- O Estado de S.Paulo
No Brasil, as causas da percepção de injustiça têm origem não tanto na crise de 2008, mas na corrupção
O ano que vem marcará uma década da crise financeira internacional, crise que trouxe profundas reviravoltas na política econômica e, sobretudo, na política. Nas economias maduras, as enormes transformações políticas dos últimos tempos revelaram que pouco adianta governos prometerem e entregarem o crescimento econômico se avança entre os eleitores o sentimento de injustiça, a sensação de que foram deixados para trás.
Enquanto a crise não teve grandes consequências para os que pertencem à seletíssima casta dos 1% mais ricos nos países afetados, a classe média e os mais pobres viram seus salários estagnarem e a desigualdade aumentar. Para os EUA, para o Reino Unido, para parte da Europa, os anos da rendição de contas por essas percebidas injustiças foram 2016 e 2017, com o Brexit, a eleição de Donald Trump, a ascensão de partidos populistas de extrema-direita, e a derrocada do centro político europeu. Para a América Latina, o ano de 2018 será o ano da rendição de contas com a profusão de eleições na região e a desilusão dominante.
Economistas não costumam pensar nas implicações das políticas econômicas que propõem e respaldam em termos da punição de vícios e da exaltação da virtude – tal forma de raciocinar lhes parece demasiado normativa, insubstancial, pouco rigorosa. Nenhum economista propõe reformas estruturais – como teto dos gastos, reforma da Previdência, reforma trabalhista – para punir vícios e remunerar virtudes.Reformas são elaboradas e propostas em nome da eficiência, da redução do ônus fiscal, da transparência, da remoção aos entraves para a produtividade e o crescimento. Contudo, se há uma lição a extrair da crise de 2008 e de seus desdobramentos políticos nos países avançados, é que os valores morais atribuídos à gestão econômica pela população de determinado país não podem ser ignorados. O risco de deixar de lado essas questões é ver surgir consequências nefastas na política, na rejeição do eleitor a qualquer proposta econômica que venha de governos e políticos que, na sua visão, perpetuam a injustiça.
Nos Estados Unidos, a percepção de injustiça aparece no repúdio ao “globalismo” que muitos veem como a causa dos excessos que levaram a 2008, ou como a razão para os salários estagnados e a perda de empregos na indústria tradicional. Pouco importa se a visão está ou não correta. O resultado é o repúdio ao livre-comércio, a sanha anti-imigração, a tentação do protecionismo dirigido aos inimigos econômicos, sobretudo à China.
No Brasil e em vários outros países latino-americanos, as causas da percepção de injustiça têm origem não tanto na crise de 2008, mas nos escândalos de corrupção. As revelações da Operação Lava Jato, afinal, já afetam cerca de 12 países na região – a mais recente vítima é o presidente peruano eleito em 2016. A situação é evidentemente pior no Brasil, onde políticos condenados e políticos acusados continuam soltos, alguns exercendo mandatos cuja legitimidade foi destroçada por áudios, vídeos, fotos obscenas de malas de dinheiro. É nesse contexto de profundo sentimento de injustiça que são discutidas reformas urgentes, como a da Previdência. É nesse contexto em que o atual presidente da República gastou recursos públicos para garantir sua sobrevivência política em que se tenta emplacar a mais difícil das reformas. É nesse contexto em que a própria reforma já foi diluída para excluir setores do funcionalismo público afetados pelo plano original que previa extensa redução de benefícios daqueles que mais se apropriam dos recursos que se tenta convencer a sociedade.
Ora, não é de espantar que a sociedade não esteja convencida por mais que se insista na aritmética implacável da insustentabilidade de nosso sistema Previdenciário. Pouco importam os números se prevalece o sentimento de que o governo e os políticos nada fazem para aplacar a injustiça. Não foi por outra razão que a reforma da Previdência foi deixada para 2018. Dificilmente será aprovada antes das eleições do ano que vem – quiçá exista janela estreita após as eleições, mas com isso não é possível contar.
Entramos, assim, não naquele que será o ano da redenção como gostaria o governo e seus defensores, mas no ano da rendição de contas. O ano em que o eleitor irá às urnas para derramar suas frustrações e declarar sua indignação. Feliz 2018.
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*Economista, pesquisadora do Peterson Institute for International Economics e professora da Sais/Johns Hopkins University
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