Todo o sistema político da Nova República ficou em ruínas com a divulgação das delações dos executivos da Odebrecht. Longe de esgotar o veio dos ilícitos, elas resultaram - com consistentes e fartos indícios, mas ainda sem provas - em uma lista com 8 ministros, 24 senadores, 39 deputados e 12 governadores. As suspeitas de corrupção e de caixa 2 abrangem todos os principais partidos e a maioria de seus satélites, espalhados pela base governista e pela oposição. Mais que isso, foram citados nos depoimentos todos os presidentes da República desde a redemocratização. O presidente Michel Temer, mencionado em dois episódios que sugerem a prática de "crimes graves", não pode ser investigado por possuir "imunidade temporária".
A Lava-Jato desnudou um modo de fazer política nefasto, que destroi a democracia, ao permitir a compra de lideranças partidárias e bancadas para o benefício de poucas empresas, grandes financiadoras de campanhas. Um sistema eleitoral que gera proliferação de partidos de aluguel, desvia o voto dos eleitores para nulidades patrocinadas por caciques e pressupõe disputas cada vez mais caras foi presa fácil de interesses não republicanos.
Com o núcleo dos mais próximos colaboradores do presidente Temer envolvidos nas delações, e com o Legislativo amplamente exposto, resta ao Judiciário cumprir sua missão de definir responsabilidades e penalidades. Não é uma tarefa fácil. Não há precedentes de avalanche tão grande de processos envolvendo foro privilegiado, nem o Supremo Tribunal Federal tem estrutura para um julgamento com a celeridade que a crise política requer.
Em meio a longa e profunda recessão, os desdobramentos da Lava-Jato jogaram a política em uma terra de ninguém, propícia a salvadores da pátria e mercadores de ilusões. Não há tempo hábil para evitar que o descrédito lançado sobre os presidenciáveis potenciais da oposição (Lula) e da situação, do PSDB (Aécio Neves, em primeiro lugar, José Serra e Geraldo Alckmin em seguida) coloque o desfecho da eleição de 2018 no campo do imprevisível e abra uma incógnita maiúscula sobre o futuro do país.
A crise política, porém, não pode paralisar o país. Com o destino de ministros e dezenas de parlamentares e governadores nas mãos da Justiça, o Congresso precisa continuar exercendo suas funções, e, dentre elas, as que possam contribuir para abreviar a recessão e alargar o caminho para a volta do crescimento. E, mesmo no campo político, há consenso sobre poucas mudanças nas regras que permitirão o aprimoramento necessário do sistema eleitoral e que já se encontram no parlamento.
As reformas sofrem com o déficit de reputação de deputados e senadores. Mas os mesmos políticos que apoiaram os governos petistas votaram há pouco a limitação dos gastos públicos por meio de um teto de gastos que se move com a inflação, medida vital para restituir a capacidade de ação da União e afastar o fantasma de insolvência que começara a assombrar os investidores.
A reforma da previdência é imprescindível para aliviar as contas públicas a longo prazo e vital para impedir que o teto de gastos desabe em um par de anos sob o peso de despesas que aumentam em crescente velocidade. A recuperação da economia não irá longe e será medíocre se voltarem as suspeitas sobre a solvência do Estado. É dever do Executivo e Legislativo obterem a melhor mudança previdenciária que for possível em condições tão desfavoráveis. A aprovação da idade mínima é o eixo da reforma, que não pode ser muito deslocado sem pôr a perder toda a obra. Modernização trabalhista e tributária devem ser perseguidas sem açodamento, mas com rigor técnico e acurado mapeamento dos nós que impedem progressos nesses campos.
A tentação a se evitar é a dos remendos de sobrevivência. Se os congressistas desviarem suas energias das reformas para projetos como os de abuso de autoridade - necessário, mas não urgente -, tipificação de caixa 2 e outros expedientes para salvar a própria pele prevalecerá a falta de perspectivas. Instituir cláusula de barreira e acabar com coligações nos pleitos proporcionais darão boa dose de racionalidade ao sistema eleitoral e estão ao alcance das mãos - estão prontos para votação.
Mesmo com o vácuo político deixado pela Lava-Jato, é possível realizar avanços. Se Executivo e Legislativo cruzarem os braços à espera de julgamentos que não se sabe quando virão, o país ficará paralisado. É dever de ambos impedir que isso aconteça.
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