- O Globo
Muitos governistas votaram ontem afirmando que era preciso manter o presidente Michel Temer no cargo porque o governo está tocando uma agenda de reformas econômicas. Nada mais enganoso — e perigoso — do que submeter a luta contra a corrupção à economia. O Brasil está envolvido em duas agendas: reformar o gasto público e combater a corrupção. Não pode abrir mão de uma delas em nome da outra.
O governo já entrou em campo ontem sabendo que ia ganhar e que era uma questão apenas de tempo e de contar os votos. Os defensores de Temer usaram como pretexto a economia. Disseram que ele precisa permanecer porque estão aparecendo os primeiros sinais de recuperação ou porque ele defende a agenda das reformas. Deputados favoráveis ao presidente repetiam coisas como: “Pela estabilidade econômica”, ou “pelo crescimento”, “pela criação de emprego”.
O argumento da economia era apenas um álibi. Basta lembrar o que se viu nos últimos dias, em que o presidente Temer não hesitou em tomar decisões como a de perdoar parte das dívidas do setor rural com a Previdência. Justamente a Previdência que seu governo disse, desde o primeiro momento, que era a reforma mais importante para equilibrar a médio o longo prazo os gastos públicos. Esse perdão aos ruralistas conflita totalmente com a reforma que o governo propôs como forma de reduzir despesas e aumentar arrecadação do sistema de aposentadorias e pensões.
Uma agenda central do Brasil nos últimos três anos tem sido a do combate à corrupção. Ela surgiu no país pela força das instituições democráticas. Não é contra os políticos, e sim contra uma prática criminosa. Mas tem sido vista pelos políticos como uma ameaça direta. Muitos deputados que votaram ontem em favor do presidente usavam a economia como pretexto, mas na verdade estavam se unindo contra as investigações de corrupção. O deputado Júlio Lopes (PP-RJ) foi explícito ao dizer que deve haver uma união dos políticos para “estancar a criminalização da política”. Defendeu os presidentes, “seja Lula, seja Temer”, e completou: “Não somos salafrários, somos excelências”. Muita gente votou pensando em proteger Temer e as “excelências” em geral.
A economia não pode ser biombo para acobertar o crime de corrupção. Não há argumento de defesa econômica que justifique o fato de um político não ser investigado neste momento em que tantos o são. Foi o próprio presidente Temer quem se colocou em posição de suspeito ao receber um empresário investigado no Jaburu e ter com ele uma conversa cheia de pontos estranhos.
O que se fez ontem na Câmara foi dizer que Temer responderá por este ato, quando voltar a ser apenas um cidadão, mas não enquanto for presidente. Só que foi como presidente e pelos poderes da Presidência que ele recebeu Joesley Batista.
Os oposicionistas também usaram a economia com argumentos falaciosos. Os petistas e seus aliados disseram que estavam votando “contra a crise econômica e contra o desemprego”. Eles fingiram não saber que a recessão e a destruição de emprego foram iniciadas no governo Dilma. Uma deputada do PCdoB chegou a dizer que o governo Temer cometeu “crime contra o segundo maior banco de desenvolvimento econômico do mundo”. Ora o mesmo Joesley que acusou Temer confessou em sua delação que pagava propinas nos empréstimos do BNDES nos governos Lula e Dilma. Não se pode aceitar apenas uma parte da delação como verdadeira.
A economia enfrenta crise de extrema gravidade e há muito a fazer para o país superar os obstáculos de curto e longo prazos e retomar o crescimento sustentado. Isso necessariamente passa por reformas dos gastos públicos. Mas o saneamento da economia precisa também do combate à corrupção. Não é para escolher entre uma ou outra agenda. Sair da crise será mais fácil combatendo-se os desvios que minaram a economia e contaminaram a política.
Ontem foi um dia constrangedor, em que a Câmara avisou que um presidente pode sim receber um empresário investigado às escondidas no palácio residencial, ter com ele uma conversa suspeita e indicar um representante que depois é flagrado recebendo mala de dinheiro. Ontem foi mais um dia triste no Brasil. Recuperação da economia foi um pretexto falacioso para barrar a denúncia contra Temer Brasil tem duas agendas: recuperar a economia e combater a corrupção. Não pode escolher uma delas Oposição fingiu não saber que a recessão e o desemprego começaram no governo Dilma
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