O tamanho da lista de Fachin é proporcional ao nível de degradação a que chegaram partidos e políticos, a ponto de a Odebrecht pagar por leis aprovadas
É crucial que governo e políticos continuem no trabalho de fazer as reformas, para que os vitoriosos em 2018 tenham condições mínimas de governabilidade
O cenário é de uma grande implosão, com escombros por todos os lados, à espera do trabalho de rescaldo e remoção. Não será fácil, mas é essencial, para que se possa começar a reconstrução em outras bases — e sem que o país pare. Era esperada uma grande repercussão da lista de Edson Fachin, ministro do Supremo que herdou de Teori Zavascki a relatoria da Lava-Jato na Corte. Mas, quando se constatam o número de inquéritos instaurados pelo ministro, a pedido do procurador-geral da República, Rodrigo Janot, e ainda as dezenas de nomes remetidos para a primeira instância, confirma-se que de fato o modelo político-eleitoral, a cultura do fisiologismo, os usos e costumes deletérios na forma de se fazer política, por todos os grandes partidos, chegaram ao limite no país. Esta, porém, é uma boa notícia, porque permite o reforma do sistema e o fortalecimento da democracia. Resta conter danos colaterais.
Com base no trabalho de esquadrinhamento das delações premiadas dos 78 da cúpula da Noberto Odebrecht, incluindo Marcelo e o pai, Emílio, de responsabilidade da Procuradoria-Geral da República, Fachin, entre outras medidas, abriu inquérito para investigar oito ministros de Michel Temer, 12 governadores, 24 senadores, 39 deputados. Há, ainda, menções a cinco ex-presidentes (Dilma, Lula, Fernando Henrique, Collor e Sarney).
O governo federal, ao menos, criou uma regra à espera do cataclismo: ministro ou qualquer autoridade citados ficam no mesmo lugar; denunciados, saem. Assim, continuam trabalhando peçaschave de Temer: Eliseu Padilha e Moreira Franco. Também se mantêm no gabinete os demais atingidos pelas delações: Blairo Maggi (Agricultura), Aloysio Nunes Ferreira (Itamaraty), Marcos Pereira (Desenvolvimento e Indústria e Comércio), Gilberto Kassab (Ciência, Tecnologia e Comunicações), Helder Barbalho (Integração Nacional) e Bruno Araújo (Cidades).
Da divulgação da lista por Fachin à definição se o investigado será convertido em réu levará bastante tempo, muito devido à concentração de nomes com foro especial no Supremo (ministros, senadores e deputados), o que estimulará a revisão da amplitude da aplicação desse privilégio. Mas o dano político para cada um dos mencionados é instantâneo. Neste aspecto, destacam-se o PSDB e o PT. Entre os tucanos, projetos de subir a rampa do Planalto em 1º de janeiro de 2019 sofrem avarias: o senador Aécio Neves (MG) e o governador Geraldo Alckmin (SP), citados, podem ser obrigados a rever planos. Obras em ambos os estados, segundo os denunciantes, teriam oxigenado o caixa dois deles.
No PT, citações de Lula e Dilma foram remetidas à primeira instância — Lula, candidato declarado a 2018, já é réu e pode ficar inelegível se condenado em duas instâncias. Há menções aos senadores Humberto Costa (PE), Gleisi Hoffmann (PR) — também da primeira lista de Janot —, a Lindbergh Farias (RJ), líder lulopetista no partido, a Edinho Silva, prefeito de Araraquara e a outros mais. Simboliza o estágio elevado da degradação da política nacional o fato de PT e PSDB se equivalerem em número de citados na segunda lista de Janot, partidos que são os dois pontos extremos hegemônicos na geografia político-ideológica brasileira.
Ainda com relação ao cenário para 2018, um nome que há tempos foi citado nas listas de aposta, o ex-prefeito Eduardo Paes, também não passou incólume, mencionado como beneficiário da empreiteira nas obras olímpicas. E assim, vai-se consolidando a grande probabilidade de uma eleição presidencial como a de 89, a primeira por voto direto depois da ditadura: um grande número de candidatos, de que saiu vitorioso alguém que vendeu a imagem de não político tradicional, um outsider — Collor, depois cassado.
O quadro político-eleitoral nos estados também é afetado. Um exemplo é Rodrigo Maia (DEM), presidente da Câmara, citado como aspirante a ocupar algum espaço no quadro de terra arrasada em que se converteu o Rio de Janeiro, com o esquema de corrupção do ex-governador Sérgio Cabral. Rodrigo, no entanto, e o pai, César Maia, vereador (DEM) e ex-prefeito, não escaparam da prodigalidade da empresa.
Na esteira da lista de Fachin, é muito provável que se aprofunde o debate sobre possíveis diferenças entre caixa 2 e propina. Haverá cada vez mais quem queira minimizar a ilegalidade do dinheiro dado “por fora" para campanha em comparação com aqueles recursos surrupiados de contratos com o setor público para comprar facilidades de políticos. Insista-se: caixa 2 é crime inscrito no Código Penal e no Eleitoral. E nada garante que o dinheiro doado de forma dissimulada para gastos de campanha não tenha vindo também de superfaturamentos, do roubo de dinheiro do contribuinte. Até doação legal foi feita com dinheiro sujo. Mas há, é certo, casos claros, testemunhados, de pagamentos pela “compra” de medidas provisórias e emendas em projetos de interesse da empreiteira. Um toma lá dá cá grotesco.
Os indefectíveis senadores peemedebistas Renan Calheiros (AL), ex-presidente do Senado, e Romero Jucá (RR) são citados por Marcelo Odebrecht por receberem R$ 5 milhões por viabilizarem legislação favorável à empresa. O esforço do senador Jucá para aprovar uma MP ao gosto da empreiteira rendeu generosos R$ 150 mil para seu filho Rodrigo, ex-deputado estadual. O diretório do PMDB de Roraima também foi irrigado pela Odebrecht, devido a serviços prestados no plenário e comissões do Senado.
Emerge dessas delações um enorme e movimentado balcão de negociatas de medidas provisórias. Eunício Oliveira (PMDB-CE), atual presidente do Senado, segundo as denúncias dos executivos, levou R$ 2 milhões neste guichê. Não só a Lava-Jato, mas também outras operações da PF e MP, como a que trata da venda de sentenças na câmara de recursos na Receita Federal, a Zelotes, detectaram negócios envolvendo MPs, no governo do PT, com citações do ministro Guido Mantega e do ex-presidente Lula. Este sai acusado, das delações da Odebrecht, do recebimento de favores em troca da defesa de negócios bilionários da empresa, dentro e fora do país. Até mesada para o irmão, Frei Chico, Lula arrancou da empresa.
O terremoto causado pela Lista de Fachin continuará a reverberar com a divulgação da íntegra dos depoimentos e vídeos. O governo Temer e políticos com alguma consciência não têm alternativa a não ser aprovar a reforma da Previdência, essencial para garantir a estabilidade do país, e continuar a trabalhar para que os vitoriosos nas eleições de 2018 tenham condições mínimas de governabilidade.
Temer, político sem aspirações eleitorais para 2018, não está em questão. Em jogo encontra-se o país. A partir de agora, ficará exposto quem colocar o projeto pessoal acima de tudo, de maneira inconsequente. Quanto à Justiça, é essencial que tudo tramite da maneira mais rápida possível, até para que se tornem claras as nuances dos delitos de que cada um é acusado. Cedo ou tarde chegaria o momento desta purgação na política. Agora, trata-se de, como nunca, seguir leis e a Carta.
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