quinta-feira, 3 de agosto de 2017

Constituinte completa a blindagem do Estado chavista – Editorial | Valor Econômico

Os objetivos antidemocráticos da eleição de uma Assembleia Constituinte na Venezuela estavam claros desde o início e o governo de Nicolás Maduro tentará levar a farsa até o fim. Um dia depois da votação, opositores que estavam em prisão domiciliar, como Leopoldo López e Antonio Ledesma, ex-prefeito de Caracas, foram mandados de volta para os presídios. E para não deixar qualquer dúvida que a Constituinte veio para selar o fim da Assembleia Nacional, onde a oposição conquistou pelo voto a maioria, é intenção de Maduro instalar os trabalhos de seus 545 membros na sede do parlamento.

A Venezuela caminha agora para a "cubanização". Após dominar o Executivo, o Judiciário e os órgãos encarregados das eleições, os chavistas arrebataram o Legislativo. As esperanças diplomáticas de que poderia haver negociações para retomada do diálogo com a oposição antes da instalação da Constituinte não duraram uma alvorada. O novo órgão de poder tem a composição setorial de inspiração fascista que norteou, por exemplo, a ditadura do Estado Novo brasileiro. Com o boicote da oposição, a Constituinte será totalmente "bolivariana".

Mesmo assim, há diferenças entre os chavistas e as nuances poderão fazer diferença quanto ao grau de repressão e de fechamento do regime. Maduro é considerado incompetente por algumas alas do PSUV, o partido no poder, e o comando da Constituinte ao que tudo indica será um ponto de passagem da disputa interna de poder entre o presidente e seus concorrentes.

Celia Flores, mulher de Maduro, poderá dirigir a Constituinte, função para a qual um dos mais cotados é o radical Diosdado Cabello, ex-companheiro de Chávez na frustrada tentativa de golpe militar em 1992, e ex-presidente da Assembleia Nacional - se dependesse dele, os líderes da oposição já estariam na cadeia há tempos. A ironia da história é que mesmo com um golpe sui generis, com urnas, a permanência de Maduro no poder não está assegurada.

Feita para varrer a oposição do mapa político legal, a Constituinte pode chamar a si o poder soberano do país, dada a falta de parâmetros definidos de sua convocação - a começar por sua duração, que deveria ser estabelecida de antemão e não foi. Em princípio, suas atribuições são ilimitadas e podem abranger, com a elaboração de uma Constituição, um novo calendário eleitoral para a substituição do atual presidente, cujo mandato se encerraria em 2019.

À oposição praticamente não sobraram caminhos institucionais para resistir. Três juízes alternativos para o Tribunal Supremo de Justiça, eleitos pela Assembleia, foram presos e é questão de horas até que a Procuradoria, sob comando da chavista dissidente Luisa Ortega, seja inteiramente reformulada. A prisão pode ser o destino dos principais líderes opositores, se os protestos contra o governo permanecerem nas ruas.

Um teste vital pode ocorrer a qualquer momento, com a instalação da Constituinte no local onde funciona a Assembleia Nacional. A Mesa da União Democrática, que aglutina os partidos anti-chavistas, convocou manifestações para impedir que o parlamento seja desalojado - agora uma questão de honra para o governo e para seus adversários.

Nem as possíveis sanções, nem a condenação de vários países e a desmoralização da eleição demoveram até agora o governo venezuelano de ir em frente e um recuo tornou-se uma possibilidade remota. Antonio Mugica, CEO da Smartmatic, empresa que controla o sistema eleitoral automatizado desde 2004, disse ontem que os números oficiais da votação estão inflados em pelo menos um milhão de votos - 8 milhões foi a cifra divulgada - e que os resultados foram inegavelmente manipulados. Segundo os chavistas, 41% do eleitorado votou, uma distância considerável dos 12% calculados pela oposição.

Não é apenas a oposição, isolada pelo Estado, que caminha para a impotência. A pressão internacional pouco pode fazer, pois medidas punitivas mais eficazes foram descartadas, pois piorariam as já péssimas condições de vida do povo venezuelano. As perspectivas são desoladoras. Como Cuba nos anos 1960, a Venezuela só tem apoio firme hoje da Rússia, depois que a China parece ter atingido o limite de ajuda ao regime, com empréstimos de US$ 60 bilhões. A Venezuela deu um passo decisivo para se tornar uma ditadura isolada do mundo e carente de meios de subsistência.

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