- O Estado de S.Paulo
A negociação é voto a voto, grupelho a grupelho, financiador a financiador
A líder do PSB orientando voto contra mas avisando que votaria a favor de Temer sintetiza o que foi ontem a apreciação da primeira denúncia contra o presidente da República pela Câmara: os partidos valem nada. Ao menos como representação política. Tanto que o grosso da barganha feita pelo Planalto para sustentar o chefe não foi com lideranças partidárias, mas com bancadas temáticas: ruralistas, sindicalistas, sonegadores.
Partidos negociam legendas para candidaturas, coletam verbas do Fundo Partidário e distribuem tempo de propaganda eleitoral. Só. Não têm mais nem pudor de aparentar unidade. O líder do PSDB orientou sua bancada a votar contra Temer, mas o autor do relatório a favor do presidente é tucano, assim como quatro ministros. O PT pregou contra, mas um seu governador demitiu secretários para que eles ajudassem o presidente na votação.
Sempre que o Planalto entra pesado para aprovar ou brecar uma proposta, as bancadas partidárias se dissolvem. A negociação é voto a voto, grupelho a grupelho, financiador a financiador. E, nisso, a Turma do Pudim não tem concorrência. O PT pagava mais caro e sofria muito mais para conseguir maioria. O PSDB idem. Não é à toa que o maior vencedor de ontem não foi nenhum partido ou indivíduo, mas uma massa amorfa de letrinhas intercambiáveis.
Define-se pela posição geográfica, traduzida no apelido coletivo de “Centrão”. Reúne deputados que podem estar hoje em uma sigla e amanhã em outra, sem que isso faça diferença sobre como votarão ou sobre suas chances de reeleição. É dando que recebem. Estão sempre no centro, ou seja, apoiando o governo, mas ameaçando constantemente debandar se não forem recompensados.
Esse grupo tomou das mãos indecisas do PSDB o papel de fiador do governo, ganhou status e vai cobrar cada vez mais caro por isso. Se a espada do poder não escapou do punho de Temer foi graças ao cabo trançado entre PSD, PTB, DEM e outras legendas similares. De cara, o “Centrão” vai tentar coletar ministérios que estão com os tucanos. Nada mais natural, dada sua fidelidade e a inconstância tucana. Mas não vão se contentar com isso.
Animados pelo protagonismo repentino, já sonham com as eleições majoritárias de 2018. Falam até em uma chapa presidencial encabeçada pelo ministro da Fazenda, Henrique Meirelles (depois de zanzar por PSDB, PMDB e pelo governo Lula, ele está filiado ao PSD de Kassab). Falta ainda combinar com o eleitor – afinal, a recuperação econômica é um feto numa gestação de risco.
Não foi por acaso que 9 em cada 10 discursos dos deputados que votaram a favor de Temer ontem justificaram seu voto pela necessidade de estabilidade política para a economia voltar a crescer. Apostam seu valorizado capital político na retomada do crescimento ao longo de 2018 – acreditando que o eleitor e seu bolso só se lembram do que acontece no ano da eleição. Se essa aposta não pagar o que esperam, já terão lucrado bastante.
Antes das urnas haverá mais votações no Congresso decisivas para a sobrevivência do governo. O procurador-geral Rodrigo Janot não esgotou todo seu bambuzal para mandar flechas contra Temer. Outras denúncias virão, e, a cada uma delas, o Centrão será chamado a dar seus votos decisivos para escudar Temer e mantê-lo pregado à cadeira presidencial. Cobrará por isso. De novo.
O problema dessa contabilidade é que ela não fecha. O déficit público está estourando e vai explodir para Temer honrar sua dívida com o Centrão. A conta virá na forma de mais impostos. Será um feito convencer o eleitor a votar em quem o faz pagar mais por menos, enquanto centristas, ruralistas e sonegadores prosperam.
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