Por Raphael Di Cunto, Edna Simão, Murillo Camarotto, Cristiano Zaia, Marcelo Ribeiro, Fabio Graner, Rafael Bittencourt, Vandson Lima, Daniel Rittner, Fernando Exman e Lucas Marchesini | Valor Econômico
BRASÍLIA - Com um pequeno grupo de manifestantes em frente a Congresso, a Câmara dos Deputados rejeitou ontem a autorização para que o presidente Michel Temer seja julgado pelo Supremo Tribunal Federal (STF) pelo crime de corrupção passiva. O governo trabalhou intensamente, até minutos antes da votação, para fazer o placar mais elástico possível e tentava alcançar resultado que sinalizasse maior facilidade para aprovação de reformas constitucionais a partir de agora. Mas não conseguiu ir muito além da maioria absoluta. Votaram pela rejeição da denúncia 263 deputados. A favor foram 227, com 20 ausentes e 2 abstenções.
Embora governo e oposição tivessem previsto cerca de 200 votos a favor do prosseguimento da denúncia, surpreendeu a forma como os aliados se dividiram. Temer perdeu em São Paulo, Rio, Bahia, Ceará, Acre, Sergipe e Espírito Santo. No papel, a oposição tinha apenas 100 votos, mas a base elevou o pedido de afastamento de Temer a mais que o dobro, apesar de toda a articulação, com pagamento de emendas e ofertas de cargos em troca de apoio.
Voto decisivo e que deixou claro que, matematicamente, não haveria número suficiente para aprovar a denúncia, o líder do SD, deputado Aureo (RJ), foi sucinto e afirmou apenas que votaria a favor do relatório do deputado Paulo Abi-Ackel (PSDB-MG), aprovado pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) pela rejeição da denúncia.
Temer e seus aliados passaram o dia em articulações. O presidente recebeu 18 deputados e ligou para vários outros para pedir que rejeitassem a denúncia ou pelo menos se ausentassem. Numa das conversas, com o deputado Zé Silva (SD-MG), que se dizia indeciso, o pemedebista colocou na mesa os ministros Henrique Meirelles (Fazenda) e Dyogo Oliveira (Planejamento) para discutir a edição de um decreto. Silva votou contra a denúncia.
O governo mandou 10 ministros que são deputados federais retornarem à Câmara e atuarem na linha de frente para ampliar o placar. Responsável pela articulação política, o ministro da Secretaria de Governo, deputado Antonio Imbassahy (PSDB-BA), ficou no fundo do plenário negociando abertamente emendas com parlamentares. Entre eles estava o deputado Alan Rick (PRB-AC), que até então vinha mantendo seu voto em sigilo. Após a notícia ser divulgada, Rick votou a favor da investigação.
Outros ministros passaram o dia no plenário atendendo demandas. O da Saúde, Ricardo Barros (PP-PR), nem chegou a ser exonerado, mas ficou no plenário. O governo preferiu deixar o suplente de Barros na Câmara para ampliar o número de governistas no PSDB.
A articulação provocou um "efeito manada" pró-Temer. Com uma clara vitória do pemedebista, deputados antes "indecisos" optaram por votar pelo trancamento da denúncia, que agora só será julgada quando Temer deixar o cargo. Para que a denúncia seguisse para o STF eram necessários 342 votos (três quintos da Câmara) a favor da acusação - que, caso aceita pelo Supremo, afastaria Temer por até 180 dias para o julgamento.
Temer é acusado pela Procuradoria-Geral da República (PGR) de negociar favores para a JBS em troca de propina. O ex-deputado Rodrigo Rocha Loures (PMDB-PR), auxiliar do pemedebista, foi gravado recebendo mala com R$ 500 mil da empresa. O dinheiro, para a PGR, teria como destinatário final o presidente da República.
Advogado do presidente, Antônio Carlos Mariz disse que não há provas na denúncia, apenas "uma armação extremamente prejudicial à nação", e pediu aos parlamentares que deem ao presidente mais um ano e meio de mandato para que ele possa continuar com sua "obra magnífica".
Abi-Ackel defendeu que a rejeição não significava a impunidade porque Temer poderá ser responder as acusações quando deixar o cargo e que o afastamento agora provocaria instabilidade econômica, argumento de muitos parlamentares para rejeitarem a denúncia sem falar sobre a corrupção.
Já o relator que foi derrotado na CCJ, deputado Sergio Zveiter (PMDB-RJ), sustentou que há "fortes indícios" e votaria a favor "pelo direito que a sociedade tem de saber a verdade". "Se uma mala cheia de dinheiro não for motivo suficiente para se processar alguém, o que mais seria? O processo não atrapalha o Brasil, o que atrapalha o Brasil é a corrupção e a impunidade", afirmou o deputado Rubens Pereira Júnior (PCdoB-MA).
O deputado Jair Bolsonaro (PP-RJ), segundo nas pesquisas para a Presidência em 2018, votou pelo prosseguimento da denúncia dizendo que "o Brasil precisa de um presidente honesto, cristão e patriota". Mas o PEN, partido que ele pretende se filiar, votou contra a denúncia.
Além do PMDB, partido do presidente, o arquivamento da denúncia foi orientado abertamente por 14 legendas: PP, PR, PSD, DEM, PTB, PRB, PSC, Pros, SD, PEN, Pode, PTdoB, PSL e PRP. Com cargos na Esplanada, quatro partidos não apoiaram o governo: PSDB e PSB, que estão divididos, mas defenderam o afastamento de Temer, o PPS, com 90% dos votos contra Temer, e o PV, que liberou os deputados e teve a maioria (4 a 3) votando pelo afastamento. Outras oito siglas votaram pela denúncia.
Em toda a base, porém, houve "traições" ao governo. No PMDB, dos 63 deputados, seis (10%) votaram contra Temer. No PSB, a maioria defendeu o afastamento. Já no PSDB, com quatro ausências, a maioria (22 a 21) quis a permanência do pemedebista. Os partidos mais fiéis foram PTB (só 11% de traição), PP (15%), DEM (20%), PR (23%). Ao todo, 125 deputados de partidos com cargos no governo votaram a favor da denúncia. (Colaboraram Cristiane Agostine e Fernando Taquari, de São Paulo)
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