- O Estado de S. Paulo
Alguns cacicam em escala paroquial, mas os poderosos gerenciam o caixa nacional
A lista de Fachin não poderia deixar mais explícito: o poder emana do caixa, não da urna. A cúpula política brasileira, toda ela agora sob investigação, só está no cume porque controla o fluxo financeiro dentro dos partidos. Pelo mesmo motivo, tornou-se o alvo principal dos investigadores que seguiram o dinheiro. Daí haver muito mais caciques que índios na lista. Menos de 10% da Câmara, mas quase metade dos governadores e 30% do Senado.
Está óbvio nos pedidos de abertura de inquérito autorizados pelo Supremo: quem distribui a grana exerce influência vital sobre os comandados e acaba por controlar os cargos-chave no Executivo e Legislativo. O controle dessas posições reforça e realimenta seu poder financeiro, mas deter a chave do cofre partidário é um passo anterior e indispensável para ostentarem o cocar.
O caciquismo é o motivo principal de o Brasil ter 35 partidos registrados e outra meia centena na fila. Quem quer poder de verdade contrata índios populares e monta sua própria tribo. É fácil identificar uns e outros nos pedidos de abertura de inquérito: caciques são investigados por corrupção e lavagem de dinheiro; índios, apenas por falsidade ideológica – ou caixa 2. Os primeiros pagam e mandam, os outros recebem e obedecem.
Ministros chefes da articulação política (atuais e passados) e presidentes da Câmara e do Senado (atuais e passados) estão sendo investigados não necessariamente pelo que fizeram depois que ocuparam essas funções, mas pelo que ocorreu durante o processo que os levou a virarem ministros e presidentes. Como intermediários e interlocutores de quem pagava, eles decidiam quais correligionários receberiam quanto e quando.
No caso em evidência, o pagador é a Odebrecht, cujos executivos detalharam o caminho do dinheiro, desde os pedidos feitos pelos morubixabas até a entrega na maloca. Mas o percurso é o mesmo para todas as empreiteiras desse e de outros escândalos, e para financiadores de campanha em geral. A escolha dos destinatários é dos caciques partidários, não de quem deu o dinheiro. Sempre há exceções, mas elas não abalam o cacicado.
Alguns cacicam em escala paroquial, quase familiar (daí tantos filhos e pais alvo do mesmo inquérito), mas só são realmente poderosos os que gerenciam o caixa nacional. No PMDB, quem faz isso é um consórcio. Desde a morte de Ulysses Guimarães, a Turma do Pudim controla o fluxo de dinheiro e, por consequência, a ocupação de cargos em estatais, na Esplanada e no próprio Congresso, onde se refugiam a maior parte do tempo.
Todos os comensais de pudim estão agora processados ou investigados, salvo um cujo cargo lhe confere imunidade provisória. Às vezes um candidato a cacique força a entrada na taba com esquema próprio de financiamento e distribuição. Eduardo Cunha forçou. Está preso. Os veteranos, por ora, não.
Do ponto de vista policial, focalizar o fluxo do dinheiro partidário permitiu aos investigadores usarem as delações dos pagadores para mirar em quem arrecada e, por isso, manda – em vez de prender os meros contadores de dinheiro, como na época do mensalão. Tão importante, porém, é perceber que pouco importa a fonte dos recursos. Trocá-la muda pouco ou quase nada.
Nas eleições de 2016, empresas não puderam doar oficialmente. O poder do cacicado não diminuiu, mas aumentou. O grosso do dinheiro declarado veio do Fundo Partidário, totalmente controlado pelos caciques. Agora, tentam empurrar a lista fechada na eleição parlamentar. Se aprovarem-na, vão dispensar os intermediários, escolherão sozinhos quem vai se eleger.
Nunca foi tão perigoso e nunca foi tão poderoso ser cacique.
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