- Folha de S. Paulo
Há petistas apostando estupidamente no apocalipse. E o suicídio como saída moral
A esquerda é propensa a crenças escatológicas, finalistas. Há, sim, petistas a vislumbrar uma espécie de Apocalipse, com uma era posterior de redenção dos bons e de danação dos maus. A trombeteira é a senadora Gleisi Hoffmann (PR), presidente da legenda.
Na cabeça dos fanáticos, mantida —e será— a inelegibilidade de Lula, o partido não apresentaria uma alternativa, o que deslegitimaria a disputa. Teria início, então, um longo “processo de lutas”, de sotaque revolucionário, contra o “governo ilegítimo”, o sistema judicial e o “statu quo”. E os mocinhos petistas venceriam os bandidos golpistas...
É delírio de alienados. Mas é certo que custaria caro ao país. Uma avalanche de votos brancos e nulos e a turbulência permanente teriam força para desestabilizar a democracia. Não haveria a menor chance de os companheiros vencerem esse embate no abismo. Ocorre que fanáticos querem ter razão, não vencer. Por isso são tão perigosos.
Jaques Wagner e Fernando Haddad resolveram apostar minimamente na racionalidade e fizeram um aceno discreto a Ciro Gomes (PDT). Foram alvos da fúria de Gleisi, a quem Lula enviou uma carta afirmando que flertar com um “Plano B” corresponderia a uma admissão de culpa, o que é de uma espantosa tolice. “Urna não é tribunal”, escrevi (https://abr.ai/2rB0qAR) no dia 6 de setembro de... 2006!
Para as esquerdas, no entanto, o ex-presidente é o modelo de “intelectual orgânico” vislumbrado por um teórico comunista que escrevia compulsivamente na cadeia: Antonio Gramsci (1891-1937).
É pouco provável que saiam de Curitiba os novos “Cadernos do Cárcere”. Até porque, goste-se ou não do que Gramsci formulou —e eu não gosto—, ele evidenciava uma aguda compreensão do que estava em curso no seu tempo. Parte do comando do PT não está entendendo nada.
O favoritismo de Lula não abre caminho para a sua absolvição. Fecha. Ademais, as pesquisas não expressam a crença na sua inocência. A maioria diz que ele sempre soube de tudo. Sua liderança eleitoral prova apenas o estrago que o Papol (Partido da Polícia) fez na política, que sintetizei neste espaço (https://bit.ly/2G6k6S6) no dia 17 de fevereiro do ano passado: “Se todos são iguais, então Lula é melhor”.
Solto ou preso, Lula não será candidato porque a Lei da Ficha Limpa, que ele sancionou com o apoio unânime do PT, não deixa. Procurem saber o que escrevi sobre essa estrovenga em 2010. Sempre a considerei uma aberração jurídica. Já então o princípio do trânsito em julgado era jogado no lixo.
Se uma pessoa tem chance de ser absolvida em terceira instância, como é que se lhe vai aplicar uma sanção permanente por condenação em segunda? Afinal, o pleito que estará proibida de disputar não volta mais, ainda que venha a ser inocentada.
Ocorre que os companheiros achavam que a dita-cuja faria mal apenas a seus adversários. Aliás, pensavam o mesmo sobre a “lei anticorrupção”, a 12.846, sancionada por Dilma em 2013. Lá está a delação como um vale-tudo. A ex-mandatária agora se mostra arrependida. Também nesse caso, não é por bons motivos.
“Eleição sem Lula é fraude” é sinal de que parte considerável do PT ainda não entendeu que o Papol não discrimina ninguém. O delírio do petismo, que tem a desfaçatez adicional de cobrar que legendas de esquerda se comprometam com o indulto a Lula, só reforça a posição dos carcereiros da política.
Nota à parte: a imprensa descobriu que a Polícia Federal meteu algemas nas mãos, correntes nos pés e uniforme laranja em Luiz Carlos Cancellier de Olivo, então reitor da UFSC, embora não tenha uma miserável prova contra ele.
Em 6.000 páginas de inquérito e 800 de relatório, só se encontram ilações e arranjos narrativos ao gosto destes tempos. Olivo se matou. Os métodos empregados contra o reitor são os consagrados pela Lava Jato. Moral da história: você caiu vítima do Papol? Resta o suicídio.
Nestes dias, só existe inocente morto. Ainda vão me obrigar a reler a carta de Getúlio e a rever o que este país produziu de mais trágico e patético.
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