosivo do futuro comandante do país. O presidente Barack Obama e a candidata democrata derrotada, Hillary Clinton, também defenderam uma transição amena, mas já no discurso da vitória Trump sinalizou que buscará viabilizar sua agenda conservadora e nacionalista: “Prometo que serei o presidente para todos os Estados Unidos. Vamos renovar o sonho americano.” A onda conservadora que as urnas irradiaram assustou grande parte do mundo, mas foi bem recebida pela extrema-direita europeia. Mesmo com maioria republicana na Câmara e no Senado, Trump não terá, porém, poderes ilimitados. Economistas temem uma guinada protecionista e um revés na globalização, ressaltando a falta de clareza sobre a política econômica que o futuro presidente deverá implementar. As Bolsas globais reagiram com fortes quedas na abertura dos mercados, mas depois reduziram as perdas diante da avaliação de que muitas das propostas do candidato não conseguirão ser postas em prática.
NOVO TOM A ERA DA INCERTEZA
• Trump adota mensagem conciliadora no primeiro discurso como presidente eleito, mas estilo raivoso preocupa republicanos e pode obrigá-lo a ter de buscar apoio para governar
Henrique Gomes Batista - O Globo
-NOVA YORK-Mais do que mudanças, Donald Trump conseguiu a vitória surpreendente na eleição americana com um discurso de ruptura, prometendo virar o país de cabeça para baixo, “drenar o pântano” de Washington, caçar imigrantes e tentar barrar a globalização. E os Estados Unidos entraram em um período de grandes incertezas: a falta de experiência, o estilo explosivo e o pouco respaldo de Trump por sua legenda tornam o futuro nebuloso. Nem mesmo seu indicativo de unir a nação, em linha com o adotado por líderes democratas, garante uma transição suave para o novo país escolhido pelas urnas. Na noite de ontem, protestos contra o presidente eleito foram registrados nas principais cidades americanas.
Porém, Trump não tem poderes ilimitados, mesmo com a maioria republicana no Senado e na Câmara. Ele terá um contrapeso dentro de seu partido e deverá ser pressionado como nunca por organizações da sociedade civil, ouriçadas com a campanha de ódio que marcou as eleições. A forte rejeição aos democratas e às pautas progressistas de Obama pode ser a chave para a reconciliação dos conservadores, dando governabilidade para o magnata.
— Agora é hora de nos unirmos como um povo só. Prometo que serei o presidente para todos os Estados Unidos. Vamos renovar o sonho americano. Nossos homens e mulheres não serão mais esquecidos — disse Trump em Nova York, a uma plateia de homens que usavam bonés vermelhos com o slogan da campanha, “Make America great again”, (“Tornar os EUA grandes novamente”). — Esperamos fazer um trabalho que deixe vocês muito orgulhosos. Eu amo este país. Obrigado.
A nova roupagem de Trump — enfim em um modelo presidencial — pode até não ser duradoura, pois ele terá que entregar o que prometeu à massa enfurecida, base de seu eleitorado, que se posiciona “contra tudo isso que está aí”. Poderá ele adotar um modelo mais moderado que o raivoso Trump que correu o país atrás de votos? Especialistas divergem, o que amplia as incertezas. Mas, inicialmente, aproximou o eleito como nunca de sua oponente, a democrata Hillary Clinton, e seu mais importante algoz, o presidente Barack Obama.
— Independentemente do lado no qual você estava na eleição, independentemente de seu candidato ganhar ou perder, o sol nascerá de manhã — disse Obama nos jardins da Casa Branca, ontem (dia em que a capital americana e Nova York, onde estavam os dois candidatos, acordaram e permaneceram sob chuva). — Nós não somos democratas em primeiro lugar, nós não somos republicanos em primeiro lugar: somos americanos em primeiro lugar. Todos queremos o melhor para este país. Foi o que ouvi nos comentários de Trump na noite passada e fiquei animado. É disso que o país precisa.
Obama ligou para Trump na madrugada de ontem e os dois combinaram de se encontrar hoje na Casa Branca. O presidente também elogiou o trabalho de Hillary. A candidata, por sua vez, também adotou um tom conciliador na tarde de ontem — depois de ter cancelado o discurso que faria na noite de eleição em uma festa com oito mil pessoas em um centro de convenções de Nova York.
— Ontem à noite, eu parabenizei Trump pela sua vitória e me ofereci para trabalhar com ele em nome do nosso país. Espero que ele seja um bom presidente para todos os americanos — disse Hillary. — Eu sei que vocês estão decepcionados, porque eu também estou, assim como milhões de americanos. É doloroso. E continuará a ser por algum tempo. Mas Trump será o nosso presidente. E devemos a ele uma mente aberta e uma chance de liderar. A eleição mostrou que os EUA estão mais divididos do que pensávamos.
RECONCILIAÇÃO COM O PARTIDO REPUBLICANO
A dúvida é saber como será a gestão de Trump. Ele pode repetir Obama, tentando governar por decretos, mas indicou que negociará com seu partido.
— Os presidentes americanos têm muito menos liberdade e poder para fazer o que querem — afirma o professor David Schultz, da Hamline University, em Minnesota. — A Constituição limita o poder presidencial, e Trump simplesmente não poderá mandar nas pessoas ao seu redor como faz em seus negócios. Ele precisará persuadir os outros e construir coalizões para governar.
O primeiro grande ponto em comum é a vontade de desfazer o legado de Obama. O líder republicano no Senado, Mitch McConnell, declarou ontem que uma das prioridades do Legislativo para o próximo ano será revogar o plano de saúde pública — o Obamacare — criado pela administração anterior. A maioria nas duas casas do Capitólio favorece essa ação, embora os democratas ainda mantenham algum poder de pressão e obstrução no Legislativo.
— É um ponto bem forte na nossa pauta agora. Eu ficaria chocado se não seguíssemos adiante (na revogação do Obamacare) — afirmou McConnell, senador pelo estado de Kentucky. Os problemas já são previstos: — Trump terá que viver com divisões internas do partido. Os fiscalistas, por exemplo, podem ser contra seu plano de cortar impostos e incentivar as obras de infraestrutura — afirmou David Birdsell, professor da Escola Marxe de Assuntos Públicos e Internacionais de Nova York.
Mas nem tudo são flores. Além de uma sociedade civil organizada mais progressista, forças de extrema-direita, como o Tea Party, que domina a agenda republicana desde 2010, vão pedir a fatura por ter ajudado a eleger o magnata.
“Donald Trump esteve disposto a abordar a imigração em termos substancialmente mais extremos do que os seus principais adversários, o que lhe permitiu aproveitar o sentimento de ressentimento cultural e nacionalismo étnico dos republicanos de base”, escreveu Vanessa Williamson, do Brookings Institution. “Evidências iniciais sugerem que os brancos educados na faculdade também votaram em Trump ontem. Como com o Tea Party, as análises que explicam esta reação conservadora como a raiva irracional ao status quo e às elites”.
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