Marcelo Ninio, Anna Virginia Balloussier – Folha de S. Paulo
NOVA YORK - Numa guinada da retórica agressiva adotada durante a campanha, Donald Trump assumiu tom conciliatório em seu discurso da vitória, na madrugada de quarta (9), logo após a confirmação de que se tornará o próximo presidente dos Estados Unidos.
A diferença foi o primeiro indício do que poderá ser a cara de seu governo, enquanto circulam especulações de quem o bilionário chamará para compor seu gabinete.
"Agora é hora de os EUA curarem as feridas da divisão, de promover a união. A todos os republicanos, democratas e independentes de todo o país, digo que é hora de nos unirmos como um só povo", disse o presidente eleito em um hotel em Nova York, a poucas quadras da Trump Tower, onde vive.
A versão Trump paz e amor também se estendeu a sua rival na disputa, a democrata Hillary Clinton, a qual passou os últimos meses chamando de "trapaceira" e merecedora de estar na cadeia pelo uso de um servidor privado de e-mail quando era secretária de Estado (2009-2013). Trump contou ter sido recebido um telefonema de Hillary pouco antes do discurso, em que ela o parabenizou pela vitória.
"Hillary trabalhou por muito tempo, com muito afinco, e temos uma dívida e gratidão para com ela por seu serviço a nosso país".
Outro dos principais alvos de ataques de Trump na campanha, o presidente Barack Obama também ligou para Trump a quem deu os parabéns e convidou para uma conversa na Casa Branca nesta quinta (11) para dar início à transição.
Em seu primeiro pronunciamento após a eleição, Obama disse ter se sentido "encorajado" pelo apelo à união de Trump. "Espero que mantenha esse espírito".
Acusado por seus críticos de ter aprofundado as divisões no país com ênfase numa campanha negativa, o bilionário passou o primeiro dia como presidente eleito trancado na Trump Tower, enquanto uma grande fatia dos americanos tentava se recuperar do choque causado por sua vitória.
GOVERNO TRUMP
Passada a eleição americana mais suja e polarizada da história moderna, agora as atenções se voltam para as políticas que Trump adotará como presidente.
Alguns dias antes da votação, ele anunciou uma série de medidas que pretende implementar nos primeiros cem dias de governo, entre elas "o repúdio e substituição" do Obamacare, a reforma da saúde sancionada pelo presidente em 2010, que amplia o acesso universal e é um de seus principais orgulhos.
Outras ações prometidas são cortes de impostos, a deportação de "mais de dois milhões imigrantes criminosos", a renegociação de tratados comerciais e climáticos.
Um dos temas mais martelados por Trump na campanha foi o repúdio à Parceria Transpacífico (TPP, na sigla em inglês). Assinada em outubro de 2015 por EUA e outros onze países, que é o maior acordo comercial da história e ainda não ratificado pelo Congresso dos EUA.
A expectativa é de que o presidente eleito monte um gabinete tão distinto quanto a sua vitória, a primeira de um presidenciável sem qualquer experiência política.
É esperado que Trump misture em seu time executivos e os poucos aliados políticos que lhe foram fiéis do início ao fim, como Rudy Giuliani, ex-prefeito de Nova York, Chris Christie, governador de Nova Jersey, e Newt Gingrich, ex-presidente da Câmara nos anos 1990 -todos eles candidatos a postos no alto escalão da nova gestão.
Potencial procurador-geral (equivalente a ministro da Justiça), Giuliani rivaliza com Trump na retórica agressiva. Christie, ex-adversário nas prévias partidárias, foi saudado como "um cara inteligente demais" no discurso de vitória que Trump deu na madrugada de quarta. Nas primárias, também teve sua cota de propostas polêmicas, como pôr em quarentena quem voltasse do Brasil, por causa da epidemia de zika.
Possível futuro secretário de Estado (chanceler), Gingrich liderou a Câmara em 1990, após quatro décadas de domínio democrata, e advogou pelo impeachment do então presidente Bill Clinton.
O bilionário também deve convocar nomes de fora da política, como Steven Mnuchin, ex-Goldman Sachs, forte candidato a secretário do Tesouro. Cofundador da Lucas Oil, Forrest Lucas está na pré-lista para secretário do Interior, posto que também interessaria ao primogênito de Trump, Donald Júnior.
O que esperar: as promessas da campanha de Trump
Imigração: Foi o carro-chefe de sua campanha. Prometeu construir um muro na fronteira com o México, proibir a entrada de muçulmanos no país e deportar todos os 11 milhões de imigrantes ilegais
Política externa: Considera o acordo nuclear com o Irã "o pior da história"; afirma querer que os aliados aumentem suas contribuições financeiras e sugeriu ser favorável a que países como Japão e Arábia Saudita tenham armas nucleares. Prometeu se aproximar da Rússia de Vladimir Putin
Guerra ao terror: Afirmou que será "imprevisível" na luta contra a facção terrorista Estado Islâmico (EI), que promete "destruir", mas sem dar detalhes. É contra o apoio a mudanças de regimes em países hostis, como os EUA fizeram no Iraque e na Síria
Refugiados: Defendeu a suspensão da entrada de refugiados até que seja implementado um sistema mais rígido de filtragem, incluindo testes ideológicos
Política comercial: É contra a Parceria Transpacífico (TPP, na sigla em inglês), carro-chefe da política comercial do presidente Obama, e defende a renegociação do Nafta (Acordo de Livre Comércio da América do Norte). Prometeu aplicar tarifas de 35% às importações do México e 45% às da China
Direito ao aborto: É contra o direito ao aborto, exceto em alguns casos, como incesto, estupro e quando a vida da mulher está em risco. Defende punição aos médicos que realizam os procedimentos
Saúde: Prometeu eliminar o Obamacare e substituí-lo por um sistema baseado no livre mercado, em que usuários poderiam adquirir planos em outros Estados
Economia: Promete menos regulação e cortes de impostos para todos os contribuintes, principalmente empresas, para estimular a economia. Disse que criaria 25 milhões de empregos em dez anos ao investir em infraestrutura e trazer de volta empresas que produzem em outros países
Mudança climática: Afirmou que é um "embuste" criado pela China para tornar a indústria norte-americana menos competitiva e prometeu revogar ações de Obama para combater
o aquecimento global, como a assinatura do Acordo de Paris
Posse de armas: Diz que o direito à posse de armas serve para prevenir assassinatos em massa e promete defender a segunda emenda à Constituição, que garante o acesso a todo cidadão
Educação: É contra o plano de gratuidade nas universidades e defende que as dívidas estudantis sejam administradas pelos bancos, não pelo governo
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