- O Globo
Desde a deposição de Dilma Rousseff prevalece o silêncio no espaço público
Há mais de uma dúzia de meses não se ouve o ronco das ruas. Desde a deposição de Dilma Rousseff, prevalece o silêncio no espaço público. As pesquisas de opinião sugerem que a sociedade sabe exatamente o que quer e precisa. E, por isso mesmo, se recusa a reconhecer um lado no embate quase sempre retórico dos gladiadores nos plenários do Congresso.
Havia um rastro dessa indiferença na quarta-feira, durante a votação na Câmara sobre a denúncia contra Michel Temer, acusado de corrupção. Em Brasília, a cercada e policiada Esplanada dos Ministérios exibia um imenso vácuo de grama ressecada. Notável a ausência até das habituais torcidas corporativas organizadas. Nas demais cidades não houve manifestações significativas, nem eco ruidoso de panelaços.
A voz das ruas já havia sido registrada em pesquisas na semana anterior: maioria absoluta (81%) dos eleitores se declarou a favor do processo contra o presidente da República, dizendo (57%) que políticos envolvidos em casos de corrupção, como os investigados na Operação Lava-Jato, não merecem o voto na eleição de 2018.
Na quarta-feira, o espetáculo político aconteceu longe do plenário da Câmara. Foi um show tranquilo de indiferença do público em relação ao governo e à oposição. Na desídia, sucediam-se aos gritos no microfone deputados do PMDB, PSDB, PT, PDT, PSOL e outros 24 da sopa de letras partidária, que há muito perdeu a identidade com o eleitorado, sua razão de existir. Ouviu-se um pouco de tudo: da exaltação religiosa (“glória a Deus"), ao protesto ideológico (“contra o comunismo") e xingamento (“canalha”).
Acabou no vácuo, como previsto, com um presidente e seus apoiadores em regozijo pela cavalgada da vitória diante de adversários satisfeitos com a própria derrota — a mesma oposição que nos dias anteriores aceitou um rito processual que dava vantagem ao governo, foi ao palácio aplaudir e pedir dinheiro ao presidente acusado e obteve R$ 455,7 milhões em emendas parlamentares liberadas, grande parte às vésperas da votação.
Raros foram os parlamentares que, como Miro Teixeira (Rede-RJ), na hora do voto fizeram questão de lembrar do objeto oculto mais relevante em qualquer decisão política: o interesse público. Enquanto o Legislativo ampliava a equidistância da sociedade, as ruas respondiam com a absoluta indiferença. A desconfiança permanece.
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