A recomendação não deveria ter vindo de onde veio, da Procuradoria Geral da República, nem ter sua origem em investigações sobre corrupção, mas não deixa de ser bem-vinda. A PGR, e não os manuais de boa governança, solicitou que todos os vice-presidentes da Caixa Econômica Federal deixem os cargos imediatamente e sejam substituídos por pessoas escolhidas de forma transparente, com base em lista feita por consultoria independente especializada em recrutamento de executivos. O objetivo é eliminar as influências nefastas de partidos no rumo da instituição.
O momento é oportuno. A Caixa esboça uma reestruturação e está prestes a obter aporte de R$ 10 bilhões do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço, na forma de títulos perpétuos, para compor sua base de capital de melhor qualidade. Diretores e ex-diretores do banco, porém, foram atingidos por pelo menos 4 investigações diferentes da Operação Lava-Jato - a Origem, Sepsis, Greenfield e Cui Bono - que apontam suspeitas de corrupção no banco e em seu fundo de pensão, a Funcef, ambos envolvidos em negócios que trouxeram benefícios privados e prejuízos públicos.
Hoje o PP, legenda com maior número de investigados pela Lava-Jato, tem influência na direção do órgão, comandado por um correligionário, Gilberto Occhi, ex-vice-presidente da CEF e ex-ministro da Integração Nacional no governo de Dilma Rousseff. Quatro diretores atuais são citados nas investigações com base em depoimentos de delatores que mostram ligações com a máfia do ex-deputado Eduardo Cunha (PMDB-RJ), hoje presidiário, com o secretário geral da Presidência, Moreira Franco, com o contraventor Lucio Funaro e com a J&F, cujos sócios majoritários estão na cadeia.
A Lava-Jato já colocou sob suspeição dois membros do núcleo mais próximo do presidente Michel Temer: Geddel Vieira Lima (PMDB-BA), ex-vice-presidente para Pessoas Jurídicas da Caixa, Moreira Franco (PMDB-RJ), ex-vice-presidente de Fundos de Governo e Loterias da CEF e do comitê Gestor do FGTS. Agora, a PGR apontou que os vices Antonio Carlos Ferreira, Deusdina Pereira, Roberto Derziê de Sant'Anna e Henrique Marques da Cruz estão sendo investigados.
A Caixa, maior financiadora habitacional do país, tornou-se o locus ainda seguro de operação de partidos interessados em estar muito perto de grandes fontes de recursos e de influência política. As investigações de corrupção feitas pela Lava-Jato, por incrível que pareça, não romperam o cordão de isolamento que alguns partidos e o Planalto realizaram em torno da instituição.
Além da "perene influência política sobre funções que deveriam ser essencialmente técnicas", a PGR sustenta que a defesa de atos irregulares passados pelos vice-presidentes citados comprometem sua isenção e dificultam o acesso a apurações internas e externas no banco, e, o que é o mais grave, "a confiabilidade nas operações firmadas e em estágio de contratação". Ou seja, ainda se fazem negócios como antigamente no banco.
A governança do banco, em áreas vitais é tudo o que não deveria ser: dados essenciais foram guardados em e-mails particulares e outros meios "fora do alcance dos mecanismos de controle". A PGR recomenda também que indicações dos subordinados diretos às vice-presidências se submetam a processo seletivo objetivo e transparente.
A CEF está muito atrasada em sua governança, mesmo para os padrões frouxos vigentes na administração pública. Não pode ser comparada, por exemplo, ao BNDES, vários degraus de profissionalismo à frente, ou ao Banco do Brasil. Por seu passado de escândalos e de instrumento de expansão artificial de crédito, como foi no governo petista, vários economistas defendem sua fusão com o BB.
Os passos ensaiados pela Caixa para fugir da dependência do financiamento habitacional - R$ 420 bilhões, sendo R$ 220 bilhões do FGTS, de uma carteira total de R$ 711 bilhões - vão todos na direção de uma competição com o BB, como a busca de um papel no crédito rural ou no financiamento de grandes empresas. Há quem acredite que não existe motivos para a existência de bancos públicos, premissa que encontra correspondência na realidade em vários países desenvolvidos. E certamente é difícil defender que o Estado precise de dois bancos gigantes para exercer políticas públicas, além do BNDES.
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