- Valor Econômico
Para a Petrobras, acordo de leniência não é suficiente
Há uma guerra de versões no caso Âmbar, Petrobras e Cade (Conselho Administrativo de Defesa Econômica) que obscurece a disputa entre a empresa de energia do grupo J&F, dono da JBS, a petroleira que foi gravemente ferida pela corrupção e o órgão antitruste, cuja função é julgar se há uma prática anticoncorrencial da Petrobras no mercado de fornecimento de gás.
O contencioso ganhou notoriedade por sua face política. A Âmbar é uma empresa de Joesley Batista, que gravou clandestinamente o presidente da República, Michel Temer, abrindo uma gigantesca crise no seu governo. No acordo de delação com o Ministério Público, Joesley disse que Temer receberia até 5% do lucro da operação da usina Termelétrica de Cuiabá, controlada pela Âmbar, se na ocasião houvesse decisão do Cade contra o monopólio da Petrobras no fornecimento de gás à empresa do grupo.
A térmica dos irmãos Batista está sem contrato de fornecimento de gás desde junho de 2017, quando a Petrobras rescindiu o contrato em vigor com o argumento de que a empresa de energia havia infringido a cláusula anticorrupção - que foi referendada em segunda instância na justiça. Além da rescisão, a estatal cobra uma multa de R$ 70 milhões.
Atos ilícitos foram admitidos nas delações de executivos do grupo J&F ao MP algumas semanas após a assinatura do acordo entre a Âmbar e a Petrobras que garantia a oferta do insumo até o fim do ano passado, a preços de mercado.
A Âmbar alegou que a holding J&;F celebrou acordo de leniência com o MP, tornando-se, portanto, apta a restabelecer o negócio. Ela obteve do Ministério Público um atestado de que está cumprindo os termos do programa de compliance instituído nas empresas da J&F.
A Petrobras alega, no entanto, que o acordo de leniência é necessário, mas não é suficiente para retomar os negócios com a usina. A Termoelétrica de Cuiabá precisa, também, estar em conformidade com as exigências da estatal, segundo o programa de compliance instituído após o escândalo de corrupção que envolveu a petroleira.
"Temos várias empresas sob acordo de leniência, mas é preciso a Petrobras se convencer de que além do acordo de leniência a empresa se organizou internamente com um bom sistema de controle ", explicou o presidente da Petrobras, Pedro Parente. A estatal, segundo ele, já restabeleceu negócios com a Andrade Gutierrez e com a Carioca Engenharia, que provaram estar de acordo com as regras anticorrupção da petroleira.
"Eles (a Âmbar) estão sendo lentos nesse trabalho, em uma coisa que deveriam estar fazendo há muito tempo", assinalou Parente.
A direção da Âmbar informou que respondeu a um longo e minucioso questionário da Petrobras, mas que a área jurídica da estatal avisou que uma eventual aprovação pode "demorar até dez meses". Parente não soube dizer o prazo, mas completou que não é só entregar as informações. "Nós temos que ir lá, olhar, conversar". Na semana que vem será feita uma "due diligence" na empresa em Cuiabá (MT). "O problema é que eles (Petrobras) não dizem o que querem", comentou uma fonte do grupo empresarial.
Desde 2015 a Âmbar trava uma queda de braço com a estatal para conseguir o suprimento de gás para a térmica de Cuiabá. Sem um contrato firme a usina fica restrita a operações no mercado "spot".
Na Petrobras, a informação é de que a usina, no início, queria pagar só o preço que a estatal compra o gás da Bolívia acrescido de 2,5%, que configuraria subsídio. Tão logo se chegou a um entendimento pela cobrança do preço de mercado, em abril de 2017, foi feito o contrato que logo depois foi rescindido.
A Âmbar buscou no Cade a condenação do que considera uma prática anticoncorrencial da Petrobras. Lá a história segue em capítulos patrocinados pela Superintendência Geral e pelo plenário do tribunal. Em sorteio na semana passada, o pedido de medida cautelar da usina ficou com a relatoria da conselheira Cristiane Alkmin e seria levado ao plenário do tribunal na quarta-feira. O Cade estava dividido nessa questão.
Na terça feira, após o encerramento do expediente, o superintendente do Cade, Alexandre Cordeiro, publicou o arquivamento definitivo da cautelar. Em razão da inesperada atitude de Cordeiro, "que queria matar o caso", na avaliação de executivos do grupo, a Âmbar retirou o pedido feito ao plenário do Cade que extinguiu o processo em que a empresa tentava obter um novo contrato de fornecimento de gás junto à Petrobras.
Os próximos passos desse caso que se arrasta, em prejuízo do abastecimento de gás no Estado do Mato Grosso e da operação de uma usina de 500 MW, deve ocorrer em 15 dias. Um dos conselheiros do Cade poderá avocar o processo e, se os demais aprovarem, ele retomará seu curso.
O tribunal, porém, está dividido em torno desse assunto e são muitos os receios de alguns conselheiros. Eles suspeitam que a atitude de Cordeiro, de arquivar o pedido de cautelar na véspera da reunião do tribunal, tenha sido uma "demonstração de poder" diante do presidente do Cade, Alexandre Barreto; e temem que haja alguém no governo decidido a "destruir" tudo o que tiver a marca de Joesley Batista.
Barreto negou que tenha qualquer disputa com Cordeiro. Ele próprio não está convencido de que o caso Âmbar versus Petrobras seja de prática anticoncorrencial e disse que não considerou estranha a decisão de Cordeiro pelo arquivamento.
Parente deixou claro que não há, da parte da estatal, qualquer "implicância" com a empresa de energia da J&F - "tanto que tínhamos um contrato" que pode ser retomado tão logo eles apresentem "uma organização interna com um bom sistema de compliance". Nega, também, prática contra a concorrência.
Há outros três processos no Cade contra a Petrobras por prática anticoncorrencial. Um da Comgás, que se refere há atuação da estatal há dez anos. Outros dois de empresas de energia de Fortaleza (CE), que por darem prejuízo à Petrobras, ela optou por pagar multa ao invés de vender o gás, segundo informou a estatal.
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