Bem-sucedido e depurado de propaganda partidária, programa pode ser aperfeiçoado
Um efeito importante do impeachment no debate eleitoral foi o declínio da tese de que a alternância de poder ameaçaria a população dependente do Bolsa Família.
Há dois anos o programa, lançado em 2003, deixou de ser gerido por governos petistas. Poucos dias atrás, o valor dos benefícios recebeu o segundo reajuste na gestão de Michel Temer (MDB).
É verdade que, em valores corrigidos, os desembolsos são hoje menores do que já foram. Essa queda, entretanto, teve início em 2015, ainda sob Dilma Rousseff (PT), em razão do colapso orçamentário federal. O número de lares atendidos se encontra pouco abaixo do pico histórico de cerca de 14 milhões.
Entre os principais candidatos ao Palácio do Planalto, não se vê quem defenda a extinção do Bolsa Família —mesmo Jair Bolsonaro (PSL), um crítico notório, prefere falar em ajustes nas regras.
Decerto que existe aí um tanto de pragmatismo eleitoral. Quem se pretende um postulante competitivo sempre evitará atacar uma iniciativa que serve diretamente a um quarto dos brasileiros.
Mas é fato também que o programa se consolidou por suas qualidades, louvadas por militantes de esquerda, economistas liberais e estudiosos da desigualdade social.
Trata-se de política pública desenhada a partir de estudos técnicos e experiências anteriores, superando tabus ideológicos no processo —o governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT) ouviu sugestões do Banco Mundial e deixou de lado o plano assistencialista prometido na campanha, chamado Fome Zero.
O resultado é um gasto eficaz no combate à miséria, por ser direcionado aos estratos mais carentes e impor condições como frequência escolar e vacinação das crianças. Os montantes, equivalentes a cerca de 0,4% do Produto Interno Bruto, são modestos diante do contingente atingido.
Depurado da carga propagandística que o cercava, o Bolsa Família pode ser aperfeiçoado. Sempre haverá a investigar casos de fraude e recebimento indevido; devem-se buscar formas de incentivar os beneficiários a deixarem de precisar do amparo oficial.
Será adequado também estabelecer alguma previsibilidade para as revisões dos benefícios —coincidência ou não, as três últimas ocorreram em anos eleitorais.
O cancelamento do reajuste em 2017 se mostrou particularmente cruel, dado que o governo se viu sem recursos, em boa parte, devido aos aumentos salariais do funcionalismo. Dificilmente haveria imagem mais clara de como o Estado acaba por contribuir para a desigualdade que deveria combater.
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