- O Estado de S. Paulo
A Lava Jato se firma como um divisor de águas na história do País, mas ainda há muito o que se passar a limpo
Afinal, a delação do fim do mundo é apenas a ponta de um iceberg: o das delações premiadas de uma empreiteira. Ainda vão começar as investigações e mais investigados recorrerão a mais delações premiadas que revelarão mais fatos comprometedores.
Mas essa ponta de iceberg já dá ideia de como o brasileiro está sendo roubado e de como está sendo obrigado a sustentar a roubalheira, com impostos que, em média, correspondem a mais de quatro meses de trabalho em cada ano.
Não é apenas crime de caixa 2 – que é como certos políticos tentam desclassificar o que já se sabe. É quase tudo dinheiro desviado de obras públicas ou do patrimônio de empresas estatais. Entre as denúncias acolhidas pelo ministro do Supremo Edson Fachin estão práticas de lavagem de dinheiro sujo, o que é outro crime; há formação de quadrilhas; e há um esquema de promoção e de sustentação de interesses privados com recursos públicos.
A Operação Lava Jato já se transformou em divisor de águas na História do Brasil. Mas há quem afirme que não passe de montagem seletiva destinada a enquadrar inimigos; que tem por objetivo imediato perseguir prováveis candidatos a cargos políticos ou desmoralizar o sistema de representação popular. Todos os dias aparecem no noticiário da TV e dos jornais políticos aqueles que tentam convencer a população de que as denúncias não passam de mentiras deslavadas; que as doações de campanha estão rigorosamente dentro da lei; que os procuradores da República não passam de moleques; que o juiz Sérgio Moro só trabalha para sua autopromoção, seja dentro ou fora dos autos; e que o estatuto da delação premiada não passa de excrescência jurídica.
Parece inevitável que a dinâmica desta lista, de outras que virão e a autorização judicial para abertura dos inquéritos acabarão por comprometer a agenda das reformas, na medida em que recai agora forte suspeição sobre aqueles que decidirão os critérios da distribuição de contas à sociedade.
Uma vez iniciado seu giro, a roda deve completar seu ciclo, cujo ritmo é diferentemente imposto pelo calendário político. As investigações serão cumpridas, as denúncias serão feitas, os réus serão julgados e os crimes serão punidos – é o que se espera. Mas isso não é tudo porque falta desmontar o que está aí, para que tudo não recomece.
E este é o maior problema. O político roubou porque as despesas de campanha são elevadas demais, o que o levou a encontrar um jeito de compensá-las. A roubalheira e a corrupção tiveram de ser encobertas não apenas por práticas de caixa 2, mas, também, por crimes de formação de quadrilha e de lavagem de dinheiro, como ficou dito.
Será preciso, também, desmontar o enorme esquema de tráfico de influências e o jogo de promoção do interesse das empresas, no Executivo e no Legislativo, que está por trás das máquinas de cobrança e pagamento de propinas.
Enfim, há uma imensa reforma política a empreender, num ambiente geral fortemente contaminado pela falta de confiança. Com que moral políticos com fichas tão emporcalhadas decidirão agora as regras que pretenderão passar o País a limpo e restaurar a moralidade?
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