quinta-feira, 13 de abril de 2017

A engenharia da corrupção

• ‘Não existe eleito no Brasil sem caixa dois’ ‘• Todo mundo no governo tinha medo de grampo’  • ‘Cabem até R$ 3 milhões numa mochila’ • ‘Saldo amigo era para uso por orientação de Lula’ • ‘Se não tem acesso ao rei, não consegue aprovar’  • ‘Seu pessoal (de Lula) está

Delações da Odebrecht revelam propinas, mesadas e promiscuidade entre o público e o privado nos últimos anos

A divulgação das delações dos donos e de executivos da Odebrecht revelou de maneira inédita como funcionava a engrenagem da corrupção no país. As delações levaram o relator da Lava-Jato no STF, ministro Edson Fachin, a abrir inquéritos sobre oito ministros, 24 senadores e 39 deputados, além de governadores e ex-presidentes. Marcelo Odebrecht relatou pagamento de despesas pessoais de Lula e afirmou que tanto ele quanto a ex-presidente Dilma sabiam de doações via caixa dois para suas campanhas. Delatores revelaram ainda mesada para um irmão e ajuda a um filho de Lula. Um dos colaboradores, Márcio Faria, disse ter participado de reunião em São Paulo, com a presença do então vice-presidente Michel Temer, sobre propina num contrato da Petrobras. Presidente do PSDB, o senador Aécio Neves também surge com destaque nos depoimentos. Segundo os delatores, o grupo do tucano recebeu R$ 50 milhões por negócios na área de energia. Todos os acusados negam.

A corrupção escancarada

Delatores da Odebrecht narram detalhes de crimes que envolveram a cúpula política do país

André de Souza, Carolina Brígido, Catarina Alencastro, Eduardo Bresciani, Gabriela Valente, Jailton de Carvalho, Júnia Gama, Leticia Fernandes, Renata Mariz | O Globo

Os depoimentos em vídeo dos delatores da Odebrecht jogaram luz de maneira inédita sobre como funcionavam as engrenagens da corrupção operada pelos dirigentes de empreiteiras e pelos principais líderes políticos do Brasil. Os relatos divulgados ontem atingem o alto escalão dos governos Luiz Inácio Lula da Silva, Dilma Rousseff e Michel Temer, além da cúpula da Câmara e do Senado.

TEMER E US$ 40 MILHÕES
A delação do ex-presidente da Odebrecht Engenharia Industrial Márcio Faria da Silva aponta que o presidente Michel Temer comandou, em 15 de julho de 2010, reunião que serviu para sacramentar acordo que previa o pagamento de cerca de US$ 40 milhões de propina ao PMDB em troca de contratos da Diretoria Internacional da Petrobras. Segundo Faria, Temer, à época candidato à vice na chapa de Dilma Rousseff, delegou a Eduardo Cunha e a Henrique Eduardo Alves, então deputados e presentes ao encontro, a tarefa de fazer os repasses, que representavam uma taxa de 5% sobre o valor dos contratos. A reunião ocorreu no escritório político de Temer em São Paulo, sendo que o peemedebista não discutiu nenhum detalhe sobre o acordo financeiro, limitando-se a conversas triviais sobre política. Em nota, o Planalto afirmou que Temer “jamais tratou de valores com o senhor Márcio Faria”. “A narrativa divulgada hoje não corresponde aos fatos e está baseada em uma mentira absoluta”.

‘LULA E DILMA SABIAM DO CAIXA 2’
Marcelo Odebrecht disse que os ex-presidentes Dilma Rousseff e Luiz Inácio Lula da Silva sabiam da dimensão das doações via caixa 2 para suas campanhas. Marcelo contou que, em 2015, levou a Dilma a quantidade total dos depósitos feitos irregularmente pela Odebrecht, alertando que isso poderia contaminar a campanha da petista. “No que tange a questão de caixa dois, tanto Lula quanto Dilma tinham conhecimento do montante, não necessariamente do valor preciso, mas tinham conhecimento da dimensão de todo o nosso apoio ao longo dos anos. A Dilma sabia que grande parte do nosso apoio estava direcionada para João Santana (publicitário da campanha da petista). Várias vezes, ao longo do tempo, ainda que não fosse ela que pedisse o pagamento a João Santana, porque foi pedido por Guido (Mantega, ex-ministro da Fazenda), várias vezes em nossas conversas se mencionou a questão. Ela sabia do apoio que eu dava para o amigo dela, essas coisas todas” relatou.

Marcelo Odebrecht detalhou um encontro que teve com Dilma em 2015, no México, quando apresentou o valor total das doações irregulares. “Especificamente em 2015, num encontro que eu tive, já com Operação Lava-Jato deflagrada, já quando eu tive consciência de todos os depósitos que tinham sido feitos, aí sim eu mostrei pra ela a quantidade, que poderia incriminar a campanha.”

A GRUPO DE AÉCIO, R$ 50 MILHÕES
Marcelo Odebrecht também disse que o grupo liderado pelo senador Aécio Neves (PSDB-MG) recebeu pelo menos R$ 50 milhões em troca de uma atuação em favor da empreiteira em negócios envolvendo a área de energia. Ele contou que as vantagens indevidas foram pagas em função de negócios com duas estatais: Furnas e Cemig. A primeira, federal, esteve sob liderança de Dimas Toledo, um aliado de Aécio, nos primeiros anos do governo Lula (2003-2005). A segunda, estatal de energia do governo estadual, teve influência de Aécio no período em que o PSDB governou Minas Gerais (2003-2014). “A Cemig e essa diretoria de Furnas eram apadrinhadas pelo PSDB, e o operador informal (para o partido) era o Dimas (Toledo). Nesse momento, foram feitas contribuições relevantes ao PSDB. (...) Não sei precisar quantas dessas contribuições do PSDB foram para o Aécio, ou para os candidatos, quanto isso foi caixa 2. (...) Sei que eram montantes relevantes, da ordem de pelo menos R$ 50 milhões, porque Henrique (Valladares, diretor da área de energia) me comentou uma época e até estimulei ele”, disse Marcelo Odebrecht.

JUCÁ E PADILHA: INTERLOCUTORES
Marcelo Odebrecht disse na delação que o ex-diretor de Relações Institucionais da Odebrecht Cláudio Melo Filho concentrava em apenas dois interlocutores no Congresso a negociação do pagamento de propina a toda a bancada do PMDB: no Senado, Romero Jucá (RR); na Câmara, Eliseu Padilha, o atual ministro da Casa Civil. O dono da empreiteira também disse que o ex-deputado Eduardo Cunha também negociava em nome do PMDB, mas isso era feito com outros executivos da Odebrecht. “No caso do PMDB, o Cláudio informava que ele concentrava as discussões dele no Jucá no Senado e com Eliseu Padilha na Câmara. Tinha também o Eduardo Cunha, mas era mais diretamente com outros empresários que ele conhecia na empresa” relatou Marcelo, que complementou o raciocínio em outro trecho: “Jucá e Padilha representavam um grupo. Cláudio me dizia: ‘eu acerto com Jucá, tá resolvido o PMDB do Senado; acerto com o Padilha, tá resolvido o PMDB da Câmara’”. Marcelo afirmou que, segundo Melo, Jucá coordenada o interesse de todos os integrantes do PMDB no Senado e cita como exemplo o ex-presidente da Casa Renan Calheiros (AL) e o atual, Eunício Oliveira (CE).

TODOS RECEBERAM CAIXA 2
Marcelo Odebrecht foi categórico ao afirmar que todos os políticos com quem se relaciona receberam regursos de forma irregular: “Todo lugar que a gente tinha uma presença forte, com certeza teve caixa 2, não dava para tratar essa diferenciação. Não tem como você dar um montante diferenciado sem fazer caixa 2 (...) Eu não conheço nenhum político no Brasil que tenha conseguido fazer qualquer eleição sem caixa 2. Caixa 2 era três quartos (do total arrecadado), eu estimo. Não existe ninguém eleito no Brasil sem caixa 2. O cara pode até dizer que não sabia, mas recebeu dinheiro do partido que era caixa 2. Era um circulo vicioso que se criou. (...) O político que disser que não recebeu caixa 2 está mentindo. Desse crime leitoral, todo mundo participou”.

GOELA ABERTA
Emílio Odebrecht, presidente do conselho, afirmou em relato por escrito à Procuradoria-Geral da República (PGR) que discutia com o então presidente Lula doações para campanhas do PT. O suporte financeiro, segundo o empreiteiro, vinha de antes mesmo dele chegar à presidência. “Lembro de, em uma dessas ocasiões, ter disso ao então presidente que o pessoal dele estava com a goela muito aberta. Estavam passando de jacaré para crocodilo”, contou Emílio.

MP DO REFIS COMPRADA
Marcelo Odebrecht detalha suposto pagamento de R$ 100 milhões para a campanha de 2014 de Dilma, pedido pelo então ministro Guido Mantega. O pagamento teria sido combinado com a aprovação da Medida Provisória 613, que ajudou a Braskem, braço da Odebrecht, e tratava do Regime Especial da Indústria Química (Reiq), com incentivos fiscais à produção de etanol e à indústria química.

O ex-executivo diz que essa não foi uma troca direta de favores como foi, conta, a negociação dos R$ 50 milhões repassados ao governo pela criação do Refis da Crise para solucionar a crise causada pelo IPI zero. Mas que o então ministro sabia que estava falando com “alguém que dava dinheiro para João Santana”.

“Fora a questão do Refis da Crise, eu nunca mais acertei nenhuma contrapartida com Guido, mas é aquela história: eu tinha acesso a ele, e quando pedia para ele aprovar o Reiq, ele sabia que estava falando com um grande doador, ele sabia que falava com alguém que dava dinheiro a João Santana” disse Marcelo.

O ex-executivo contou que se reunia frequentemente com Mantega e que ambos levavam seus pleitos aos encontros. Segundo ele, o ex-ministro já chegou a pedir que o executivo "resolvesse assuntos" pendentes com o publicitário João Santana e o então tesoureiro do PT, João Vaccari.

PADILHA E MOREIRA COBRAM
Com base em documentos e depoimentos de delatores da Odebrecht, o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, acusou o ministro da Casa Civil, Eliseu Padilha (PMDB-RS) de ter recebido R$ 1,5 milhão de propina das obras da linha 1 do metrô de Porto Alegre. Segundo os delatores, Padilha, identificado pelo apelido “Bicuíra”, cobrou o dinheiro no começo de 2008 ou fim de 2009, rememorando favores prestados ainda em 2001, quando era ministro dos Transportes no governo do ex-presidente Fernando Henrique. O inquérito é baseado nos depoimentos do executivo Valter Lana, e de seu chefe na Odebrecht, Benedicto Júnior. “Nesse caso específico, ele alegou que tinha ajudado lá na licitação, na partida lá. Nós não fomos checar. A gente fez, aceitou o pedido como imposição muito mais pela figura que era de proeminência no PMDB”, contou Benedicto

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