- Valor Econômico
Presidente manejou a mais antiga lição da política
O presidente Michel Temer lançou mão do mais antigo ensinamento da política para vencer a primeira das batalhas pela manutenção do cargo. Dividiu a tudo e a todos para oferecer a continuação do seu mandato como a única saída viável a atores em disputa.
Instigou velhas rixas entre um DEM, sempre preterido em chapas presidenciais, e os tucanos. Evitou que o PSDB embarcasse na opção Rodrigo Maia, mas alimentou as ambições do partido do presidente da Câmara em ocupar o vácuo de poder deixado pelo PMDB no Rio. Da intervenção na Cedae à ocupação do Rio pelas Forças Armadas, deu demonstrações de que o poder de iniciativa de seu governo não pode ser ignorado por quem almeja a conquista do Estado.
O presidente da República deu asas ainda ao conluio político-industrial para alargar o rombo das contas públicas. No embate com o ministro Henrique Meirelles, a dupla Romero Jucá-Paulo Skaf vence por goleada. O torniquete patrocinado por ambos no impeachment fica, a cada dia, mais caro. A soma de Refis, desoneração prorrogada de empresas, fundo eleitoral, MP do Funrural, resistência à mudança nos subsídios do BNDES e aumento de impostos sobre os combustíveis é tão extravagante quando a anestesia generalizada daqueles que um dia reagiram contra 20 centavos.
O presidente foi capaz até mesmo de dividir o time adversário. Depois de reconhecerem a dificuldade de colocar 342 votos em plenário, parlamentares de oposição concluíram que a estratégia que lhes restava era negar quórum para que a sessão não se iniciasse. Era uma tentativa de impor desgaste ao governo em sucessivas tentativas de votação até a chegada da segunda denúncia da Procuradoria-Geral da República. Pois um grupo de parlamentares, de todos os partidos de oposição e munido de celulares para registrar a cena em redes sociais, resolveu furar o bloqueio e, desde cedo, armou um teatro 'Fora Temer' no meio do plenário. Jogaram para a plateia e para Temer.
Deputados governistas tripudiaram sobre a divisão da oposição congratulando, em plenário, governadores como o petista Rui Costa (BA) que liberou secretários detentores de mandato federal para que registrassem presença na sessão e permitissem ao presidente liquidar a fatura.
Foi no Judiciário, no entanto, que se deu a mais ardilosa divisão. O Executivo foi capaz de se valer dela sem que possa ser acusado diretamente de seu patrocínio. Começou por escolher o segundo nome mais votado da lista tríplice dos procuradores da República. Sem ferir a norma que lhe permitiria até mesmo descer mais um degrau na lista, colocou sobre Rodrigo Janot a sombra de uma sucessora de oposição. A sucessão no MP se dá em meio a uma campanha salarial impopular. Janot é acusado de ter dado prioridade a contratações para os gabinetes em detrimento dos reajustes. Recém-eleita, Raquel Dodge não terá como contornar o reajuste e o desgaste perante a opinião pública.
O Ministério Público corre o risco de ver aprofundado esse desgaste se a presidente do Supremo Tribunal Federal, ministra Carmen Lúcia, não encampar o reajuste do teto do funcionalismo para abrigar a demanda. Acossado por uma sucessão hostil, o procurador-geral ainda assiste à retomada da ofensiva de Gilmar Mendes. O ministro do STF conclamou seus pares a reagir contra a homologação das delações do MP no mesmo dia em que o ministro Luiz Fux se disse impressionado pelo conteúdo da colaboração premiada de Silval Barbosa, ex-governador do Estado natal de Mendes.
Também foi em cima deste Ministério Público dividido internamente e enfraquecido pela prisão de um ex-integrante da corporação, que se deu a ofensiva da Polícia Federal pela prerrogativa de fechar delação premiada, coração da Lava-jato. O aparte ainda atingiria Curitiba, berço da operação que só foi possível porque Sérgio Moro, PF e MP trabalharam juntos. O desmonte da força-tarefa foi talvez o maior baque dos procuradores que acusaram o golpe publicamente.
O procurador Athayde Ribeiro Costa acusou o Ministério da Justiça de sequer ter consultado a força-tarefa antes da reestruturação que realocou numa delegacia de combate à corrupção a equipe da Polícia Federal que integrava a operação. O ministro Torquato Jardim respondeu-lhe que não haveria prejuízo para as investigações, uma vez que a Lava-Jato trabalha desta forma em outras 21 capitais. Procuradores e policiais federais experientes, no entanto, convergem na convicção de que é preferível um único profissional exclusivamente dedicado a uma operação do que três lotados numa delegacia, mas ocupado com outras atribuições.
Ao mesmo tempo em que reina sobre as divisões de quem poderia ameaçar seu mandato, o presidente da República se fortalece com a sustação de antigas arengas em seu quintal como, por exemplo, aquelas que indispunham TCU, AGU e Pasta da Transparência. O mesmo tribunal que disputava com a Transparência e com a Advocacia-geral em torno dos acordos de leniência agora tem indicações encampadas pelo gabinete da Presidência da República. Basta ver o avanço da influência do Tribunal de Contas de União sobre o Cade.
A convergência entre TCU, AGU e Transparência não fez avançar a revisão ('recall') das delações das empreiteiras Andrade Gutierrez e Camargo Correa, dada como certa desde que os executivos da Odebrecht fecharam sua colaboração premiada e expuseram o limitado escopo daquilo que havia sido revelado pelas antecessoras, principalmente contra integrantes dos partidos da aliança no poder.
É essa capacidade do presidente da República de administrar a cizânia das instituições de controle em seu benefício e de seus aliados que atrai parlamentares alvejados como Aécio Neves. A adesão inconteste do senador mineiro ao governo aprofunda a divisão tucana, selada ontem com a orientação dada pela liderança da bancada do PSDB à aceitação da denúncia. A divisão do PSDB retroalimenta as disputas dos partidos da base do governo pela fatia tucana na Esplanada. Mas todos permanecem abrigados à sombra do Planalto enquanto autoridades econômicas, sob o aplauso dos camarotes e a inércia da arquibancada, fingirem desconhecer o cofre arrombado. Temer sobrevive como o presidente que pairou sobre as cizânias e inscreveu as pedaladas fiscais na história como um crime de amadores.
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